O que pode
acontecer na eleição de outubro com a confirmação, por unanimidade, da
condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF-4)? Ele pode ser preso em breve?
Essas são algumas das questões que surgem
após a decisão dos desembargadores nesta quarta. Ela pode culminar em uma
transformação no cenário eleitoral: no último levantamento do Instituto
Datafolha, divulgado no começo de dezembro, o petista liderava a corrida
presidencial com índices que variavam entre 34% e 37% das intenções de voto, a
depender dos opositores testados.
A Lei da Ficha Limpa prevê que pessoas com
condenação por órgãos colegiados por crimes contra administração pública, como
corrupção, não podem se candidatar. Após saber da decisão do TRF-4, Lula disse
que "não está preocupado" se vai "ser candidato ou não".
Mas o PT disse que vai registrar sua candidatura, independentemente da decisão
judicial.
Os magistrados não só confirmaram a condenação
por corrupção passiva e lavagem de dinheiro como aumentaram a pena, antes de
nove anos e seis meses, para 12 anos e um mês de prisão. A acusação é de que o
ex-presidente recebeu, como propina, um apartamento tríplex no Guarujá (SP),
pago e reformado pela construtora OAS. A defesa nega que o apartamento seja de
Lula.
Diante do novo cenário, confira o que pode
ocorrer nos próximos meses.
1. Quando Lula começaria a cumprir a pena de
12 anos de prisão?
Ao confirmarem a condenação, os
desembargadores deixaram claro que devem determinar o cumprimento da sentença
depois que o tribunal terminar de analisar eventuais recursos contra a decisão.
Mas é possível que a defesa tente, junto ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), impedir
a prisão, apresentando um habeas corpus para suspender a execução da pena até
uma decisão final sobre as acusações de corrupção e lavagem de dinheiro.
Hoje, porém, o STF entende que o réu pode
começar a cumprir a sentença após ser condenado pela segunda instância. Ou
seja, não é preciso haver uma decisão final, transitada em julgado. Portanto,
por enquanto, nada impede que Lula comece a cumprir a pena se os
desembargadores rejeitarem os recursos da defesa e emitirem um mandado de
prisão.
"O que o STF disse foi que a execução
provisória da pena não fere o princípio da presunção de inocência (todos são
inocentes até a prova em contrário). O tribunal não mandou que prendesse depois
da segunda instância. Isso caberá aos três desembargadores decidir", diz a
advogada criminalista Fernanda Carneiro.
Ainda segundo a criminalista, caberia a um
juiz de execução penal, e não aos desembargadores do TRF-4, definir onde Lula
seria preso, se for esse o caso. A princípio, diz Fernanda Carneiro, o local de
cumprimento da pena deve ser o mais próximo possível da casa do condenado. Ou seja, é improvável que Lula cumprisse a
pena em Curitiba (PR).
2. Quais recursos Lula pode apresentar - e
quem os julgará?
Com a confirmação da condenação, Lula e o
Ministério Público Federal serão, agora, oficialmente notificados do resultado
- o que pode levar alguns dias para acontecer. Apenas a partir daí, poderão ser
apresentados recursos.
Como a decisão do TRF-4 foi por unanimidade,
a defesa do ex-presidente terá menos possibilidades de recursos ao próprio
tribunal.
Se ele tivesse sido condenado por 2 a 1, os
advogados poderiam apresentar os chamados embargos de divergência (ou
infringentes), para que outros três desembargadores julgassem o caso.
Mas ainda resta o chamado embargo de
declaração. Esse tipo de recurso visa apenas esclarecer omissão ou trechos
confusos da decisão dos três desembargadores. A princípio, não há possibilidade
de mudança na decisão final, mas serve como estratégia para postergar a
conclusão do processo e a execução da pena.
O recurso será julgado pelos mesmos
desembargadores que mantiveram a condenação de Lula: João Pedro Gebran Neto
(relator do caso), Leandro Paulsen (presidente da 8ª Turma) e Victor dos Santos
Laus.
Mas a decisão pode demorar um tempo a ser
tomada, especialmente porque dois dos três desembargadores do caso Lula sairão
de férias a partir da próxima segunda-feira. O último deles, Laus, só volta ao
trabalho em 22 de março.
O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins,
disse à BBC Brasil que a defesa vai esgotar as possibilidades de recursos tanto
no TRF quanto nos tribunais superiores (STJ e STF), em Brasília.
Para Zanin, há dois problemas principais com
a sentença: o Ministério Público Federal não conseguiu traçar o "caminho
do dinheiro" dos contratos supostamente fraudados da Petrobras até o
tríplex do Guarujá; e a acusação também não teria mostrado qual foi o ato
específico de Lula em retribuição à suposta propina.
Mas, citando entendimento do Supremo adotado
no julgamento do mensalão, os desembargadores argumentaram que não é preciso
haver a comprovação de que o ex-presidente usou cargo público para retribuir a
OAS pelo apartamento. Basta o aceite da propina e a expectativa de retribuição,
segundo eles, para que seja configurado o crime de corrupção passiva.
3. Lula tem chances de concorrer à eleição
após o julgamento?
