Já se sabe que
treinar demais e descansar de menos causa problemas como insônia,
enfraquecimento da imunidade e dores.
Um grupo de pesquisadores brasileiros tem
sido pioneiro em ir além - na verdade, para dentro do corpo: eles buscam os
efeitos do exercício físico excessivo em órgãos vitais como o coração e o
fígado.
Os cientistas, das universidades estaduais de São
Paulo (USP) de Ribeirão Preto e de Campinas (Unicamp) em Limeira, já estudam há
uma década o impacto deste excesso no organismo - e reuniram suas principais
descobertas em um artigo recém-publicado no periódico internacional Cytokine. As
pesquisas receberam apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp).
Coração, fígado, músculos e sistema nervoso
mostraram, em experimentos com camundongos conduzidos pelos pesquisadores,
alterações - algumas prejudiciais - após treinos muito intensos. Os testes
incluíram corridas no plano, na subida e na descida por oito semanas.
A prática é nociva para o organismo,
alertam os autores, caso não haja um período adequado de descanso e
recuperação.
Cientistas brasileiros propõem analisar o impacto do exercício intenso em diferentes órgãos
Fígado entra em cena
para ajudar o músculo - Nos músculos, as células demonstraram mais dificuldade
em captar a glicose no sangue - substância que é fonte de energia para as
células, como o combustível do nosso corpo. Na modalidade de descida, os
animais apresentaram ainda sinais de atrofia e má formação de proteínas no
interior das células.
Mas, se nas células
musculares, houve maior dificuldade de captar glicose, como o organismo supriu
esta falta? Novos testes mostraram que o fígado teve um papel nisso, já que o
órgão é um dos mais importantes no controle do açúcar no organismo.
O órgão pode
"estocar" glicose - para situações como a percebida pelos
pesquisadores, em que o treino intenso levou a uma dificuldade dos músculos
absorverem glicose. Cobaias, no experimento, mostraram aumento deste estoque.
Mas, como efeito
negativo do excesso de esforço físico, os cientistas constataram também maior
acúmulo de gordura no fígado e sinais de inflamação. Isto pode estar
relacionado à atuação compensatória do fígado na administração do estoque de
glicose, mas ainda não foi confirmado pelos estudiosos.
"O aumento da gordura no fígado é
muito ruim, pois tem relação com uma série de doenças, como obesidade e
diabetes. Mas é importante destacar que, nos experimentos, não constatamos
estas doenças, apenas o acúmulo de gordura", destaca Adelino Sanchez Ramos
da Silva, coordenador da pesquisa e professor da USP.
Até mesmo o coração incrementou sua
participação na captação da glicose, com maior acúmulo da substância em seus
tecidos.
Mas, como efeito negativo no coração, após
as oito semanas de treino excessivo, foi observado também sinais de fibrose (endurecimento
do tecido) no ventrículo esquerdo - alteração presente em condições patológicas
como a insuficiência cardíaca.
Tanto neste órgão, quanto no fígado, sangue
e músculos, foram detectados ainda substâncias que indicam ter ocorrido
inflamações.
A importância do
descanso - O coodernador da pesquisa destaca ainda que o problema não está no
exercício intenso em si - "ele é necessário, inclusive" -, mas quando
ele não é combinado com um período de recuperação adequado.
Pesquisa mostrou alterações nos músculos, sangue e órgãos após exercícios intensos
Um repouso de duas
semanas, por exemplo, foi suficiente nos experimentos para que camundongos
recuperassem seu peso e apetite, duas alterações clássicas no estudo dos
exercícios de intensidade.
Na rotina de exercícios de atletas ou
amadores, diz Silva, o tempo de descanso recomendado varia. Para os primeiros,
costuma-se indicar redução do tempo e da carga dos treinos e um possível
aumento no período de recuperação; para os amadores, o intervalo recomendado
depende da pessoa e dos exercícios realizados, mas tende a ir de 24 a 48 horas.
"A prática de exercício físico de
maneira regular, moderada e supervisionada por um profissional de educação
física é extremamente benéfica, uma vez que pode servir como estratégia
não-farmacológica de prevenção e tratamento de uma série de doenças",
aponta.
"No entanto, caso ocorra um
desequilíbrio entre o excesso de exercício físico e os períodos de recuperação,
o efeito do exercício pode se tornar prejudicial à saúde".
O papel das
citocinas - Uma outra inovação proposta pelos pesquisadores diz respeito ao
papel das citocinas, proteínas produzidas por células de defesa e que têm papel
importante nas inflamações.
Uma explicação bem aceita na literatura
científica até agora é a de que as citocinas seriam liberadas com o exercício
excessivo, levando a várias mudanças no organismo e à queda na performance.
Mas a equipe liderada por Silva vem
demonstrando que, mesmo quando as citocinas já estão em níveis normais após uma
alta, a performance pode continuar prejudicada.
Assim, os cientistas brasileiros defendem
que as citocinas não são a única explicação para a queda na performance -
agora, a busca por outras justificativas continua. (BBC)
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