NATÉRCIA CAMPOS E
O ROMANCE “A CASA”
Valéria Araújo de Souza (*)
Natércia Campos (foto) nasceu em Fortaleza, a 30 de setembro de 1938, “na
beira do mar da praia de Iracema, em casa com cheiro de maresia e flor, povoada
pelas criaturas fictícias” inventadas por seu pai, ídolo e mestre Moreira
Campos, um dos maiores contistas brasileiros.
E como ele mesmo dizia, nem ela mesma sabia, ali já existia uma
“contadora de histórias”. A menina praiana cresceu, trabalhou na cultura
cearense, casou e teve seis filhos. Sem negar- lhe influencia, a autora seguiu,
na prosa a trilha iluminada do pai.
Seu primeiro conto publicado foi a Escada
(1987), de teor sobrenatural, escrito em Barcelona, um dos mais elogiados, o
que fez com que partisse para o seu primeiro livro. Depois, em 1988, graças ao
Prêmio Nestlé de Literatura, o Brasil e o Ceará, principalmente, passaram a
conhecer a arte literária de Natércia Campos. Agraciada com o primeiro lugar na
categoria conto, Natércia, com o livro, iluminuras, apenas confirmava aquela
velha máxima: “filho de peixe, peixinho é”. Em 1998, ela ganha o Prêmio Osmundo
Pontes de Literatura pela maestria do romance A Casa, a confirmação de sua genialidade.
Trabalhou durante muitos anos na Secult, colaborando com o
desenvolvimento de nossa cultura. Entrou para a ACL- Academia Cearense de
Letras, eleita por unanimidade, em 2002. Doente há alguns anos, mas dotada de
uma fortaleza extraordinária, faleceu em 2004, deixando uma obra curta, mas tão
significativa quanto a sua estada entre nós.
“A CASA”

Natércia descreve os segredos e mistérios mais ocultos de uma
casa. E o faz de forma precisa. Ela deu a voz à Casa, que se desenha a si mesma
com pinceladas de rigor arquitetônico. A casa nunca existiu. “Esta casa está
construída dentro de mim”, avisa a autora. Seguindo o vaticínio de seu pai,
mestre de enxutas narrativas “Escreva um romance porque eu ficarei fiel aos
meus contos. Você é uma contadora de histórias”, relembra a filha, palavra a
palavra, o que dissera Moreira Campos. Tia Alma é uma das personagens mais
impressionantes do romance. É ela quem se encarrega de divulgar as lendas,
costumes, usos e tradições preservadas e transmitidas pelos mais velhos. É ela
que dá vida, cor e movimento às fantasias herdadas dos ancestrais e que ao
longo dos tempos foram sendo armazenadas no imaginário coletivo.
A linguagem de Natércia Campos é limpa, elegante e atraente. Nada
de gírias, lugares comuns, frases feitas. Os verbos são os mais propícios à
narração e à descrição: adejar (os ventos adejam), firmar (a vista) etc. Não se
trata de linguagem pomposa de difícil leitura. A escritora não tem necessidade
de ostentar erudição. As crenças, as crendices, as lendas das histórias de
Natércia foram colhidas certamente, do imaginário popular e da própria memória
da escritora: O guajará “que vive encantando no pântano”; o pagão encantado, a
mulher solitária e suas visões de sombras, entes invisíveis. A construção da
casa não representa apenas a “própria construção do romance”, mas motivo de sua
permanência ao longo dos tempos, pois tijolos, madeiras e todo o material que
serviu na construção do edifício não chegará nem perto da importância do que realmente
compõe e dá vida a casa e à narrativa: o material humano, as emoções, as
alegrias e as dores da gente que ali viveu.
A autora de forma genial (temática e estrutura), entrega à própria
casa o fio condutor da história, mas preenche as linhas não apenas com a
história de uma família, mas com os elementos importantes de um povo, a uma
comunidade em geral, aspectos míticos e místicos, recheadas desses elementos
importantíssimos da cultura popular.
NATÉRCIA E O OLHAR DOS AMIGOS
“Um filósofo, e amigo nosso em comum dizia que
a Natércia parecia uma mulher de romance. E eu acrescento: uma heroína forte e,
ao mesmo tempo, suave e misteriosa. Uma figura iluminada”. Regina Fiúza- Escritora e diretora da ACL
“Meu consolo é que ela tenha deixado de
sofrer. E outro consolo é que o nome dela vai ficar definitivamente, com o
romance A Casa”. Sânzio de Azevedo-
Historiador e crítico literário
Eu queria usar uma expressão muito usada na
família da minha mãe, a delicadeza de sentimentos. Natércia, pra mim, encarna essa
delicadeza de sentimentos; mas, ao mesmo tempo, era uma mulher forte”. Ângela
Gutierrez- Doutora em Literatura Brasileira.
graduada em Letras pela UVA
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