Defendido pelo presidente
eleito Jair Bolsonaro (PSL), o ensino a distância (EaD) cada vez mais se
expande e se consolida no ensino superior brasileiro, e a perspectiva é de que
cresça ainda mais. Desde novembro, já pode ser adotado parcialmente no ensino
médio, etapa obrigatória do ciclo de educação básica do ensino.
As novas diretrizes
curriculares para o ensino médio, aprovadas em novembro, limitaram o uso do EaD
em até 30% da carga horária para os cursos noturnos; 20% para os diurnos e até
80% para os de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para adotar a prática, os Estados,
responsáveis pela formação dos currículos, precisam da aprovação dos conselhos
locais, o que pode ocorrer já em 2019.
"A nossa estimativa é que
até 2023 teremos mais alunos em EaD do que em cursos presenciais no ensino
superior. Também apostamos que a idade média do aluno vai cair porque o modelo
é atraente. É a maneira mais acertiva de formar o jovem do século 21",
afirma Carlos Longo, diretor da Associação Brasileira de Educação a Distância
(Abed).
No ensino superior, a oferta
de cursos de graduação e pós-graduação nesta modalidade já é regulamentada
desde 1996, pela Lei de Diretrizes e Bases. No ano passado, no entanto, a
assinatura do decreto 9.054/17 permitiu que instituições já credenciadas
expandissem o número de polos, sem autorização prévia do Ministério da
Educação. Um novo cenário se desenvolveu desde então. Antes do decreto, até
2016, havia cerca de 4.000 polos que oferecem cursos EaD; hoje, passam de 15
mil. Os cursos, no entanto, ainda apresentam indicadores de qualidade piores em
relação aos presenciais.
Para Rodrigo Capelato,
diretor-executivo do Semesp (entidade que reúne as mantenedoras do ensino
superior),o Brasil concentra um modelo específico de EaD, sem oferecer muita
diversidade, diferentemente do que há no exterior.
"Harvard e MIT entram
devagar no EaD, produzindo pequenos conteúdos, por meio da plataforma edX, mas
muito mesclado com as atividades presenciais e aproveita as potencialidades do
EaD. Muitas vezes dá o conteúdo todo a distância, e no momento presencial o
professor propõe atividade em que o aluno tem uma postura mais ativa. O
professor trabalha mais como orientador ou coaching na realização de
tarefas", afirma Capelato.
As matrículas nessa modalidade
também tiveram um crescimento significativo. Entre os anos de 2016 e 2017, o
número de ingressantes em cursos superiores de EaD cresceu 27%, segundo o Censo
da Educação Superior 2017, o mais recente. Em 2002, essa parcela de alunos
somava 40.714 e representava cerca de 1% do universo total das matrículas do
ensino superior; hoje são mais de 21%, o equivalente a 1,8 milhão de
estudantes, de acordo com o censo.
No ano passado, 253 mil alunos concluíram a graduação em EaD, e 948 mil,
no formato presencial. O censo apontou que pelo menos 258 instituições oferecem
2112 cursos a distância; há três anos eram 849 cursos em 131 universidades.
A Associação Brasileira de
Educação a Distância (Abed) calcula ainda que haja um grande volume pessoas
fazendo cursos a distância que não são regulamentados pelo MEC e por isso não
oferecem titulação. Segundo a Abed, mais de 4 milhões fazem cursos livres de
curta duração de diversos temas, de idiomas à culinária, e há pelo menos 300
alunos em cursos de pós-graduação lato sensu no modelo EaD. A categoria lato
sensu compreende programas de especialização, por isso ao conclui-la o
estudante recebe um certificado, e não um diploma.
Quem estuda a distância no
Brasil?
Os alunos matriculados nos
cursos EaD têm idade média de 30 anos, são casados, trabalham e colaboram com o
sustento da família, segundo dados do perfil socioeconômico extraídos do Censo
da Educação Superior e tabulados pelo Semesp, entidade que reúne as
mantenedoras do ensino superior.
As mensalidades custam
aproximadamente um terço do valor cobrado em cursos presenciais equivalentes. A
evasão, por sua vez, também é mais alta - 35% contra 28%. Estudantes dos cursos
presenciais são mais jovens, têm em torno de 22 anos, são solteiros, não
trabalham e contam com a família para bancar as despesas relacionadas ao
estudo.
Mas e a qualidade?
