sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Por que WhatsApp está sob ameaça de bloqueio em diversos países?

Não é apenas no Brasil, onde um juiz do Piauí ordenou o bloqueio do aplicativo, que o WhatsApp correu risco de sair do ar. No Reino Unido, na Arábia Saudita, no Irã e em outros países, o aplicativo também sofreu ameaças de bloqueio e, em alguns deles, chegou a ser suspenso.

A discussão ocorre porque é mais difícil monitorar mensagens enviadas pelo aplicativo do que ligações telefônicas ou e-mails, por exemplo – o que, segundo alguns países, pode ameaçar tanto a segurança pública quanto a segurança nacional.  O bloqueio do WhatsApp, no entanto, é visto por muitos como uma ameaça à liberdade de expressão.

No Brasil, o juiz Luís de Moura Correa determinou que o WhatsApp fosse bloqueado para forçar a empresa a colaborar com a Justiça em uma investigação sobre pedofilia. Na noite desta quinta-feira, a decisão foi derrubada pelo desembargador Raimundo Nonato da Costa Alencar. O magistrado entendeu que não era razoável bloquear um "serviço que afeta milhões de pessoas".

No Reino Unido, o primeiro-ministro David Cameron também critica a falta de colaboração da empresa em investigações – neste caso, sobre terrorismo. Em um discurso em janeiro, o britânico disse que tentaria proibir serviços de mensagens encriptadas – como as do WhatsApp e do Snapshat – caso o conteúdo não pudesse ser acessado pelos serviços de inteligência britânicos.

A declaração foi feita após os ataques a revista satírica Charlie Hebdo, em Paris, que aumentaram o temor sobre ameaças terroristas. Já existe uma pressão para que empresas como Google e Facebook forneçam mais informações sobre as atividades dos seus usuários, já que há uma forte ação de recrutamento de grupos radicais pela internet. "Vamos permitir meios de comunicação que são impossíveis de ler? Minha resposta é: não, não devemos fazer isso", disse Cameron.

Terrorismo - Ameaças de terrorismo ou à segurança nacional também serviram de justificativa para o bloqueio do serviço em outros países. Muitos desses governos, no entanto, foram criticados por restringir a liberdade de expressão.

Na Arábia Saudita, de acordo com agências de notícias, houve uma ameaça de retirar o Whatsapp do ar em 2013 porque o serviço não estaria se adequando às regras de Comissão de Comunicações e Tecnologia da Informação. Na época, o país chegou a tirar do ar o Viber, aplicativo de mensagens e chamadas de voz pela internet, pelo mesmo motivo.

Em Bangladesh, o serviço foi bloqueado em janeiro, também de acordo com agências. O governo afirmou que havia ameaças de terrorismo e que era difícil monitorar comunicações pelo aplicativo. "Terroristas e elementos criminosos estão usandos essas redes para se comunicar", disse uma autoridade do Paquistão para justificar a suspensão do aplicativo em uma província, segundo a mídia local.

No ano passado, o presidente do Irã, Hassan Rouhani, considerado moderado, precisou se empenhar pessoalmente para liberar o aplicativo. A linha dura iraniana pediu a censura, segundo a emissora de TV americana Fox News, devido à compra do app pelo Facebook – cujo dono, Mark Zuckerberg, seria uma "americano sionista", segundo o comitê do país responsável pela internet.

Na Síria, que passa por uma guerra há mais de três anos, o aplicativo – usado para marcar protestos durante a Primavera Árabe – foi suspenso em 2012. "Um golpe na liberdade de expressão e nas comunicações em todo lugar. Um dia triste para a liberdade", publicou o WhatsApp em seu Twitter à época.

'USAM WHATSAPP PARA PEDOFILIA, TRÁFICO E ASSALTOS', DIZ DELEGADO QUE PEDE BLOQUEIO DO APP

"Sabemos que o Whastapp é usado no Brasil para crimes como pedofilia, assaltos e tráfico de drogas. O aplicativo serve como facilitador no ambiente virtual para crimes cometidos em ambientes comuns." Quem afirma é Alessandro Barreto, delegado do núcleo de inteligência da policia civil do Piauí e um dos responsáveis pela operação que culminou no pedido de bloqueio do aplicativo de mensagens instantâneas mais popular do Brasil.

