Após o presidente Jair Bolsonaro ter declarado que Joaquim Levy estava
com "a cabeça a prêmio", o economista decidiu pedir demissão da
presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)
neste domingo (16).
A saída de Levy, a primeira baixa na equipe do ministro da Economia,
Paulo Guedes, acontece um dia após críticas públicas de Bolsonaro ao
economista.
O mandatário não gostou da indicação de Marcos Barbosa Pinto para a
diretoria de Mercado de Capitais do BNDES. Isso porque Barbosa Pinto foi
assessor do banco no governo do PT. Levy também atuou em gestão petista, como
ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, mas Bolsonaro disse em outra ocasião que
deu um voto de confiança a pedido de Guedes porque não havia nada que o
desabonasse.
No sábado (15), em Brasília, Bolsonaro declarou a jornalistas: "Eu
já estou por aqui com o [Joaquim] Levy. Falei pra ele demitir esse cara [Marcos
Barbosa Pinto] na segunda-feira ou eu demito você, sem passar pelo Paulo
Guedes".
Após as críticas do presidente, Guedes disser entender a
"angústia" de Bolsonaro e aproveitou para demonstrar também sua
insatisfação com o trabalho de Levy.
"O grande problema é que Levy não resolveu o passado nem encaminhou
solução para o futuro", afirmou o ministro em entrevista a Gerson
Camarotti, do G1.
Um dos motivos da insatisfação com o trabalho dele teria sido a
resistência do presidente do BNDES em devolver o dinheiro injetado no banco. O
ministro da Economia havia afirmado que esperava receber R$ 126 bilhões neste
ano, uma quantia importante para ajudar no ajuste fiscal e na política
econômica do governo, mas Levy não teria se comprometido com isso.
A importância do BNDES no fomento da atividade econômica no Brasil é
grande: o banco responde por cerca de metade do volume total de financiamentos
para pessoas jurídicas com prazo de pagamento acima de cinco anos.
O outro ponto de discordância com Levy passa pela promessa de campanha
de Bolsonaro de "abrir a caixa-preta do BNDES" logo no início do
governo, e "revelar ao povo brasileiro o que feito com seu dinheiro nos
últimos anos".
Em novembro, Bolsonaro declarou ao site O Antagonista: "a
caixa-preta vai ser aberta na primeira semana! Não tenha dúvida disso. Se não
abrir a caixa-preta, ele (Levy) está fora, pô. Alguns falam que não tem caixa
preta... Eu quero a suspensão de todos os sigilos, sem exceção".
Na entrevista a jornalistas neste sábado (16), após ameaçar demitir
Levy, Bolsonaro completou: "Governo tem que ser assim, quando bota gente
suspeita em cargos importantes. E essa pessoa, como o Levy, vem há algum tempo
não sendo leal àquilo que foi combinado e àquilo que conhece a meu respeito.
Ele está com a cabeça a prêmio já tem algum tempo".
Pedido de demissão - Leia a íntegra da mensagem do economista:
"Solicitei ao ministro da Economia Paulo Guedes meu desligamento do
BNDES. Minha expectativa é que ele aceda.
Agradeço ao ministro o convite para servir ao País e desejo sucesso nas
reformas.
Agradeço também, por oportuno, a lealdade, dedicação e determinação da
minha diretoria. E, especialmente, agradeço aos inúmeros funcionários do BNDES,
que têm colaborado com energia e seriedade para transformar o banco,
possibilitando que ele responda plenamente aos novos desafios do financiamento
do desenvolvimento, atendendo às muitas necessidades da nossa população e
confirmando sua vocação e longa tradição de excelência e responsabilidade.
Joaquim Levy"
Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro, também havia criticado Levy
Afinal, há uma caixa-preta no BNDES?- Não está exatamente claro a que o presidente se refere quando utiliza o
termo "caixa-preta".
A resposta simples para a pergunta é que o banco, de fato, mantinha
muitos dados em segredo e se recusava a fornecer informações. Mas, a partir de
2015, após grande pressão da imprensa e de órgãos de controle, o BNDES se
tornou mais transparente - passou a divulgar detalhes sobre seus empréstimos,
não só os atuais, mas também os passados, englobando as operações feitas
durante os governos do PT.
Essa transparência permite uma maior investigação e avaliação pela
sociedade. Por outro lado, quando se fala em "caixa-preta", a
interpretação do termo pode se referir também à revelação de informações não
oficiais, como gravações de conversas, delações de funcionários.
Nesse sentido, é impossível prever se existem ou não irregularidades a
serem reveladas.
Em novembro, a BBC News Brasil procurou
pessoas e órgãos que já haviam criticado a falta de transparência do BNDES no
passado, para saber o que pensam sobre os dados que a instituição
disponibiliza.
Um deles é o Tribunal de Contas da União (TCU), um órgão federal que
fiscaliza as contas públicas. Segundo o TCU, essa situação mudou a partir de
2015. Hoje, o órgão diz receber do banco "todas as informações que lhe
foram requisitadas". Inclusive, TCU e BNDES firmaram, recentemente, uma
parceria para divulgar mais dados do banco ao público.
Quem também já criticou a falta de transparência do BNDES é o economista
Sérgio Lazzarini, do Insper, que analisa dados do banco há mais de uma década -
com um viés crítico, diga-se de passagem, mostrando as mazelas das relações
entre os setores público e privado.
Lazzarini concorda com o TCU e diz que o BNDES se tornou mais
transparente a partir de 2015. "O BNDES está sendo muito sincero e
transparente sobre o que está acontecendo no banco. Por incrível que pareça, o
BNDES está hoje até mais avançado que outros bancos internacionais", disse
Lazzarini, que é PhD pela Universidade de Washington e foi professor visitante
em Harvard, em 2010 e em 2012.
Um exemplo do que o BNDES divulga, e outros bancos públicos de
desenvolvimento não costumam revelar, são os próprios contratos de
financiamento relacionados a obras no exterior.
Assim, parte dos dados que os críticos pleiteiam já está disponível
online. Por outro lado, há informações que permanecem em sigilo, como a análise
de risco sobre os tomadores de empréstimo. O BNDES alega que esses dados são
protegidos por sigilo fiscal e bancário e que sua divulgação traria
consequências para o mercado de capitais - em outras palavras, ao ter sua
classificação de risco divulgada, as empresas podem ter seus negócios
impactados. A decisão sobre divulgar ou não esses dados está sendo analisada
pela Justiça. (BBC)
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