Um dos pontos frágeis do
ensino a distância é a qualidade. Embora a Abed afirme que diminuiu o
preconceito da sociedade e do mercado do trabalho em relação ao modelo, e
garanta que a qualidade do ensino a distância é similar ao do curso presencial,
os números do Enade ainda mostram uma diferença de desempenho.
O Enade é uma avaliação com 40
questões aplicada pelo Ministério da Educação para medir o desempenho dos
alunos no ensino superior. As notas variam de 1 a 5 (quanto maior, melhor o
desempenho).
Em 2016, apenas cinco
instituições detinham 58% das matrículas em EaD e, em sua maioria, ofereciam
cursos com conceito Enade abaixo do patamar de 1,5 nos exames de 2015 e 2016,
segundo análise de Carlos Bielschowsky, professor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e estudioso do tema. O que chama atenção é que essas
mesmas instituições, de acordo com o professor, tinham resultados melhores no
Enade para os cursos presenciais.
"Quase 60% da oferta em
EaD está concentrada em poucas instituições que fazem um trabalho preocupante.
Eu acho que o EaD é maravilhoso, abre portas, temos inúmeros casos de sucesso,
porque é uma metodologia que inclui as pessoas de classes sociais menos favorecidas,
mas infelizmente há distorções", afirma Bielschowsky.
Bielschowsky diz que entre os
anos de 2007 e 2010, período em que ocupou o cargo de secretário de ensino a
distância no MEC, o governo federal supervisionou as instituições que
apresentaram resultados mais fracos e foi constatado que a qualidade do ensino
era "superficial". Consequentemente, o Enade feito pelos estudantes
acompanhava essa "superficialidade", e por consequência produzia
resultados ruins.
No caso do Enade 2016, cerca
de 80% dos alunos de EaD fizeram cursos avaliados com nota 2, e ficaram abaixo
da média 3 estipulada pelo MEC. Para o docente, o problema não está relacionado
com a modalidade, e sim com a oferta oferecida por um grupo pequeno de
universidades que possui a maior concentração de matrículas.
O Enade 2017, por exemplo,
mostrou resultados excelentes nos cursos de EaD de Pedagogia da Universidade
Federal de São Carlos (4,6 de um total de 5 pontos) e da Uerj (3,8). Em
contrapartida, a Faculdade Educacional da Lapa, que tinha 15 mil alunos,
atingiu Enade de 1,03, e a Unopar, no Pará, com 78 mil matrículas, atingiu nota
de 1,5 no Enade do mesmo ano.
"O Brasil tem muita coisa
boa, o problema não é saber fazer. Tem universidades particulares e públicas
que fazem um bom trabalho. O problema é que algumas instituições possuem muitas
matrículas e o desempenho desses alunos no Enade é ruim", explica
Bielschowsky. Segundo ele, para entender o problema da qualidade é necessário
haver um "forte processo de supervisão" do governo federal.
O MEC informou que a qualidade
dos cursos passa pelo "crivo dos avaliadores do Inep, análise de mérito
acadêmico e proposta curricular rígida, baseada em parâmetros estabelecidos
pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). [...] Para a modalidade EaD, a
avaliação inclui visita in loco, realizada pelo Inep, que conta com comissão de
especialistas da área de conhecimento do curso e na própria modalidade."
Nas visitas in loco, o MEC
afirmou que "são verificadas a existência e adequação de metodologias,
infraestrutura física, tecnológica e de pessoal, que possibilitem a realização
das atividades."
Cursos precisam melhorar
Para Rodrigo Capelato, da
entidade que reúne as mantenedoras do ensino superior, o EaD traz muitas
possibilidades, mas não da maneira que é feito hoje, com cursos que são
"quase uma reprodução textual dos conteúdos, pouco interativos, com poucas
atividades em que o aluno se torna o agente ativo." "Apresentar
textos em PDF e vídeos não resolvem. O EaD acaba sendo um curso de baixo custo,
que atrai as pessoas que não têm dinheiro. Vai resolver o problema dos mais
velhos que vão conseguir um diploma para prestar um concurso ou pleitear uma
promoção", diz.
Carlos Bielschowsky discorda
da visão de que o EaD seja um curso focado em alunos de baixa renda e que tenha
um conteúdo mais fácil. "Ele abrange todas as classes sociais, a sociedade
brasileira no geral é muito mais pobre do que os alunos que entram nesses
cursos. Ele é mais econômico, sim, mas custa dinheiro, além disso é um sistema
que reprova."