A investigação, que corre em segredo de justiça, tenta identificar suspeitos que usariam o app para troca de imagens de menores e discussões sobre encontros sexuais com estudantes de colégios particulares de Teresina. Segundo o delegado, a polícia pediu que o aplicativo compartilhasse o teor das mensagens trocadas pelos envolvidos. Após tentativas sem sucesso, o juiz Luís Moura Correia, da Central de Inquéritos de Teresina, ordenou às operadoras de telefonia que bloqueassem o aplicativo em todo o país por não colaborar com as investigações.

Procurados, representantes do Whatsapp não responderam às solicitações de entrevistas feitas pela BBC Brasil. Já as operadoras prometem recorrer da decisão, que consideram "desproporcional". O último capítulo da novela surgiu na tarde desta quinta-feira. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, um desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) pediu que a decisão de bloqueio nacional do app fosse sustada, alegando que a investigação é local e não nacional.

'Desproporcional' - A ordem judicial do juíz piauiense pede que as operadoras bloqueiem os domínios usados pelo Whatsapp - whatsapp.com e whatsapp.net - em seus "backbones". O termo em inglês significa "espinha dorsal" - no caso, as principais redes por onde passam dados de todos os usuários de internet no Brasil. À reportagem, Vivo e TIM disseram que o SindiTelebrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal) falaria em nome de todas as operadoras. A Claro não respondeu aos chamados.

O sindicato se pronunciou por nota. "O setor de telecomunicações recebeu com surpresa a decisão", afirma. "Para o SindiTelebrasil, a medida é desproporcional, já que para conseguir informações de um número reduzido de pessoas, negadas pela proprietária do WhatsApp, decidiu-se suspender o serviço em todo o País."

O delegado piauiense contra-argumenta: "Desproporcional é um aplicativo vir não sei de onde, ser instalado aqui e a polícia ter que ficar em silêncio. A decisão não só não é exagerada como tem amparo legal", diz. A nota das operadoras prossegue: "O SindiTelebrasil entende que a medida pode causar um enorme prejuízo a milhões de brasileiros que usam os serviços, essenciais em muitos casos para o dia a dia das pessoas, inclusive no trabalho".

Privacidade x prevenção - Adeptos do "zap-zap", como o aplicativo é conhecido por muitos brasileiros, estão divididos em relação ao imbróglio. A leitora Thayse Amorim defende a decisão judicial: "Não colabora com a Justiça, tem que bloquear mesmo. Ainda mais em casos tão graves como pedofilia", escreveu, via Facebook.

Ícaro Marques concorda: "Eu 'acho' que pedofilia não é liberdade de expressão, então...". Mas há quem classifique o episódio como "autoritarismo". "Acho o cúmulo do autoritarismo, por ventura na Internet como um todo não há vídeos de pedofilia? Por que não suspendem logo toda a Internet então? Na verdade o Governo é uma praga que tem a necessidade de controlar tudo e todos", escreveu o internauta Gill Motta no perfil da BBC Brasil no Facebook.

A leitora Rachel Marques concorda: "Autoridades não podem ter acesso às conversas particulares assim, aleatoriamente. Isso viola nosso direito à liberdade de expressão e à privacidade", disse. "Tô do lado do Whatsapp nessa."

Foram necessários sete anos de debate no Congresso para que fosse sancionado o Marco Civil da Internet, conjunto de regras que regem a conduta dos usuários online. O texto final foi aprovado pela presidente Dilma Rousseff em abril de 2014 e prevê proibição ao acesso de terceiros "a dados, correspondências ou comunicação" pela rede. A ideia é garantir a liberdade de expressão e a proteção da privacidade e dos dados pessoais.

Apesar de resguardar o direito de expressão dos internautas, o Marco Civil indica que casos de racismo, pedofilia e violência devem ser tratados com rigidez e que estes conteúdos podem ser excluídos sem ordem judicial. "Após a recusa na colaboração [pelo Whastapp], o que nos restou foi solicitar a suspensão das atividades até que a ordem da Justiça seja cumprida", disse o delegado Barreto. "A legislação prevê tudo isso. Criminosos estão usando a ferramenta e a polícia não pode ficar inerte." (BBC)


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