Não é apenas no Brasil, onde um juiz do
Piauí ordenou o bloqueio do aplicativo, que o WhatsApp correu risco de sair do
ar. No Reino Unido, na Arábia Saudita, no Irã e em outros países, o aplicativo
também sofreu ameaças de bloqueio e, em alguns deles, chegou a ser suspenso.
A discussão ocorre porque é mais difícil
monitorar mensagens enviadas pelo aplicativo do que ligações telefônicas ou
e-mails, por exemplo – o que, segundo alguns países, pode ameaçar tanto a
segurança pública quanto a segurança nacional.
O bloqueio do WhatsApp, no entanto, é visto por muitos como uma ameaça à
liberdade de expressão.
No Brasil, o juiz Luís de Moura Correa
determinou que o WhatsApp fosse bloqueado para forçar a empresa a colaborar com
a Justiça em uma investigação sobre pedofilia. Na noite desta quinta-feira, a
decisão foi derrubada pelo desembargador Raimundo Nonato da Costa Alencar. O
magistrado entendeu que não era razoável bloquear um "serviço que afeta
milhões de pessoas".
No Reino Unido, o primeiro-ministro
David Cameron também critica a falta de colaboração da empresa em investigações
– neste caso, sobre terrorismo. Em um discurso em janeiro, o britânico disse
que tentaria proibir serviços de mensagens encriptadas – como as do WhatsApp e
do Snapshat – caso o conteúdo não pudesse ser acessado pelos serviços de
inteligência britânicos.
A declaração foi feita após os ataques a
revista satírica Charlie Hebdo, em Paris, que aumentaram o temor sobre ameaças
terroristas. Já existe uma pressão para que empresas como Google e Facebook
forneçam mais informações sobre as atividades dos seus usuários, já que há uma
forte ação de recrutamento de grupos radicais pela internet. "Vamos
permitir meios de comunicação que são impossíveis de ler? Minha resposta é:
não, não devemos fazer isso", disse Cameron.
Terrorismo - Ameaças de terrorismo ou à segurança nacional
também serviram de justificativa para o bloqueio do serviço em outros países. Muitos
desses governos, no entanto, foram criticados por restringir a liberdade de
expressão.
Na Arábia Saudita, de acordo com
agências de notícias, houve uma ameaça de retirar o Whatsapp do ar em 2013
porque o serviço não estaria se adequando às regras de Comissão de Comunicações
e Tecnologia da Informação. Na época, o país chegou a tirar do ar o Viber,
aplicativo de mensagens e chamadas de voz pela internet, pelo mesmo motivo.
Em Bangladesh, o serviço foi bloqueado
em janeiro, também de acordo com agências. O governo afirmou que havia ameaças
de terrorismo e que era difícil monitorar comunicações pelo aplicativo. "Terroristas
e elementos criminosos estão usandos essas redes para se comunicar", disse
uma autoridade do Paquistão para justificar a suspensão do aplicativo em uma
província, segundo a mídia local.
No ano passado, o presidente do Irã,
Hassan Rouhani, considerado moderado, precisou se empenhar pessoalmente para
liberar o aplicativo. A linha dura iraniana pediu a censura, segundo a emissora
de TV americana Fox News, devido à compra do app pelo Facebook – cujo dono,
Mark Zuckerberg, seria uma "americano sionista", segundo o comitê do
país responsável pela internet.
Na Síria, que passa por uma guerra há
mais de três anos, o aplicativo – usado para marcar protestos durante a
Primavera Árabe – foi suspenso em 2012. "Um golpe na liberdade de
expressão e nas comunicações em todo lugar. Um dia triste para a
liberdade", publicou o WhatsApp em seu Twitter à época.
'USAM
WHATSAPP PARA PEDOFILIA, TRÁFICO E ASSALTOS', DIZ DELEGADO QUE PEDE BLOQUEIO DO
APP
"Sabemos que o Whastapp é usado no
Brasil para crimes como pedofilia, assaltos e tráfico de drogas. O aplicativo
serve como facilitador no ambiente virtual para crimes cometidos em ambientes
comuns." Quem afirma é Alessandro Barreto, delegado do núcleo de
inteligência da policia civil do Piauí e um dos responsáveis pela operação que
culminou no pedido de bloqueio do aplicativo de mensagens instantâneas mais
popular do Brasil.
