O
Brasil chegou ao dia da votação sobre a abertura de um processo de impeachment
contra a presidente Dilma Rousseff sem uma definição clara sobre qual lado –
oposição ou governo – deve sair vitorioso. Mas seja qual for a decisão da
Câmara neste domingo, uma coisa é certa: os tempos difíceis não acabarão
rapidamente.
Com Dilma ou Michel Temer (PMDB)
no comando do país, a tendência é que o governo federal continue enfrentando
obstáculos na economia e na aprovação de projetos impopulares no Congresso.
Outra fonte de instabilidade
política, a Operação Lava Jato também deve continuar assombrando Brasília,
afirmam analistas ouvidos pela BBC Brasil.
Às 14h deste domingo, está
previsto o início da sessão que decidirá se a Câmara autoriza o Senado a
realizar o julgamento de Dilma Rousseff. É necessário o apoio de 342 deputados
(dois terços dos 513) para que o trâmite do impeachment tenha continuidade.
Caso Dilma seja derrotada, a
maioria do Senado ainda terá que referendar a decisão dos deputados para só
então instaurar o processo – se isso ocorrer, a presidente será afastada por
até 180 dias enquanto é julgada, período em que seu vice, Temer, já assumiria a
Presidência interinamente.
"Problemas políticos são
comuns a Dilma e a Temer. Fundamentalmente, o desafio é a formação de um
governo de coalizão em meio a um quadro de polarização política", observa
Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências. "O jogo político-democrático
funciona melhor quando há algum espaço para moderação entre governo e
oposição", acrescentou.
Do ponto de vista econômico, o
consultor Mansueto Almeida, pesquisador licenciado do Ipea, também vê
obstáculos para ambos. Na sua opinião, seja sob comando de Dilma ou Temer, o
governo terá dificuldade para aprovar projetos polêmicos como a reforma da previdência
e o aumento de impostos.
Ele afirma que, diante do quadro
de grande rombo nas contas públicas, medidas como essas são inevitáveis. Assim como Dilma enfrenta
oposição dentro de seu próprio partido a propostas como essas, ele nota que no
PMDB também há resistência ao documento "Ponte para o Futuro" – texto
que lista um apanhado de medidas liberais previstas para serem implementadas em
um governo Temer.
"Os problemas são os mesmos.
É claro que essa agenda de reformas que o Brasil precisa fazer para crescer é
muito difícil. Isso não vai ser resolvido até 2018, vai entrar no próximo
governo", acredita Almeida.
Dificuldades políticas - Cortez
identifica algumas diferenças entre o contexto político de hoje e o do
impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1992), que criam mais
dificuldades para um eventual governo Temer do que havia no governo Itamar
Franco.
Naquela época não havia a
possibilidade de reeleição – esse mecanismo só foi aprovado em 1997, no governo
Fernando Henrique Cardoso.
Isso deu mais estímulo para os
partidos políticos cooperarem com o "governo de transição", pois
Itamar não era visto como potencial concorrente na eleição de 1994, nota
Cortez. Dessa forma, o PSDB indicou FHC para o Ministério da Fazenda – e o
sucesso do Plano Real acabou embalando a eleição do tucano como sucessor do
então presidente.
"A relação entre PSDB e PMDB
é ambígua. De um lado, fica a necessidade de cooperação, porque se um governo
Temer fracassar, os tucanos não terão como se livrar do custo do impeachment.
Por outro lado, se Temer for muito bem, poderá se tornar um candidato forte na
eleição de 2018", resume Cortez.
Caso Dilma vença a batalha do
impeachment, acredita Cortez, as dificuldades para reconstruir uma base no
Congresso seriam ainda maiores. Se o governo ganhar a votação,
provavelmente será com uma margem pequena de votos (pouco mais de 172 dos 513 deputados),
revelando que está distante de ter a maioria necessária para aprovar projetos
na Câmara.
Além disso, pesquisas indicam que
o PT ainda seria um partido competitivo em 2018 caso o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva seja novamente candidato. Isso anularia qualquer
possibilidade de a oposição colaborar com o governo petista, afirma o analista
da Tendências.
"O custo político para Dilma
será maior. Parte desse custo tem a ver com a própria estratégia de combate ao
impeachment, que passa pela (promessa de) manutenção de uma determinada
política de direitos sociais. Isso amarra as mãos do governo para aprofundar a
agenda econômica (de ajuste fiscal)", ressalta Cortez.
'Janela de oportunidade' - Apesar
dos grandes desafios comuns a ambos, Cortez e Almeida dizem acreditar que, caso
Dilma seja cassada, Temer pode ter uma janela favorável de curto prazo, período
que contaria com certa boa vontade do mercado e dos parlamentares para
"mostrar a que veio".
"Ele teria um benefício da
dúvida por três a quatro meses. O mercado daria assim um voto de confiança. Mas
Temer teria que mostrar algum avanço concreto, pelo menos para essa confiança
continuar e ele conseguir espaço para resolver alguns dos problemas",
afirma Almeida.
"Por exemplo, questões de
regulação microeconômica, como mudança em regras de concessão (de obras à
iniciativa privada), no funcionamento de agências reguladoras, da exploração do
pré-sal. Tudo isso poderia ser resolvido muito rápido porque pode envolver um
discurso ideológico, mas não envolve questão de benefício social", diz o
economista.
Já a continuidade do governo
Dilma geraria "um choque de decepção" nos mercados, nota Cortez.
"Se eventualmente o impeachment não se materializar, toda euforia que (a
expectativa da queda de Dilma) tenha gerado no curto prazo vai se transformar
em um momento de muito pessimismo."
Legitimidade? - O governo tem
rebatido o discurso de que Temer trará mais estabilidade afirmando que o
impeachment criará insegurança jurídica no Brasil, despertando desconfiança
internacional.
O advogado-geral da União, José
Eduardo Cardozo, tem repetido esse discurso diariamente, sob o argumento de que
não há base legal para derrubar Dilma."Um impeachment nessas condições
fará com que qualquer governo que venha a nascer seja marcado pela qualificação
de ilegítimo. Isso não será bom nem para o país, nem para ninguém. Não há
governo legítimo com ruptura democrática", disse em entrevista recente ao
jornal Folha de S.Paulo. "Que segurança jurídica
terão os mercados para garantir uma possibilidade de crescimento do país quando
o sistema se mostraria tão frágil?", argumentou ainda na ocasião.
Para a oposição, o fato de o
Supremo Tribunal Federal não ter barrado a discussão do impeachment dá
legitimidade ao processo. Na última quinta-feira, a corte rejeitou pedido do
governo para anular o relatório aprovado na comissão da Câmara que recomendou o
julgamento de Dilma.
A maioria dos ministros não
aceitou o argumento do governo de que a comissão teria desrespeitado o amplo
direito à defesa da presidente.
O governo insiste que não há
provas de crimes cometidos por Dilma e já indicou que pode recorrer ao Supremo
para questionar se as acusações de irregularidades fiscais seriam suficientes
para justificar juridicamente um impeachment. (BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário