A proposta de reforma da Previdência entregue na manhã de
hoje pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia(DEM),
é abrangente: inclui trabalhadores da iniciativa privada, servidores públicos e
beneficiários da assistência social. O texto prevê, ainda, medidas de combate a
fraudes e fortalecimento da cobrança de dívidas ao INSS.
Os
militares ficaram de fora, mas, segundo o Ministério da Economia, um Projeto de
Lei com alteração do sistema de proteção social das Forças Armadas será enviado
ao Congresso até o dia 20 de março.
Como se
trata de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o texto da reforma só
entrará em vigor se for aprovado pela Câmara e pelo Senado, com o apoio de pelo
menos três quintos dos parlamentares em cada Casa e dois turnos de votação.
A análise começa pelos deputados e, se for alterada pelos
senadores, tem de voltar para nova análise na Câmara. A emenda entraria em
vigor a partir da data de publicação.
O secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério
Marinho, disse esperar que toda essa tramitação seja concluída antes do recesso
de julho do Congresso.
Para justificar o otimismo com o prazo para a aprovação
de uma medida impopular, Marinho disse que foi procurado por muitos
parlamentares que desejam apoiar a proposta.
"Nunca vi tanto parlamentar buscando ser relator de
um projeto aparentemente tão impopular", disse ele, que foi relator da
reforma trabalhista e não conseguiu se reeleger deputado na eleição de 2018.
Para o
economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, a
"passividade do mercado" durante o anúncio - quando a bolsa de
valores "andou de lado" (operando sem tendência definida, nem
subindo, nem caindo muito) e o dólar cedeu pouco - indica que a proposta veio
como esperado: "mais forte que a do [ex-presidente Michel] Temer". O
Ibovespa fechou em queda de 1,14%, aos 96.544 pontos.
Mais que isso, os números sinalizam que os agentes econômicos esperam para medir a
temperatura no Congresso e a competência política do governo para aprovar ou
não a reforma.
"Baseado no que aconteceu nos últimos 10 dias, eu
diria que isso é questionável (a capacidade do governo de mobilizar uma ampla
base de apoio no Congresso)", avalia Gonçalves, referindo-se, por exemplo,
à crise aberta com a suspeita de uso pelo PSL, partido de Bolsonaro, de
candidaturas de laranjas para desviar recursos do Fundo Partidário.
O
episódio, marcado por um desentendimento entre o filho do presidente, Carlos
Bolsonaro, e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno,
culminou com a demissão de Bebianno nesta segunda-feira.
Os
detalhes da proposta foram apresentados por técnicos do governo em uma coletiva
de imprensa que se estendeu por mais de 5 horas, em que eles reforçaram que
direitos adquiridos não serão alterados.
Governo espera que tramitação no Legislativo seja concluída antes do recesso de julho do Congresso
Confira, a
seguir, os principais pontos da reforma enviada pelo novo governo ao Congresso:
1. Regra geral no INSS: idade mínima e tempo de
contribuição
A regra
geral proposta prevê uma idade mínima para aposentadoria para trabalhadores da
iniciativa privada aos 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens), com 20 anos de
contribuição. Hoje, a aposentadoria por idade exige 60 e 65 anos, com 15 anos
de contribuição previdenciária.
O texto
proposto também acaba com a possibilidade de aposentadoria por tempo de
contribuição, que existe hoje para mulheres que completaram 30 anos recolhendo
para o INSS e homens que atingem 35 anos.
Dados do
governo mostram que população mais pobre se aposenta, em geral, pela regra de
idade mínima. Dessa forma, o principal impacto para esse público, que muitas
vezes tem dificuldade para manter o emprego com carteira assinada por longos
períodos, está no aumento de cinco anos na exigência de tempo de contribuição.
2. Regras de transição no INSS
Estão previstas três regras de transição diferentes para
quem pretendia se aposentar por tempo de contribuição pelo INSS. O segurado
poderá optar pela forma que for mais vantajosa para ele, segundo o texto.
A primeira
delas é um sistema de pontos que soma a idade ao tempo de contribuição do
segurado, que continua fixado em 30 anos para mulheres e 35 anos para homens.
Esse total deve ser de 86 para mulheres e 96 para homens em 2019 e sobe
gradativamente até 2033, quando chega a 100 pontos para mulheres e 105 para os
homens.