Com a confirmação da condenação pelo TRF-4, o
ex-presidente a princípio fica impedido de ser candidato. A Lei da Ficha Limpa veta candidaturas
de pessoas condenadas por órgãos colegiados. Ironicamente, foi o próprio Lula
quem sancionou a regra, em 2010.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse em
nota divulgada nesta quarta-feira que o partido vai registrar a candidatura do
líder petista à Presidência da República mesmo assim. "Vamos confirmar a candidatura de Lula
na convenção partidária e registrá-la em 15 de agosto, seguindo rigorosamente o
que assegura a legislação eleitoral", afirmou.
Havendo o registro da candidatura, caberá ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) verificar se o candidato possui os requisitos
necessários para concorrer e se não há impedimentos legais para que dispute a
eleição.
Um advogado eleitoral ouvido sob anonimato
pela BBC Brasil disse que é pouco provável que o TRF-4 não tenha terminado de
analisar os recursos até o dia 17 de setembro, fim do prazo para o TSE julgar
os registros de candidatura. Para esse profissional, é improvável que o
tribunal deixe Lula concorrer.
"Na condenação criminal, não é comum o
TSE liberar a candidatura", diz o advogado, que participou do julgamento
da chapa Dilma-Temer no TSE em junho passado. Já o advogado de Lula, Cristiano Zanin, pensa
de forma diferente. "Isso não inviabiliza uma eventual candidatura do
ex-presidente. A candidatura terá que ser discutida na Justiça Eleitoral, a
partir do registro", afirma ele, mencionando a possibilidade de recursos
ao próprio TSE, ao STJ e ao STF.
4. Lula poderá continuar agindo como
pré-candidato do PT à eleição?
Mesmo com a condenação, o petista poderá
continuar fazendo suas caravanas pelo Brasil até uma eventual execução da
sentença.
Quem decide se Lula pode ou não ser candidato
não é o TRF-4, mas o TSE, em Brasília. O julgamento da chamada "impugnação
de candidatura" tem diversas etapas, e pode se estender até 17 de
setembro, prazo limite para que o TSE decida se concede ou não o registro. A data também marca o limite para o PT trocar
de candidato presidencial, se for o caso.
Depois de uma eventual decisão negativa do
TSE, a defesa ainda poderá recorrer no próprio tribunal eleitoral, e,
posteriormente, no STF.
No TSE, Lula pode usar os chamados
"embargos de declaração", cujo objetivo é esclarecer qualquer omissão
ou ponto obscuro da sentença dos ministros.
Há dúvidas, porém, sobre o TSE precisar ou
não aguardar o julgamento desse recurso ou de eventual apelação ao STF para só
então cassar o registro da candidatura.
5. Lula ainda poderá viajar para a África
como planejou?
Sim. O ex-presidente tem como primeiro
compromisso depois do julgamento uma viagem para a capital da Etiópia, Addis
Abeba. Lula deve participar de um debate sobre o combate à fome no continente,
organizado pela União Africana, no dia 27 de fevereiro.
Questionada sobre quem está custeando a
viagem, a assessoria de imprensa do ex-presidente se limitou a informar que
"ele foi convidado" pela União Africana.
Na sentença que confirmou a condenação de
Lula, os desembargadores não determinaram o confisco do passaporte do
ex-presidente, o que só poderia ocorrer se houvesse um pedido do Ministério
Público e o entendimento de que o ex-presidente tem a intenção de fugir do
país.
A assessoria do ex-presidente Lula disse à
BBC Brasil que ele foi convidado para o evento na África há mais de um ano,
muito antes da definição da data do julgamento pelo TRF-4. A assessoria afirmou
ainda que ele voltará ao Brasil no dia seguinte ao debate.
6. Como o julgamento de Lula afeta seus
adversários políticos?
A decisão do TRF-4 não afetará só o petista:
todos os demais candidatos e partidos estão atentos aos desdobramentos do
julgamento. Para o mundo político, embora a condenação não tire o petista da
corrida imediatamente, ela abre oportunidades para o crescimento de outros
candidatos.
"O impacto é aritmético. O PT tem de 18
a 20% do eleitorado como público cativo. Já o Lula tem 33%. Ele sempre foi
muito maior que o PT. E um possível candidato petista, seja o (Fernando) Haddad
(ex-prefeito de SP) ou o (ex-ministro) Jaques Wagner, começa patinando ali nos
8%", diz o deputado federal Marcus Pestana (PSDB-MG), considerado um dos
principais estrategistas tucanos. "Uma coisa é a eleição com o Lula, e
outra sem o Lula", resume ele.
O deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ)
diz que seria "estranho" uma eleição sem Lula. "Esse é um
julgamento incomum. A decisão não trará implicações exclusivamente para o réu,
terá repercussão na vida eleitoral do país", diz ele, que é do mesmo
partido de Marina Silva (Rede), cotada para disputar.
Para o parlamentar, é impossível saber
exatamente como se dará a transferência de votos de Lula, caso ele realmente
seja impedido de concorrer. Além disso, "pesquisa é a fotografia de um
momento. O filme continua, e eleições podem ter resultados totalmente diversos
do que foi detectado nesses levantamentos até agora", afirma.
Em público, os principais líderes políticos
do país dizem preferir uma eleição com Lula: foi o que fizeram Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) e os possíveis candidatos Rodrigo Maia (DEM-RJ),
presidente da Câmara, e Henrique Meirelles (PSD), ministro da Fazenda. Mas especialistas em direito eleitoral
consideram difícil a participação do ex-presidente na eleição, diante do
resultado desta quarta-feira. (BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário