O ensino superior foi o mais afetado pelos
bloqueios de gastos anunciados no Ministério da Educação (MEC),
mas áreas da educação básica e infantil - apontadas como prioritárias pelo
governo de Jair Bolsonaro (PSL) - também sofrerão com o contingenciamento de
recursos na pasta.
Em
participação no Plenário da Câmara dos Deputados na quarta-feira, 15, dia de
protestos nacionais pela educação, o titular do MEC, Abraham Weintraub, afirmou
que trata-se de uma contenção temporária de gastos ("até o país
decolar") e que o governo cumprirá seu plano de concentrar seus esforços
nas creches, ensino básico e técnico.
Especialistas em educação, porém, afirmam que os bloqueios podem
impactar diretamente programas e ações em andamento em escolas brasileiras, com
efeito direto nos municípios, principalmente em áreas remotas ou carentes.
Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do
Governo Federal (Siafi) tabulados pela ONG Contas Abertas, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia do governo que tem como função
transferir recursos para a educação básica de Estados e municípios e funciona
como uma espécie de agência de fomento do cotidiano escolar, teve congelado
quase R$ 1 bilhão de seu orçamento de R$ 4,7 bilhões para 2019.
Dentro do
FNDE estão programas que financiam, em nível municipal, desde livros didáticos
até o transporte escolar, auxílio à formação de professores e incentivo à
construção de creches.
Na Câmara, Weintraub afirmou que a educação básica foi esquecida
pelo governo federal nos últimos anos. "A educação essencial, a básica, é
o ponto fraco do Brasil. A gente está abaixo da meta estabelecida no Plano
Nacional de Alfabetização (PNA). Quem fica de fora da creche são as crianças
mais pobres, parte da sociedade mais vulnerável", disse.
O ministro atribuiu a responsabilidade dos bloqueios às gestões
anteriores de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). "Não somos
responsáveis pelo desastre da educação, não votamos nele."
O governo Bolsonaro, como os antecessores, suspendeu temporariamente
o gasto de verbas em busca de equilíbrio fiscal enquanto a situação do país não
melhora. Caso o Executivo termine o ano com um deficit maior do que o previsto
no Orçamento (R$ 139 bilhões) sem autorização do Congresso, os governantes
podem responder por crime de responsabilidade fiscal.
Programa de transporte escolar é um dos que sofreram bloqueio de verbas
Por outro lado, se a situação fiscal melhorar, o governo afirmou que
poderá liberar verbas.
As medidas
causaram reação também no Congresso. "A queixa maior, a grande apreensão
entre os parlamentares é a ausência de um plano para a educação. Esse ministro
só fala em cortar. Não tem ação propositiva. A gente não consegue nem avaliar
porque não há nada proposto. É a primeira vez que eu vejo um ministro que
defende, que pede cortes em sua área", afirmou à BBC News Brasil o
deputado federal Idilvan Alencar (PDT-CE), que faz parte da Comissão de
Educação da Câmara e já presidiu o FNDE e o Conselho Nacional de Secretários da
Educação (Consed).
Ainda
durante a sabatina na Câmara, Weintraub afirmou que buscará que os recursos do
fundo da Lava Jato (com dinheiro recuperado dos esquemas de corrupção) sejam
parcialmente destinados à educação.
A BBC News
Brasil procurou o MEC acerca dos impactos dos bloqueios em programas ligados ao
FNDE e aguarda retorno.
Transporte escolar - O bloqueio
de verbas do programa Caminho da Escola, destinado a renovar, padronizar e
ampliar a frota de veículos escolares no país, atingiu 82% da soma autorizada
em 2019 (R$ 23 milhões de R$ 29 milhões), segundo os dados tabulados pela
Contas Abertas.
Estudo feito
em parceria com a Universidade Federal de Goiás indica que esse programa levou
à redução da idade média dos veículos (9,3 anos no Nordeste e 6,7 no país, por
exemplo). Mas a frota ligada ao Caminho da Escola se aproxima de dez anos de
uso e precisa também ser renovada.
Segundo
gestores e professores, os dois principais benefícios do programa são a
garantia do acesso à educação e a redução da evasão escolar.
Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à
Educação, esse é o tipo de repasse que, quando não é feito, pode inviabilizar a
ida à escola de crianças em áreas remotas ou sem estrutura de transporte
público.
"O problema concreto é que o direito à educação acontece em
todo o ano letivo. Se não tem transporte escolar, praticamente inviabiliza-se a
escolaridade de muitas crianças", afirma Cara à BBC News Brasil.
Abraham Weintraub em convocação na Câmara nesta terça;
ministro afirmou que foco do governo será educação básica e infantil
Livros didáticos - A produção,
compra e distribuição de livros didáticos teve congelados R$ 144 milhões de seu
orçamento de R$ 1,9 bilhão (ou 7,6% do total) dentro do FNDE.
No município
cearense de Sobral, "recebemos a notificação de que vão chegar apenas 25%
dos livros didáticos para reposição. Isso é um problema principalmente nas turmas
de Fundamental I (primeira à quinta série), quando os livros didáticos são
consumíveis (não são reaproveitados de um ano para o outro)", diz à BBC
News Brasil o secretário municipal de Educação, Herbert Lima.
"Não
vai dar nem para a metade dos alunos. Nossa rede é mais estruturada e faz
aquisições de livros didáticos de outros lugares, mas para a grande maioria dos
municípios isso vai ser um grande problema."
Lima afirma
que os municípios têm tido dificuldade de interlocução com o MEC, para saber se
alguns pontos do contingenciamento serão pontuais ou permanentes. "O valor
pré-fixado que recebemos para alimentação escolar veio menor, por exemplo, e
sem nenhuma explicação. Como não há interlocução, há insegurança nos
municípios."
Educação infantil e de jovens adultos - Programas de apoio à implementação e manutenção de creches dentro do
FNDE também tiveram recursos congelados - R$ 21 milhões, de um total de R$ 125
milhões divididos em duas rubricas.
O apoio ao
funcionamento da Educação de Jovens e Adultos (EJA, voltado a pessoas que não
concluíram os ensinos fundamental e médio na idade correta) teve congelamento
de R$ 14 milhões, ou cerca de 40%.
Para Daniel
Cara, um dos grandes problemas da descontinuidade do financiamento da educação
básica é que a medida pode, na prática, acabar com muitos dos projetos do MEC.
"Reconstruí-los exigirá novas contratações e tramitações, o que é muito
difícil", diz.
'Dificuldades de planejamento' e Fundeb - Questionado
a respeito da importância de o MEC otimizar e priorizar gastos em momentos de
crise, Cara diz que, de fato, "sempre é possível racionalizar".
"Mas
não podemos fazer isso sufocando as políticas públicas. Não tem, por exemplo,
como melhorar o transporte escolar acabando (com os recursos do) transporte
escolar", opina.
Carlos
Eduardo Sanches, assessor técnico da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação,
afirma que tem ouvido de secretários e gestores educacionais dificuldades em
acessar os fundos do FNDE, "gerando atrasos, por exemplo, em pagamentos de
obras de creches".
E, para além
do FNDE, secretários dizem que outro obstáculo é planejar seu orçamento, pela
ausência de diretrizes claras.
Valmir
Nogueira, secretário de Educação em Paragominas (PA), afirma que os repasses do
FNDE ao município ainda estão em dia, mas em contrapartida vieram menos
recursos do que o esperado do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica, de onde vem a maior parte do dinheiro que financia escolas
públicas em Estados e municípios) para o Estado.
"Sem
esse complemento, como vamos ficar? O impacto é brutal, e em alguns municípios
o risco é não haver dinheiro para pagar a folha (de professores). Aqui estamos
contingenciando despesas de combustível, transporte, contratos de
manutenção."
O modelo de
financiamento do Fundeb expira (por lei) no ano que vem, e ainda não há uma
definição oficial de se ele será prorrogado ou substituído. Cecilia Motta,
secretária de Educação do Mato Grosso do Sul e presidente do Conselho Nacional
de Secretários de Educação (Conseg), afirma que essa é a principal preocupação
dos gestores educacionais, porque "o Fundeb é a garantia do direito à
educação".
Segundo nota
do MEC de 6 de maio, o secretário-executivo do MEC Antonio Paulo Vogel afirmou
que a pasta busca subsídios para auxiliar o Congresso a redigir uma emenda
constitucional sobre o Fundeb, "como fruto de um diálogo entre governo,
sociedade civil organizada e especialistas em educação".
A BBC News
Brasil questionou o MEC se há algum contingenciamento no Fundeb em vigor no
momento e aguarda o retorno da pasta.(BBC)
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