A segunda
regra exige o mesmo tempo de contribuição, além de uma idade mínima
pré-estabelecida. Esse piso etário sobe seis meses a cada ano: começa em 56
anos para mulheres e 61 anos para homens e vai até os 65 e 62 anos.
A terceira
opção prevista no texto é para quem está a dois anos de cumprir o tempo de
contribuição mínimo para a aposentadoria, segundo a regra atual, que é de 30
anos (mulher) e 35 anos (homem). Eles poderão optar pela aposentadoria sem
idade mínima, mas será aplicado o fator previdenciário, além de um
"pedágio" de 50% do tempo que falta.
Para uma
pessoa que está a um ano de se aposentar por essa regra, por exemplo, o pedágio
é de 6 meses - ou seja, ela poderá se aposentar em um ano e meio, em vez de um
ano.
Para quem
vai se aposentar por idade mínima, a transição é uma só. A idade das mulheres
sobe de forma gradual (6 meses a cada ano) dos atuais 60 anos até chegar a 62
anos em 2023.
O tempo mínimo de contribuição, para homens e mulheres, também
sobe 6 meses a cada ano: vai dos atuais 15 anos em 2019 até 20 anos em 2029.
De forma
geral, lembra o professor da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da USP (FEA-USP), a transição será bem mais rápida que a prevista
na reforma de Temer, proposta em 20 anos.
Nova proposta altera modalidades de aposentadoria por idade e tempo de contribuição
3. Aposentadoria do trabalhador rural
Os
trabalhadores rurais, que hoje já têm regras diferenciadas, passam a ter idade
mínima de 60 anos para homens e mulheres - mesma regra válida atualmente para
os homens. A proposta vai aumentar a idade mínima para aposentadoria das
mulheres. Pela regra vigente, podem se aposentar a partir dos 55 anos.
O governo
também quer passar a exigir 20 anos de contribuição dos trabalhadores rurais -
hoje, existe um tempo mínimo de atividade rural, de 15 anos. Outra novidade é que
passa a ser exigido um valor mínimo anual de contribuição previdenciária do
grupo familiar, de R$ 600. Hoje, não existe essa cobrança.
4. Regra de cálculo dos benefícios do INSS
Os
benefícios da nova Previdência serão calculados da seguinte forma: 60% da média
dos salários de contribuição, acrescidos de 2 pontos percentuais a cada ano de
contribuição que exceder 20 anos.
Ou seja:
uma pessoa que contribuir por 30 anos terá um benefício de 80% da média dos
salários de contribuição. Isso significa que é necessário completar 40 anos de
contribuição para ter direito a 100% do valor.
O
percentual poderá inclusive ultrapassar os 100%, segundo o governo, mas não na
regra de transição, quando ficará limitado a esse percentual. Além disso, o
valor do benefício não pode ser menor que um salário mínimo (R$ 988) ou ficar
acima do teto do INSS (R$ 5.839,45).
Para Pedro
Fernando Nery, consultor legislativo do Senado, a mudança na fórmula de cálculo
não deve provocar uma mudança grande no patamar das aposentadorias.
De um
lado, com a manutenção do salário mínimo como piso previdenciário, "a
maior parte dos trabalhadores vai ganhar mais do que 100% da sua média salarial
mesmo contribuindo o mínimo". Hoje, cerca de 66% dos benefíciários do
Regime Geral recebem um salário mínimo.
Para os
demais, avalia o economista, não deve haver tanta mudança em relação ao fator
previdenciário, que já exige mais ou menos 40 anos para dar 100% da média.
5. Alíquotas de contribuição
A proposta
cria novas regras para a contribuição dos trabalhadores durante a idade ativa,
tanto para servidores quanto para trabalhadores da iniciativa privada.
Hoje, os
contribuintes do INSS pagam algo entre 8% e 11% de todo o salário, a depender
do nível de rendimento.
Esse
modelo seria substituído por uma tabela cujas alíquotas incidem sobre
diferentes faixas da remuneração, como no imposto de renda. Na prática, as
alíquotas efetivas variam de 7,5% para quem recebe até um salário mínimo a 11,68%
para quem ganha a partir de R$ 3 mil.
Por
exemplo: uma pessoa que tem salário de R$ 1.250 pagaria 7,5% sobre o valor do
salário mínimo (R$ 998) e 9% em relação aos outros R$ 252 - com uma alíquota
efetiva de 7,8%.
