sexta-feira, 26 de abril de 2019

ARTIGOS: o modernismo literário e o regionalismo (Eudes Sousa*)

O povo ainda comerá dos biscoitos finos que fabrico, disse Oswaldo de Andrade, auto titulado: O palhaço da burguesia. Assim, foi o começo do movimento modernista, um movimento de elite, nascido de cima para baixo nos salões da aristocracia paulistana, e mais: tomando como guru o Italiano Marinetti, um escritor caixeiro-viajante de Mussolini.

Mas de acordo com a mudança de paradigmas dos artistas brasileiros, é de constatar que o movimento evoluiu, digamos, os modernistas foram heterogêneos. A passagem para uma posição afirmadora promoveria, como promoveu, a exposição de diferenças profundas das estéticas em pleno palco do Teatro Municipal: na Semana de Arte Moderna.

Mas tudo reside no fato contraditório que o próprio movimento modernista suscitava. Por fim, os modernistas souberam combinar dialeticamente agitação negadora com o trabalho afirmativo, do que resultaram de grandes obras literárias. Por exemplo, quando o conferencista Graça Aranha advogava para o artista o direito de desfrutar a mais absoluta liberdade de se expressar, recebendo, em contrapartida, a contestação de Mario de Andrade, através de um retumbante: Não apoiado! Talvez provocado pelo vigor de um juiz crítico, ele cria o personagem Macunaíma, hoje, um patrimônio literário nacional.

Outro exemplo foi o de estimular o tratamento unitário dos problemas artísticos e literários, reunindo, ao superar a tradição setorial do agir desconexo e sem ressonância, desde a música de Heitor Villa-Lobos até escultura de Victor Brecheret, passando pela poligrafia de Mario de Andrade, a poesia de Manoel Bandeira, o romance de Oswaldo de Andrade, a crítica de Sergio Miller, o humor do palhaço Piolim, pelas pinturas de Anita Malfatti, de Tarsila do Amaral e de Di Cavalcante.

Com essa preocupação artística e literária, em seguida, transbordaria para numerosos departamentos dos saberes humanos, influenciando a história de Sergio Buarque de Holanda, o folclore de Câmara de Cascudo, o jornalismo de Prudente de Morais Neto, a polêmica de Joaquim Inojosa e a antropologia de Nunes Pereira.

O instante já é propício para lançarmos a pergunta qual é o vínculo do modernismo com o regionalismo. O regionalismo, de essência tradicionalista, interessava o manguzá, as palmeiras, a tapioca, os papagaios e a preta doceira. O tratamento destas variáveis, sem nenhuma dúvida, esbarava na concepção de um projeto nacional, anunciado por Mario de Andrade, cuja natureza despida de ambiguidade, era modernista.

Os elementos do regionalismo tinham um vínculo, em Pernambuco, com a poesia de Ascenso Ferreira. Teremos uma comprovação maior desta afirmativa traçando um paralelo com a poesia de Jorge de Lima, o romance de José Américo de Almeida, todos participantes de movimento modernista, os quais trabalhavam sobre a temática regional.

Outro exemplo, desde a década de 20, o regionalismo já partilhava por manifestos, congressos e conferencias. Aqui citarei Gilberto Freire, autor de Casa Grande e Senzala, mas não como liderança dos chamados romances do “Ciclo-de-Açúcar,” como quiseram alguns. Gilberto não influenciou sozinho, foi ele também influenciado. Ninguém poderá negar que se trata de uma gloria viva de Pernambuco. Apenas não foi líder da revolução modernista no Nordeste.

Com essa polêmica, podemos citar na posição de vanguarda na história da inteligência Nordestina José Américo de Almeida, com a Reflexão de uma Cabra, publicado em 1922, contendo na posição da narrativa novelesca nordestina, uma crítica humorística. A Paraíba e seus Problemas, publicado em 1923, e que constituiu na palavra de Manoel Corrêa de Andrade uma das pilastras básicas da formação de uma geografia no Brasil, juntamente com os Sertões de Euclides da Cunha, o Nordeste Brasileiro, de Agamenon Magalhães.

Em outro ponto, a Bagaceira, de José Américo de Almeida, lançada em 1928. Uma crítica da realidade do massacre humano, pela concentração fundiária e dos elementos interativos das nossas comunidades rurais de maneira a influenciar na década seguinte: O Quinze de Raquel de Queiroz, Terra sem Fim, de Jorge Amado, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Os Corumbas, de Armando Fontes e as novelas de José Lins do Rêgo. Que ainda se traduz na dedicatória de Guimarães Rosa: “Jose Almeida, abriu para todos nós o caminho do moderno romance brasileiro”.

Mas, na verdade, quem introduziu os ideais do modernismo no Nordeste foi Joaquim Inojosa. Numa conferencia feita em Sorbone, em 1923, Oswaldo Andrade dizia: Joaquim Inojosa introduziu as novas ideias em Pernambuco, através de vários artigos assinados na imprensa de Recife e Paraíba. Carlos Drummond de Andrade e Mario Ruiz em Minas Gerais.

Com isso, o regionalismo ganhou uma nova roupagem cultural e estética e se expandiu do Nordeste para o Sul, procurando conhecer áreas canavieiras, as catingas das secas, os cangaços e as terras do cacau e do fumo, as fronteiras das Serras Gaúchas e outras.

Portanto, o regionalismo marca o momento central do romance de 30, só que, eventualmente, se manifesta na poesia, a qual se universaliza e, por isso, retrata os conflitos do homem em geral, e não do homem brasileiro ou do homem de uma região do Brasil para que este tomasse conhecimento da problemática social e desse sua contribuição à causa.

Desde modo, o movimento modernista foi o fundador de uma literatura inspiradora nos costumes e da natureza, de repercussão contundente nos caminhos históricos dos nossos meios regionais, rurais e urbanos, de influenciar, entre outras personagens, como Nhorinhá, Riobaldo, Diadorim, de Guimarães Rosa, o Sargento Getúlio de Ubaldo Ribeiro.

Finalmente, os modernistas, sem dúvida, tinham o interesse de mergulhar e resgatar as raízes de um passado histórico e cultural na construção de um projeto sociológico e político de afirmação nacional. E nisto acreditamos em muitos seguidores cearenses.






(*) Jornalista, historiador e crítico literário
- atribunadoescritor@gail.com  - (88- 992913811)








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