Filas dobrando o
quarteirão. Pessoas dormindo nas calçadas e uma espera de até 15 horas para
tomar uma dose da vacina contra a febre amarela em São Paulo. O Estado vive o
maior surto da doença em 14 anos. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás também
registram dezenas de mortos pela doença.
As notícias recentes de novos
casos causaram pânico em parte da população e uma corrida aos postos de saúde e
clínicas particulares. Mas o país realmente corre o risco de uma epidemia
urbana da doença - e está preparado para responder, caso isso ocorra?
Especialistas ouvidos pela BBC
Brasil disseram que as chances de uma epidemia como essa são muito pequenas,
mas não estão descartadas. E afirmam que o país não estaria preparado, pois sua
rede de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), médicos e capacidade de
realização de exames já estão saturados.
O médico epidemiologista da USP Eduardo
Massad disse que "a situação em que estamos é de muita sorte", devido
à baixa quantidade de mosquitos Aedes aegypti - possíveis transmissores da doença
em ambientes urbanos - registrada neste ano em São Paulo. Essa condição reduz
as chances de epidemia urbana. A última vez que o país enfrentou uma epidemia
urbana de febre amarela foi em 1942, no Estado do Acre.
Os casos de febre amarela registrados
recentemente em São Paulo foram transmitidos por mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes -
vetores da febre amarela silvestre.
Pesquisadores apontam que esse
baixo risco de epidemia possibilitará que a população seja vacinada antes de
uma possível transmissão em massa da doença. Caso a disseminação da doença em
áreas urbanas começasse antes das imunizações "seria um grande
desastre", segundo os especialistas.
O representante da Organização
Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), Joaquín Molina,
disse que o Brasil está tomando as decisões corretas para o controle do avanço
da doença. "Estamos muitos satisfeitos com a resposta que o país está
dando ao surto de febre amarela", elogiou.
"Apoiamos plenamente as
medidas que o país está tomando, estamos de comum acordo", avaliou Molina.
O órgão destacou, porém, que o maior risco
para a ocorrência de epidemias é a chegada da doença a áreas densamente
povoadas e que, por isso, está monitorando de perto o avanço dos casos no país.
A OMS ainda emitiu um alerta recomendando que
todos os estrangeiros se vacinem contra febre amarela antes de viajar para
qualquer cidade do Estado de São Paulo após considerar a região uma área de
risco para febre amarela.
Erros causaram surto? - A doença pode estar controlada no
país, mas, na visão do infectologista Eduardo Massad, o governo cometeu uma
série de erros que poderiam ter evitado inclusive o atual surto de febre
amarela no Estado de São Paulo. Dois deles foram a falta de mapeamento de áreas
de mata onde a doença poderia se proliferar e o início tardio da campanha de
vacinação para moradores da região.
"Fiz um estudo com base no
surto que ocorreu em Botucatu (interior de SP) em 2009, quando 11 pessoas
morreram. Mostrei para o governo há quatro anos, alertei sobre as áreas onde as
pessoas não estavam sendo vacinadas e que era preciso fazer uma campanha
racional priorizando as zonas de mata, mas isso foi ignorado. O governo não
está ouvindo as instituições acadêmicas. Também houve uma negligência do
governo por não reforçar o estoque de vacina", disse o professor.
A informação é contestada pelo
infectologista coordenador da área de Controle de Doenças da Secretaria de
Saúde de São Paulo, Marcos Boulos. Em entrevista à BBC Brasil, ele disse que
todas essas ações foram tomadas.
"As pessoas que ficam na
universidade e na academia acabam não sabendo o que está acontecendo. Não é a
primeira crítica do Eduardo e ele não sabe o que está acontecendo. O primeiro
caso de febre amarela foi em abril de 2016, quando percebemos que o vírus passou
para os macacos e eles começaram a morrer com a doença. Traçamos um caminho e
vimos que ele começou a se aproximar dos centros urbanos. Então, começamos a
vacinar", afirmou Boulos.
Ele disse que o trabalho iniciado
há 20 meses evitou uma mortalidade dez vezes maior de pessoas em Mairiporã - a
secretaria de saúde do município informou que desde dezembro há 57 casos
suspeitos da doença, com sete mortes.