A investigação, que corre em segredo de
justiça, tenta identificar suspeitos que usariam o app para troca de imagens de
menores e discussões sobre encontros sexuais com estudantes de colégios
particulares de Teresina. Segundo o delegado, a polícia pediu que o aplicativo
compartilhasse o teor das mensagens trocadas pelos envolvidos. Após tentativas
sem sucesso, o juiz Luís Moura Correia, da Central de Inquéritos de Teresina,
ordenou às operadoras de telefonia que bloqueassem o aplicativo em todo o país
por não colaborar com as investigações.
Procurados, representantes do
Whatsapp não responderam às solicitações de entrevistas feitas pela BBC Brasil.
Já as operadoras prometem recorrer da decisão, que consideram
"desproporcional". O último capítulo da novela surgiu na
tarde desta quinta-feira. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, um desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí
(TJ-PI) pediu que a decisão de bloqueio nacional do app fosse sustada, alegando
que a investigação é local e não nacional.
'Desproporcional' - A ordem judicial do juíz piauiense pede que as
operadoras bloqueiem os domínios usados pelo Whatsapp - whatsapp.com e
whatsapp.net - em seus "backbones". O termo em inglês significa
"espinha dorsal" - no caso, as principais redes por onde passam dados
de todos os usuários de internet no Brasil. À reportagem, Vivo e TIM disseram
que o SindiTelebrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de
Serviço Móvel Celular e Pessoal) falaria em nome de todas as operadoras. A Claro
não respondeu aos chamados.
O sindicato se pronunciou por nota.
"O setor de telecomunicações recebeu com surpresa a decisão", afirma.
"Para o SindiTelebrasil, a medida é desproporcional, já que para conseguir
informações de um número reduzido de pessoas, negadas pela proprietária do
WhatsApp, decidiu-se suspender o serviço em todo o País."
O delegado piauiense contra-argumenta:
"Desproporcional é um aplicativo vir não sei de onde, ser instalado aqui e
a polícia ter que ficar em silêncio. A decisão não só não é exagerada como tem
amparo legal", diz. A nota das operadoras prossegue: "O SindiTelebrasil
entende que a medida pode causar um enorme prejuízo a milhões de brasileiros
que usam os serviços, essenciais em muitos casos para o dia a dia das pessoas,
inclusive no trabalho".
Privacidade
x prevenção - Adeptos do
"zap-zap", como o aplicativo é conhecido por muitos brasileiros,
estão divididos em relação ao imbróglio.
A leitora Thayse Amorim defende a decisão judicial: "Não colabora com
a Justiça, tem que bloquear mesmo. Ainda mais em casos tão graves como
pedofilia", escreveu, via Facebook.
Ícaro Marques concorda: "Eu 'acho'
que pedofilia não é liberdade de expressão, então...". Mas há quem
classifique o episódio como "autoritarismo". "Acho o cúmulo do
autoritarismo, por ventura na Internet como um todo não há vídeos de pedofilia?
Por que não suspendem logo toda a Internet então? Na verdade o Governo é uma
praga que tem a necessidade de controlar tudo e todos", escreveu o
internauta Gill Motta no perfil da BBC Brasil no Facebook.
A leitora Rachel Marques concorda:
"Autoridades não podem ter acesso às conversas particulares assim,
aleatoriamente. Isso viola nosso direito à liberdade de expressão e à
privacidade", disse. "Tô do lado do Whatsapp nessa."
Foram necessários sete anos de
debate no Congresso para que fosse sancionado o Marco Civil da Internet,
conjunto de regras que regem a conduta dos usuários online. O texto final foi
aprovado pela presidente Dilma Rousseff em abril de 2014 e prevê proibição ao
acesso de terceiros "a dados, correspondências ou comunicação" pela
rede. A ideia é garantir a liberdade de expressão e a proteção da privacidade e
dos dados pessoais.
Apesar de resguardar o direito de
expressão dos internautas, o Marco Civil indica que casos de racismo, pedofilia
e violência devem ser tratados com rigidez e que estes conteúdos podem ser
excluídos sem ordem judicial. "Após a recusa na colaboração [pelo
Whastapp], o que nos restou foi solicitar a suspensão das atividades até que a
ordem da Justiça seja cumprida", disse o delegado Barreto. "A
legislação prevê tudo isso. Criminosos estão usando a ferramenta e a polícia
não pode ficar inerte." (BBC)
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