Capelato reforça que embora a
inclusão de pessoas mais velhas no sistema de ensino superior traga benefícios,
não contribui para que o país melhore sua taxa de escolarização líquida, medida
pelo número de estudantes entre 18 e 24 anos matriculados na faculdade.
A taxa brasileira gira em
torno de 18%, enquanto Chile e Argentina têm cerca de 30% de seus jovens na
educação superior. Nos Estados Unidos, o porcentual ultrapassa 60%.
Modelo híbrido
No modelo como o EaD é
oferecido hoje, Capelato aposta que haverá uma diminuição no ritmo de
crescimento nos próximos anos, em relação ao que foi visto até agora. Ele
defende como tendência para o ensino superior a modalidade híbrida, aquela que
mescla as potencialidades do ensino a distância com o presencial.
"Está todo mundo tentando
oferecer a mesma coisa para o mesmo público e o que diferencia são os preços,
mas não é por aí. Se o EaD quiser os mais jovens, é preciso montar modelos mais
híbridos e interativos de ensino. Pode haver uma riqueza grande, mas o Brasil
tem pouca diversidade de oferta", afirma o diretor executivo do Semesp.
Segundo a Abed, já houve um
crescimento desse modelo mais flexível e híbrido nos últimos anos, mas para a
associação ainda haverá um "boom" na próxima década. Carlos Longo
aponta, no entanto, que há um "hiato" na legislação que não reconhece
oficialmente o modelo misto e os rotula como EaD. No formato vigente nos
Estados Unidos, os cursos híbridos têm 60% de carga presencial e 40% a
distância.
EaD para ensinar adolescentes
No Ensino Fundamental, o EaD
não é regulamentado no Brasil. Para o ensino médio, a diretrizes curriculares
aprovadas em novembro limitaram o que ficou em aberto na reforma feita pelo
governo de Michel Temer (MDB) no ano passado.
Segundo as diretrizes, até 20%
da carga horária dos cursos diurnos podem ser oferecidos neste modelo; para o
noturno a porcentagem pode chegar até 30%; no caso da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) o limite é 80%.
Na prática, os Estados ainda
precisam aprovar com seus conselhos, decidir se irão utilizar o EaD e em que
proporção na carga horária, de acordo com suas necessidades e possibilidades de
implementação. Isso significa que pode haver uma variação entre os Estados,
enquanto Piauí, por exemplo, pode optar por oferecer 5% do ensino médio a
distância, no Paraná pode chegar até 20%.
Dá para substituir a presença
dos professores?
Para o consultor e
ex-conselheiro Nacional de Educação Cesar Callegari, as novas tecnologias
postas a serviço da educação devem ser apropriadas pela escola, mas nunca
substitui-la. "A escola é ambiente de interação e experimentação presencial
dos jovens com eles próprios e seus professores. Essa medida agride o direito
do jovem à convivência e a formação de valores fundamentais para sua
vida."
Carlos Longo, diretor da Abed,
vê a possibilidade como alternativa para resolver problemas como o déficit de
professores de ciências exatas principalmente nas regiões Norte e Nordeste do
Brasil. Entretanto, exige "metodologia e estratégia, pois o aluno não vai
aprender física sozinho entrando no computador." "A forma como será usada
vai definir o sucesso ou o fracasso."
Professor da UFRJ e
pesquisador de EaD, Rafael Vassalo Neto, também se preocupa com a forma que a
metodologia será implementada para ensinar jovens. "No ensino superior já
existe uma utilização com excelentes resultados, mas não sabemos como os
adolescentes vão se comportar diante disso. A tecnologia vai modificar os
programas de ensino, mas a nossa preocupação maior é como vai ser desenvolvido
e como os profissionais estão capacitados para isso." Vassalo lembra que
ainda não há pesquisas sobre o uso do EaD no Ensino Médio, o que preocupa a
atual conjuntura de implementação.
Para Longo, se bem empregado,
o EaD pode ser uma solução para oferecer ensino de qualidade, por outro lado,
se a utilização for ruim, segundo ele, há o risco de aumentar a formação de
analfabetos funcionais - que hoje já compreende 30% da população.
"O EaD não pode ser
tratado com panaceia, mas sendo realista, não temos docentes para atender todos
os alunos, então pode ser uma solução fantástica para a qualidade de ensino. É
preciso haver uma discussão sem preconceito, as pessoas gostam de rotular, mas
não discutir. É necessário lembrar que a tecnologia por si só não melhora
nada." (BBC)
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