"Nós vacinamos 7 milhões de
pessoas no ano passado. No próximo mês, vacinaremos mais 8 milhões. O trabalho
foi de excelência. Vacinamos segundo os corredores ecológicos onde tinham
macacos mortos. Só não vacinamos quem se recusou", disse o infectologista
do governo de SP. Por outro lado, o professor da
USP concorda que a atual decisão de vacinar toda a população do Estado de São
Paulo é a mais correta.
Procurada pela reportagem para
explicar o que o Brasil poderia ter feito para evitar a eclosão do surto, a
Opas/OMS disse não poder dar recomendações logísticas específicas para o país
porque as medidas necessárias em cada lugar podem variar. A estratégia de
enfrentamento depende das condições em cada região. Molina explicou nesta semana que a OMS faz
recomendações mais amplas, sem especificar um determinado país ou região.
A Opas/OMS disse ainda que considera o Brasil
um país com um sistema estruturado, onde o controle e combate às epidemias de
doenças tropicais não é negligenciado. "É de se destacar que durante o
surto de zika foi o Brasil que identificou a relação do vírus com os casos de
microcefalia, o que demonstra que o país está ativamente engajado no
enfrentamento desse tipo de ameaça", informou a organização.
Vacinação de macacos - Pensando no futuro, o professor
da USP diz que o governo erra ao não considerar a possibilidade de vacinar os
macacos em matas do Estado, em vez de imunizar a população. Com um pequeno
percentual do dinheiro gasto para imunizar a população humana de São Paulo,
seria possível vacinar os 50 mil macacos que vivem no Estado.
"As vacinas foram testadas em macacos e
eles podem ser protegidos. Ninguém estuda isso. Isso me deixa completamente
perplexo", diz Massad. Ele diz ainda que é necessário montar um sistema de
segurança e avaliar a densidade de mosquitos Aedes aegypti e se algum deles
está portando o vírus.
O coordenador de Controle de Doenças da
Secretaria de Saúde concorda que vacinar macacos seria o ideal, mas diz que
isso é inviável. "É meu sonho de consumo. Se
ele (professor da USP) souber como vacinar macaco... eu não sei. Não existe
tecnologia para vacinar macaco, mas ele tem razão. Se você vacinar o bugio, ele
não pega febre amarela e protege o homem, porque o ciclo é feito na copa das
árvores. Quando o bugio morre deixa de ter sangue disponível, ele desce e o
homem pode ser picado acidentalmente. Se tiver vacina para macaco, vamos
adorar", disse Marcos Boulos
.
Boulos disse ainda que não foi
feita uma campanha nacional de vacinação porque, por ser feita com o vírus
atenuado, a dose não é inócua e algumas pessoas que não tinham risco de ser
contaminadas passaram a morrer.
"A prioridade 1 é vacinar as
pessoas (que moram na região) onde circula o vírus. A segunda são as regiões
receptivas, onde você tem o Haemagogus e o macaco, como na serra do mar do
Rio. É muito possível que tenhamos um caminhar da febre amarela saindo dessa
região e indo para São Paulo. A terceira e última é o resto da população, que
não corre o risco, mas pode ir para uma dessas áreas", disse Marcos
Boulos.
Dificuldade de diagnóstico - Reportagem publicada pela BBC
Brasil nesta semana mostrou um homem que morreu com febre amarela após ter sido um diagnosticado com sinusite, infecção urinária e enxaqueca. Foram
cinco dias até acertar o diagnóstico e interná-lo às pressas. Tarde demais. O
técnico em refrigeração morreu quatro dias depois aos 31 anos, deixando mulher
e dois filhos.
"O despreparo existe. Toda
vez que existe uma epidemia, há um tempo até que todos aprendem a fazer o
diagnóstico. Ninguém está preparado para atender uma doença nova.
Diagnóstico
clínico (da febre amarela) é muito difícil. É necessário um exame laboratorial
clínico e epidemiológico para confirmar", disse o epidemiologista Marcos
Boulos.
Ele explica que a doença, assim como a
dengue, é apenas tratada e que há indicações a serem feitas para evitar as
mortes. Segundo dados do Ministério da Saúde, 51% das pessoas infectadas pela
doença entre 1980 e 2004 morreram.
"O ideal é ter o diagnóstico entre sete
a dez dias. Indicamos que caso os resultados dos exames de fígado mostrem
alteração muito rápida, ele seja transferido imediatamente para um hospital
especializado", disse Boulos. (BBC)
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