Professor do
Departamento de Política e Relações Internacionais de Oxford, Ezequiel Ocantos,
em sua mais recente pesquisa, colocou pessoas sentadas lado a lado para falar
sobre operação Lava Jato no Recife (PE).
No estudo,
que ainda está em fase de análise dos dados, o pesquisador também ouviu
participantes defenderem que a operação dure "para sempre" e que cada
Estado brasileiro tenha uma Lava Jato para chamar de sua.
Ocantos, que
em sua pesquisa busca entender a qual a percepção brasileira a respeito da
maior operação anticorrupção do Brasil em parceria com Nara Pavão, professora
da Universidade Federal de Pernambuco, diz que a marca Lava Jato já é hoje
maior que o Judiciário. Ou seja, vai além do ex-juiz e atual ministro Sérgio
Moro ou que o Ministério Público Federal.
"Com
certeza, a Lava Jato é maior que Moro. Já é percebida como uma instituição,
quase um poder separado", diz o professor, que nasceu na Argentina, fez
graduação e mestrado na Universidade de Cambridge e é doutor em Ciência
Política pela Universidade Notre Dame (EUA).
O americano
Matthew Stephenson, professor de Direito de Harvard e ex-assessor de um juiz da
Suprema Corte americana, concorda que a percepção do público a respeito da
operação transcende Moro e vai além da atuação da força-tarefa comandada pelo
procurador Deltan
Dallagnol.
Stephenson diz ainda que a Lava Jato também é "maior que Lula".
"Entendo
que Lula é um político muito influente e uma figura muito carismática no
Brasil, mas essa operação é muito maior. É compreensível que na narrativa
anticorrupção as pessoas se concentrem em indivíduos porque nós procuramos por
heróis e vilões. Mas a Lava Jato é tão grande que tem o potencial para mudar as
instituições", diz Stephenson, que tem se dedicado a pesquisar corrupção e
separação dos Poderes.
Efeito dos
vazamentos na Lava Jato - No entanto, nem Stephenson nem Ocantos dizem saber
dimensionar que efeito os vazamentos das conversas entre Moro e Dellagnol terão
sobre a "marca" da operação. Divulgadas pelo site The Intercept Brasil, do jornalista Glenn Greenwald,
trechos das mensagens trocadas entre o então juiz e o procurador sugerem que
Moro orientou ações e cobrou novas operações dos procuradores por meio de
Dallagnol, o que, segundo o Intercept, daria um
viés partidário às ações contra o ex-presidente Lula.
Nesta sexta
(14), o The Intercept Brasil divulgou nova suposta
conversa de Moro, de maio de 2017, em que o então juiz teria sugerido a
procuradores do MPF (Ministério Público Federal) uma ação para rebater a defesa
do ex-presidente Lula após depoimento do petista à Lava Jato.
Ocantos
admite que a imagem de Moro, que no final de 2018 abandonou a carreira de juiz
para fazer parte do primeiro escalão do presidente Jair Bolsonaro, ainda está
muito associada à operação. "A operação [...] ainda está muito associada à
figura de Moro, que incorporou a marca. Por isso, a grande pergunta é se é uma
marca forte suficiente para resistir a esse escândalo". Para o
pesquisador, é possível, por exemplo, que os acontecimentos recentes só
reforcem as imagens contra e a favor que as pessoas têm da operação.
"Eu
acho que é uma pergunta aberta, não sei a resposta. Não está claro o que vai
acontecer", diz Ocantos. "Os que são a favor podem pensar: claro que
eles (Moro e procuradores) tinham que fazer isso para combater a corrupção. E
os que já viam problemas na Lava Jato podem dizer: claro que tem viés",
completa o argentino.
Já
Stephenson diz ser importante saber quantos são os que apoiam a operação mas
não têm uma postura
passional em relação à Lava Jato.
"Se eu
fosse brasileiro e não tivesse analisado as conversas (vazadas) de forma
cuidadosa como eu tentei fazer, eu seria o tipo de pessoa que teria mudado
minha postura porque eu sou simpático à campanha anticorrupção e as evidências
do vazamento indicam que é tudo política. Mas não sei como as pessoas estão
vendo isso", diz o professor de Harvard.~
Stephenson,
que inicialmente interpretou os diálogos como "uma chocante e imperdoável quebra de ética do então juiz
Moro" e um "erro de avaliação" do procurador num texto publicado
no blog criado por ele, recuou e afirma ter usado "palavras fortes
demais". Para o jurista, nem todos os diálogos "são tão graves quanto
o Intercept parece mostrar".
O professor
prepara um novo post para o blog Global Anti-Corruption, uma referência para
quem estuda o tema da corrupção, no qual faz uma reflexão sobre a possibilidade
de parte das conversas entre Moro e Dallagnol terem sido travadas na fase
investigativa e não durante o julgamento – e por que, segundo ele, isso pode
não ser interpretado como uma contundente evidência de que Moro agiu de forma
completamente irregular.
Apesar de
baixar o tom das críticas, o professor diz ainda ficar incomodado com a troca
regular de mensagens entre um juiz e um procurador e também com o tom de
algumas das conversas que, segundo ele, sugerem um teor "excessivamente
colaborativo".
Ezequiel González Ocantos diz que diálogos mostram juiz e procurador 'fora do personagem'
'Fora do
personagem' - Para Ezequiel Ocantos, as gravações divulgadas são como
"uma mosca na sala", que nos permitiu ver os procuradores e o juiz
"fora do personagem".
"Acho
que essa é a importância do evento (das gravações). Mais do que estarem agindo
ou não de forma justa, eles estão agindo fora do personagem, de uma forma que a
gente não espera que se comportem", avalia o professor, dizendo que a
revelação das conversas escancarou uma relação que até se podia imaginar que
existia, mas que não era aberta.
Ele pondera,
contudo, que personagens como Moro e Dallagnol dificilmente vão gerar consenso
porque miram figuras públicas que dividem opiniões.
"Aqueles
que gostam das pessoas vão achar que a decisão é errada e as que não gostam vão
achar que as decisões são as corretas, mesmo que tomada pelo mesmo juiz. É
muito difícil serem percebidos como imparciais", avalia.
Leituras
distintas - Ocantos
cita ainda que a própria dinâmica do trabalho em um caso como a Lava Jato pode
ter leituras completamente distintas.
O professor
diz que é esse o caso dos diálogos dos procuradores sobre a entrevista do
ex-presidente Lula antes das eleições.
Segundo as
conversas divulgadas pelo TheIntercept Brasil,
procuradores da força-tarefa em Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol,
discutiram formas de inviabilizar uma entrevista do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva autorizada à colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, em setembro do ano passado.
Os diálogos
sugerem que, para os procuradores, a entrevista, que havia sido autorizada pelo
ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, poderia "eleger
o (Fernando) Haddad" ou permitir a "volta do PT" ao poder.
Nas
conversas no grupo divulgadas pela publicação, eles discutiram a possibilidade
de impedir a entrevista ou qual formato traria menos benefícios políticos para
Lula.
"Você
pode ler os chats sobre a entrevista do Lula de dois jeitos. Pode pensar que
eles odeiam Lula, que são completamente enviesados, e contra ele. Mas pode
achar que, se (os procuradores) querem que a investigação sobreviva, pensam na
melhor chance para isso: um governo que vai querer parar a investigação ou
outro que não", avalia. "Talvez seja uma mistura dos dois", opina.
Já
Stephenson diz ter ficado "desapontado" em ver procuradores que
respeita "fazendo pouco caso dos valores de uma imprensa livre", ao
defenderem que Lula não falasse ao jornal Folha de S.Paulo antes das
eleições.
"Por
um lado, fiquei preocupado com vários aspectos das mensagens, porque discordo
das conclusões políticas e legais da equipe da Lava Jato, e, o mais importante,
porque me incomodei com procuradores falando tão abertamente sobre sua
esperança de que um lado, em vez de outro, vença uma eleição", escreveu o
professor de Harvard no blog.
Para
Stephenson, contudo, "a hostilidade ao PT pode ter resultado dos ataques
implacáveis do PT à operação Lava Jato, incluindo ameaças de fechamento e
denúncias pessoais dos promotores."
Razões
para questionamento - Diferente de Ocantos e de Stephenson, o professor no Centro
para Estudos Globais da Universidade de Nova York (NYU), Patrício Navia, afirma
que a credibilidade da Lava Jato fica comprometida diante dos vazamentos.
"Há motivos suficientes para questionar os resultados da operação, diz.
"Se
uma pessoa é julgada e condenada por acusações de homicídio e, em seguida, há
evidências de que os promotores adulteraram as evidências, a decisão
provavelmente será anulada. Este não é o resultado da pessoa não ser culpada,
mas a violação do devido processo é suficiente para anular a decisão",
afirma Navia.
"Pelo
menos, no que diz respeito ao impacto político, a credibilidade de todo o
processo está em dúvida. Isso será amplamente usado pelos defensores de Lula
que afirmaram que to (BBC)).do o processo foi politicamente motivado",
completa o professor da NYU. (BBC))
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