Como a
alíquota mínima é reduzida de 8% para 7,5%, o governo calcula que
aproximadamente 20 milhões de contribuintes do INSS terão redução nessa taxa de
contribuição.
A mesma
tabela de cálculo valerá para o funcionalismo. Com a diferença de que, para os
servidores que têm direito a se aposentar com salário integral hoje - aqueles
que ingressaram no serviço antes da reforma realizada em 2003 - estarão
sujeitos a alíquotas maiores, que poderão chegar a 22% para os que recebem mais
de R$ 39 mil.
Hoje, os
servidores públicos que entraram até 2013 e não aderiram à Fundação de
Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) pagam 11% sobre
todo o vencimento. Quem aderiu ao sistema complementar paga 11% até o teto do
regime geral.
Para
Felipe Bruno, líder de Previdência da consultoria Mercer no Brasil, a mudança
das alíquotas, que tem potencial para causar impacto significativo sobre os
salários dos servidores, pode gerar reação negativa forte por parte do
funcionalismo.
"Esse
é um dos temais mais polêmicos do texto, ao lado da mudança do BPC [Benefício
de Prestação Continuada] e do fim da multa rescisória (de 40% sobre o valor dos
depósitos no FGTS) para os empregados que já estão aposentados."
6. Servidores públicos
A idade
mínima de aposentadoria dos funcionários públicos sobe de 55 anos para mulheres
e 60 para homens para 62 e 65 anos, as mesmas que valem para os trabalhadores
do setor privado.
O tempo
mínimo de contribuição passa de 35 anos para homens e 30 para mulheres para 25
anos, com a exigência de 10 anos de serviço público e 5 anos de tempo no cargo
em vigor.
A idade
mínima de 65 para homens e de 62 anos para mulheres vale também para os
servidores que entraram no setor público antes de 2003 e que ainda têm direito
de se aposentar recebendo integralmente o último salário - a chamada
integralidade.
A regra de
transição do Regime Próprio de Previdência (RPPS) também prevê um sistema de
soma de pontos com idade e tempo de contribuição que vai de 2019 a 2033.
Para as
mulheres, a soma de idade e tempo de contribuição sobe gradativamente de 86 em
2019 para 100 em 2033, enquanto, para os homens, os pontos evoluem de 96 em
2019 a 105 em 2028.
7. Professores, policiais e agentes penitenciários
Os
professores que trabalham na iniciativa privada - ou seja, estão vinculados ao
INSS - passam a ter idade mínima de 60 anos para aposentadoria e um tempo de
contribuição de 30 anos. A regra atual para essa categoria não traz um piso
etário e exige exclusivamente tempo de contribuição de 25 anos para mulheres e
de 30 para homens.
Para os
professores que atuam no serviço público, hoje é exigida uma idade de 50 anos
(mulheres) e 55 (homens). A proposta prevê 60 anos e 30 anos de contribuição
para ambos, além de 10 anos de serviço público e pelo menos 5 anos no cargo.
O governo
propõe, ainda, idade mínima de 55 anos para homens e mulheres que são policiais
civis e federais, além de agentes penitenciários. A proposta também exige 30
anos de contribuição para os homens e 25 para as mulheres.
Policiais
civis e federais não têm, de acordo com a regra atual, idade mínima.
Os agentes
penitenciários, da forma como funciona hoje, estão sujeitos às regras gerais de
aposentadoria. Se a PEC for aprovada, eles passam a ter regra de aposentadoria
especial - o que é uma briga histórica da categoria, cujos representantes
chegaram a invadir o Congresso Nacional durante a tramitação da proposta de
reforma da Previdência do governo anterior.
Segundo projeto do governo, tanto servidores quanto trabalhadores da iniciativa privada verão mudanças nas alíquotas de contribuição
8. Pensão por morte
A proposta iguala as regras para o serviço público e
privado. O benefício passa a ser de 60% do teto do INSS, com mais 10% por
dependente adicional, até atingir o valor do teto, que hoje é de R$ 5.839,45.
A mudança
é particularmente dura com os beneficiários do Regime Próprio, que hoje recebem
100% do benefício até o teto do INSS mais 70% do que superar esse teto.
Na
prática, alguém que tenha direito a pensão por morte de um servidor que recebia
R$ 10 mil, por exemplo - que hoje teria direito a cerca de R$ 8.751,8
(R$5.839,45 mais 70% de R$ 4.160,55) -, passa a receber R$ 3.503,7 - podendo
chegar aos 5.839,45, caso tenha 5 filhos.
