sexta-feira, 1 de junho de 2018

DE OLHO NA LÍNGUA - Prof. Antonio da Costa (Do Jornal Correio da Semana - Sobral-CE - Sábado - 02.06.18)

“Está na hora da onça beber água” ou “Está na hora de a onça beber água”?
Ambas corretas. A possibilidade de se pôr o sujeito do infinitivo antes ou depois desta forma verbal nos permite dizer: “Está na hora de beber a onça água” (posição rara) e “Está na hora de a onça beber água” (posição mais freqüente), Este último meio de expressão aproxima dois vocábulos (a preposição “de” e o artigo “a”) que a tradição do idioma contrai em “da”, surgindo, assim, um terceiro modo de dizer: “Está na hora da onça beber água”, construção normal, que não tem repugnado os ouvidos dos que melhor conhecem e escrevem a Língua Portuguesa.

Alguns gramáticos viram aí, entretanto, um solecismo, pelo fato de se reger de preposição um sujeito. Na realidade, não se trata de regência preposicional do sujeito, mas do contato de dois vocábulos que, por hábito e por eufonia, costumam vir incorporados na pronúncia. A lição dos bons autores nos manda aceitar ambas as construções: “... de a onça beber água” e “... da onça beber água”. 

Que a construção é possível mostram-nos os seguintes exemplos: “Só depois do Infante estar proclamado Regedor (AH 2, 44); “Sabia-o, senhor, antes do caso suceder” (AH 4, 267); Se, por exemplo, me concederem um monopólio do plantar couve, apesar das couves serem uma espécie de legumes” (RB Apud  PP); “Pelo fato do verbo restituir numa das suas acepções, e entregar, em certos casos terem...” (ER 2, 597); “No caso do infinitivo trazer complemento direto...”ER 2, 289).

O problema que, do ponto de vista puramente gramatical, a rigor, termina nessa dupla possibilidade de emprego: Já não se mostra indiferente do ponto de vista da necessidade de proferir o sujeito enunciando-o com maior ou menor realce. Deixa-se o domínio da gramática para se entrar no domínio da estilística, da expressividade. A combinação da preposição com o sujeito garante o valor expressivo da preposição e a ênfase posta no sujeito: “É tempo de o povo querer melhores escolas”, diferente sob o aspecto da expressividade de “É tempo do povo querer melhores escolas”. 

A simples - e contrária à dupla possibilidade que a tradição literária registra – solução gramatical de rejeitar uma forma com privilégio de outra empobrece os recursos estilísticos da Língua. Pode evitar a combinação pondo o infinitivo entre a preposição e o sujeito, como Manuel Bandeira nesta passagem: “E o prefeito recordou que uma semana antes de ser o grande romancista hospitalizado” (MB II, 601).

A concordância com “haja vista”
A construção mais natural e frequente da expressão “haja vista”, com valor de “veja”, é ter invariável o verbo, qualquer que seja o número do substantivo seguinte: Haja vista os exemplos disso em Castilho (RB 1, 272). Pode-se construir com o verbo no singular e substantivo seguinte à expressão precedida das preposições “a” ou “de”: “Haja vista às tangas” (CBr. 16, 61); “Haja vista dos elos que eles representam” (CBr apud CR. 1, 624)


(*) Graduado em Letras Plenas, com Especialização em Língua Portuguesa e Literatura, na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É, também, funcionário do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Sobral (CE). Contatos: (088) 99762-2542.




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