sexta-feira, 22 de abril de 2016

LITERATURA CEARENSE: NATÉRCIA CAMPOS E O ROMANCE “A CASA” (Por Valéria Araújo de Souza*)

NATÉRCIA CAMPOS E O ROMANCE “A CASA”
Valéria Araújo de Souza (*)

Natércia Campos (foto) nasceu em Fortaleza, a 30 de setembro de 1938, “na beira do mar da praia de Iracema, em casa com cheiro de maresia e flor, povoada pelas criaturas fictícias” inventadas por seu pai, ídolo e mestre Moreira Campos, um dos maiores contistas brasileiros.

E como ele mesmo dizia, nem ela mesma sabia, ali já existia uma “contadora de histórias”. A menina praiana cresceu, trabalhou na cultura cearense, casou e teve seis filhos. Sem negar- lhe influencia, a autora seguiu, na prosa a trilha iluminada do pai. 

Seu primeiro conto publicado foi a Escada (1987), de teor sobrenatural, escrito em Barcelona, um dos mais elogiados, o que fez com que partisse para o seu primeiro livro. Depois, em 1988, graças ao Prêmio Nestlé de Literatura, o Brasil e o Ceará, principalmente, passaram a conhecer a arte literária de Natércia Campos. Agraciada com o primeiro lugar na categoria conto, Natércia, com o livro, iluminuras, apenas confirmava aquela velha máxima: “filho de peixe, peixinho é”. Em 1998, ela ganha o Prêmio Osmundo Pontes de Literatura pela maestria do romance A Casa, a confirmação de sua genialidade.

Trabalhou durante muitos anos na Secult, colaborando com o desenvolvimento de nossa cultura. Entrou para a ACL- Academia Cearense de Letras, eleita por unanimidade, em 2002. Doente há alguns anos, mas dotada de uma fortaleza extraordinária, faleceu em 2004, deixando uma obra curta, mas tão significativa quanto a sua estada entre nós.

“A CASA”
Natércia Campos pertence a um momento denominado Pós-Modernismo e à Contemporaneidade. A autora passa impressão de ser aquela pessoa que recebeu dos deuses a tarefa de preservar as histórias, as lendas, as mitologias e costumes de seus antepassados. O seu romance, de forma e conteúdo poético, é uma narrativa sobre experiências afetivas e existências que lhe ficaram gravadas na memória.

Natércia descreve os segredos e mistérios mais ocultos de uma casa. E o faz de forma precisa. Ela deu a voz à Casa, que se desenha a si mesma com pinceladas de rigor arquitetônico. A casa nunca existiu. “Esta casa está construída dentro de mim”, avisa a autora. Seguindo o vaticínio de seu pai, mestre de enxutas narrativas “Escreva um romance porque eu ficarei fiel aos meus contos. Você é uma contadora de histórias”, relembra a filha, palavra a palavra, o que dissera Moreira Campos. Tia Alma é uma das personagens mais impressionantes do romance. É ela quem se encarrega de divulgar as lendas, costumes, usos e tradições preservadas e transmitidas pelos mais velhos. É ela que dá vida, cor e movimento às fantasias herdadas dos ancestrais e que ao longo dos tempos foram sendo armazenadas no imaginário coletivo.

A linguagem de Natércia Campos é limpa, elegante e atraente. Nada de gírias, lugares comuns, frases feitas. Os verbos são os mais propícios à narração e à descrição: adejar (os ventos adejam), firmar (a vista) etc. Não se trata de linguagem pomposa de difícil leitura. A escritora não tem necessidade de ostentar erudição. As crenças, as crendices, as lendas das histórias de Natércia foram colhidas certamente, do imaginário popular e da própria memória da escritora: O guajará “que vive encantando no pântano”; o pagão encantado, a mulher solitária e suas visões de sombras, entes invisíveis. A construção da casa não representa apenas a “própria construção do romance”, mas motivo de sua permanência ao longo dos tempos, pois tijolos, madeiras e todo o material que serviu na construção do edifício não chegará nem perto da importância do que realmente compõe e dá vida a casa e à narrativa: o material humano, as emoções, as alegrias e as dores da gente que ali viveu.

A autora de forma genial (temática e estrutura), entrega à própria casa o fio condutor da história, mas preenche as linhas não apenas com a história de uma família, mas com os elementos importantes de um povo, a uma comunidade em geral, aspectos míticos e místicos, recheadas desses elementos importantíssimos da cultura popular.

NATÉRCIA E O OLHAR DOS AMIGOS
“Um filósofo, e amigo nosso em comum dizia que a Natércia parecia uma mulher de romance. E eu acrescento: uma heroína forte e, ao mesmo tempo, suave e misteriosa. Uma figura iluminada”.  Regina Fiúza- Escritora e diretora da ACL

“Meu consolo é que ela tenha deixado de sofrer. E outro consolo é que o nome dela vai ficar definitivamente, com o romance A Casa”. Sânzio de Azevedo- Historiador e crítico literário

Eu queria usar uma expressão muito usada na família da minha mãe, a delicadeza de sentimentos. Natércia, pra mim, encarna essa delicadeza de sentimentos; mas, ao mesmo tempo, era uma mulher forte”. Ângela Gutierrez- Doutora em Literatura Brasileira.




(*) Valéria Araújo de Souza, de Tianguá,
graduada em Letras pela UVA

                                                                     

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