Se no passado os alimentos eram vistos como fonte de nutrição e
prazer, hoje é impossível sentarmos à mesa sem a sensação de que estamos
entrando em um campo minado. Será que aquele bacon vai envenenar seu corpo? Ou
talvez o trigo no pão acabe com o seu cérebro? Bem, e o que dizer dos adoçantes
artificiais?
Além das dúvidas que surgem sobre cada alimento, não ajuda nada o
fato de as avaliações de médicos e cientistas estarem sempre mudando.
É verdade que isso é praticamente inevitável: as advertências de
saúde precisam ser constantemente atualizadas conforme novos estudos exploram
as nuances entre o que ingerimos e seus efeitos no organismo. Mas quando os resultados de uma pesquisa são exagerados pela
desinformação ou pela falta de contexto, alguns medos desnecessários acabam
empurrando as pessoas para escolhas mais nocivas.
A BBC Future analisou alguns dos novos mitos em torno de certos
alimentos e confrontou as alegações com as evidências científicas disponíveis.
Eis o que descobrimos:
BACON
O medo: Carnes
processadas são tão prejudiciais quanto o cigarro.
Os fatos: A
Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou recentemente ter recolhidos
indícios suficientes de que o bacon e outras carnes processadas podem
contribuir para o câncer colorretal, mas os verdadeiros riscos não são tão
preocupantes quanto as manchetes nos fizeram acreditar.
O Cancer Research UK, fundação britânica para a pesquisa do
câncer, argumentou que o câncer colorretal é relativamente raro. Se uma pessoa
praticamente não come carne alguma, o risco de desenvolver a doença é de 5,6%.
E quem ingere bacon ou presunto todos os dias tem esse risco aumentado para
6,6%. Ou seja, em cada 100 pessoas que cortarem esse tipo de alimento, apenas
uma terá evitado o câncer.
Em comparação, para cada 100 fumantes que abandonam o cigarro, são
salvas de dez a 15 vidas. Mesmo assim, o consumo exagerado deve ser evitado. O governo
britânico, por exemplo, recomenda como saudável a ingestão média de 70 gramas
diários de carnes processadas – o equivalente a duas salsichas ou três fatias
finas de bacon.
Conclusão: Comer
embutidos ocasionalmente pode não ser tão saudável quanto optar por alimentos
mais naturais, mas também não é um veneno gastronômico.
CAFÉ
O medo: Nossa
dependência da cafeína vai nos levar a um ataque cardíaco.
Os fatos: Existem
pouquíssimas evidências de que o cafezinho de todo dia seja o caminho certo
para uma morte prematura. Muito pelo contrário, na realidade.
Em 2012, o New England Journal of Medicine publicou
um artigo sobre um estudo que avaliou a saúde de 400 mil cidadãos americanos
durante 13 anos. Os cientistas descobriram que aqueles que beberam de três a
seis xícaras de café por dia tinham 10% menos chances de morrer durante o
período da pesquisa.
Eles apresentaram uma incidência menor de doenças cardíacas, derrames,
diabetes e infecções. Considerando uma série de estudos que examinaram a saúde de mais
de 1 milhão de pessoas, uma revisão feita em 2014 chegou a um quadro
semelhante: indivíduos que bebiam quatro xícaras de café por dia tinham 16%
menos chances de morrer a qualquer momento.
É importante notar, no entanto, que se tratam de estudos
observacionais e, portanto, não podem comprovar completamente se foi o café que
protegeu a saúde dos voluntários. Talvez seja apenas o fato de que as pessoas
mais saudáveis tenham sido atraídas ao café. Mas, em termos de “dependência”, a
bebida é razoavelmente inofensiva.
Conclusão: O
café pode não ser o “elixir da vida” que algumas pessoas dizem ser, mas é
possível curtir a bebida sem se preocupar demais.
TRIGO
O medo: O
chamado “cérebro de farinha”, que pode contribuir para o mal de Alzheimer.
Os fatos: Primeiro
de tudo, lembremos que um número muito pequeno de pessoas – cerca de 1% da
população – sofre genuinamente de uma alergia ao glúten conhecida como doença
celíaca, que afeta seus intestinos e leva à desnutrição.
Outros indivíduos podem não sofrer desse mal mas serem “sensíveis”
ao trigo: apesar de não sofrer sintomas se ingerirem o alimento em pequenas
quantidades, podem experimentar desconforto se comerem muito pão, por exemplo. As
explicações para essa “sensibilidade não-celíaca” são controversas: em vez do
glúten presente no trigo, ela pode ser provocada por uma série de açúcares e
proteínas que também são encontradas em outros alimentos, como frutas e cebola.
Se isso for verdade, eliminar o trigo da dieta não seria suficiente.
Há também indivíduos que decidem adotar uma alimentação livre de
glúten simplesmente por enxergarem o trigo como algo tóxico. Um dos argumentos
mais populares atualmente é o de que alimentos à base de trigo provocam uma
inflamação geral no corpo, que pode contribuir para uma “névoa mental” e
aumentar o risco de doenças graves, como o mal de Alzheimer.
Mas enquanto as dietas ricas em carboidratos e açúcares podem
provocar danos neurais com o tempo, o trigo integral ainda é melhor para a
saúde do que outros carboidratos, como a batata, porque libera açúcares mais
lentamente.
Conclusão: O
ser humano vem se alimentando de trigo há pelo menos 10 mil anos. A menos que
uma pessoa tenha feito exames que comprovem uma alergia, não parece haver
motivos para cortar essa comida até segunda ordem.
MANTEIGA, QUEIJO E LEITE INTEGRAL
O medo: Laticínios
entopem as artérias e contribuem para doenças cardíacas.
Os fatos: Durante
décadas, a mensagem era simples: gorduras saturadas vindas do queijo, da
manteiga e do leite integral aumentam o colesterol no sangue e colocam as
pessoas em risco de sofrerem um ataque cardíaco.
Por esse motivo, muitas organizações de saúde nos incentivaram a
lubrificar nossa dieta com margarina e óleos vegetais, substituindo as gorduras
saturadas por “poliinsaturados” normalmente encontrados na (famosa) dieta
mediterrânea.
Mas nos últimos anos, temos assistido a uma torrente de
descobertas que contradizem essas visões tradicionais. Considerando todas as
evidências científicas presentes até hoje, uma grande revisão de estudos
recentemente concluiu que “o alto consumo de gorduras saturadas não tem efeitos
sobre a doença coronariana”.
Novamente, trata-se de estudos observacionais. No entanto, uma
equipe de cientistas noruegueses recentemente testou em voluntários os efeitos
de uma dieta rica em gordura animal. Eles descobriram que essas pessoas tinham
o colesterol mais baixo do que outros indivíduos que só usaram um alimento com
0% de gordura. Outros 12 estudos independentes indicaram que as pessoas que se
alimentam de laticíneos integrais eram de fato mais magras do que aqueles que
tomavam leite semidesnatado.
É possível que a própria gordura ajude a regular o metabolismo,
aumentando a eficiência da queima de energia. Ou pode ser que laticínios
integrais mantenham a fome à distância por mais tempo, fazendo com que tenhamos
menos chances de beliscar lanches pouco saudáveis entre as refeições.
Conclusão: Ainda
não sabemos por que, mas a “gordura integral” pode ser o novo “sem gordura”.
LEITE PASTEURIZADO
O medo: A
pasteurização poderia contribuir para o eczema, a asma e outros distúrbios
imunológicos.
Os fatos: O
leite integral não é o único alimento a ser colocado na berlinda. Hoje é cada
vez mais forte a ideia de que quanto mais “natural” um alimento, mais saudável
ele é. E isso levou muita gente a desprezar o leite pasteurizado.
Essas pessoas argumentam que o processo de pasteurização danifica
muitos dos nutrientes do leite, inclusive proteínas que podem nos proteger de
alergias. O método também eliminaria “micróbios bons” que poderiam ser
acrescentados à nossa flora intestinal, ajudando na digestão, reforçando o
sistema imunológico e até protegendo contra o câncer.
Mas muitos médicos acreditam que essas conclusões são prematuras.
O leve aquecimento realizado na pasteurização normalmente deixa todos os
nutrientes intactos. E parece difícil que as bactérias “boas” presentes no
leite cru tragam benefícios: suas colônias teriam de ser milhares de vezes
maiores do que são para que um número suficiente de microrganismos sobreviva à
digestão e chegue aos intestinos.
Além disso, tomar leite cru pode ser perigoso: a bebida é
pasteurizada para matar micróbios que provocam doenças graves, como a
Salmonella, a E. coli e o causador da tuberculose.
Conclusão: Antes
de se arriscar a contrair uma infecção perigosa, melhor esperar que os
cientistas consigam realmente comprovar as alegações extravagantes.
OVOS
O medo: Trata-se
de um ataque cardíaco dentro de uma casca.
Os fatos: Assim
como o leite integral, os ovos já foram alvo de suspeitas de que entupiriam
nossas artérias com colesterol e aumentariam o risco de doenças cardíacas. É
possível que alguns desses argumentos sejam verdadeiros, mas se uma pessoa está
em bom estado de saúde, comer até sete ovos por semana não parece trazer
consequências nefastas, segundo estudo recente da Universidade de Sydney, na
Austrália.
Conclusão: Fora
o risco de constipação e flatulência, ovos são uma fonte segura e valiosa de
proteínas.
REFRIGERANTES "DIETH"
O medo: Adoçantes
artificiais podem aumentar o risco de câncer.
Os fatos: Nós
já sabemos que o excesso de açúcar contribui para a obesidade, a diabetes e as
doenças cardíacas. Mas e os adoçantes artificiais que acrescentamos às bebidas
“diet” para contrabalançar os efeitos do açúcar?
Um medo comum é o de que eles possam promover o aparecimento de
tumores. Mas um amplo estudo conduzido pelo Instituto Nacional do Câncer dos
Estados Unidos não encontrou um aumento no risco de câncer no cérebro, leucemia
ou linfoma em pessoas que consomem aspartame, o adoçante mais comum. O mesmo parece
ocorrer com outras substâncias alternativas ao açúcar.
Entretanto, há uma chance de esses alimentos contribuírem para a
intolerância à glicose e à diabetes tipo 2 – mas tudo isso ainda precisa ser
comprovado.
Conclusão: Adoçantes
artificiais podem ser dos males o menor – apesar de poderem apresentar alguns
riscos, ainda são mais saudáveis do que alimentos ricos em açúcar. (BBC)
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