No Regime
Próprio, a regra vigente hoje é a de que as pensões devem equivaler a 100% da
remuneração usada como base de cálculo, respeitado o teto do INSS.
9. Assistência social e abono salarial
Pago hoje
àqueles com mais de 65 anos em situação de miserabilidade - com renda familiar
per capita de um quarto de salário mínimo - e a deficientes, o Benefício de
Prestação Continuada (BPC) teve as regras mantidas para esse último grupo e
modificadas para os idosos.
Para essas
pessoas, o benefício passa a ser "fásico": para quem tem a partir de
60 anos, o pagamento será de R$ 400; para quem tem mais de 70, de um salário
mínimo.
Bruno, da
consultoria Mercer, considera esse um dos pontos mais sensíveis da proposta.
"Enquanto
a mudança nas alíquotas (de contribuição, especialmente para os servidores)
poderia trazer um olhar mais positivo das pessoas em relação à reforma, a
mudança no BPC pode trazer um peso negativo da percepção pública e dificultar a
tramitação", avalia.
Nery,
coautor de Reforma da Previdência - Por que o Brasil não pode Esperar,
pondera que a nova regra amplia a cobertura do benefício, mas pode ser mais
dura com alguns segurados.
Alguém com
17 anos de contribuição e 65 de idade, por exemplo, teria garantido um salário
mínimo pela regra atual na aposentadoria por idade.
Pela nova
regra, os 17 anos não lhe garantiriam a aposentadoria por idade, cuja carência
sube para 20 anos na proposta, e a idade para recebimento do salário mínimo no
BPC subiu de 65 para 70. Ela teria apenas um benefício de R$ 400.
"Pelo
que consta, há impacto fiscal positivo para o Estado na medida, então, não está
claro se em termos de combate à pobreza o ganho com a ampliação da cobertura
supera a perda com o aumento da insuficiência de renda entre 65 e 70."
Nas contas
do governo, junto com a mudança nas regras do abono salarial - que passa a ser
pago apenas ao que ganham até um salário mínimo, e não mais dois - a medida
traria economia de R$ 182,2 bilhões em 10 anos.
Isso
representa 17% do total da economia prevista com a PEC da "Nova
Previdência", de pouco mais de R$ 1 trilhão.
10. Opção de capitalização para os novos segurados
O sistema
de contas individuais será alternativo ao sistema de repartição para aqueles
que entrarem no mercado de trabalho após aprovação do pacote.
A
capitalização seguirá regime de contribuição definida, no qual o trabalhador
receberá na aposentadoria o que poupar em idade ativa, com garantia de salário
mínimo para aqueles que não conseguirem economizar o suficiente.
A mudança,
entretanto, não será regulamentada pela PEC, mas por um Projeto de Lei
Complementar que tramitará separadamente e que será formulada por outro grupo
de trabalho.
Luís
Eduardo Afonso, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São
Paulo (FEA-USP), ressalta que ainda há muito pontos vagos na proposta para
adoção do regime de capitalização.
"Ainda
falta muita informação. Isso acaba gerando insegurança e ansiedade por parte do
mercado e na percepção pública", concorda Bruno, da Mercer.
"Outro
ponto (de frustração) é a questão dos militares. Talvez houvesse expectativa de
que esse tema fosse tratado agora", acrescenta.
11. Parlamentares
Pela
proposta do governo, todos os novos parlamentares passam a se aposentar pelas
regras do RGPS e, portanto, não têm mais direito a aposentadoria especial.
Nesse
caso, a regra de transição eleva para 65 anos a idade mínima para homens e para
62 anos a de mulheres, como no regime geral, e estipula a cobrança de 30% de
pedágio do tempo de contribuição que falta para completar os 35 anos.
12. Gatilho: aumento constante da idade mínima
A partir
de janeiro de 2024, haverá um ajuste da idade mínima para todas as categorias a
cada 4 anos. Esse aumento ocorrerá de acordo com a expectativa de sobrevida dos
brasileiros a partir dos 65 anos.
Ou seja:
quando aumentar o tempo esperado de vida dos idosos, subirá também a idade em
que eles vão poder se aposentar.
As idades
vão subir 75% do tempo de aumento da expectativa de sobrevida dos brasileiros.
Se essa expectativa subir 12 meses, por exemplo, o aumento na idade mínima é de
9 meses.
(Fonte: BBC)
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