Entre outubro e dezembro do ano passado, a estudante
Fátima Suzane de Oliveira foi levada ao setor de urgência e emergência de um
hospital particular de Recife (PE) por mais de 20 vezes. Ela relata que sentia
fortes dores na cabeça e no corpo, a visão estava embaçada e tinha momentos de
confusão mental. Por meses, seguiu sem diagnóstico.
Os
sintomas da jovem pioravam a cada semana. "Certa vez, tive dores
articulares na mão esquerda, que subiram para o braço e, depois, comecei a ter
uma dor muito forte no peito, como se estivesse tendo um infarto", relata
à BBC News Brasil.
Os médicos, segundo a estudante, avaliaram diversas
possibilidades para os problemas de saúde dela. "Fiz vários exames, que
não apontaram nenhuma doença. Chegaram a dizer que eu poderia sofrer de
ansiedade. Eu ficava assustada por ninguém saber o que eu tinha",
relembra.
No começo de março, após meses sem respostas, Suzane,
como é conhecida pelos amigos, recebeu o diagnóstico: doença de Lyme –
enfermidade causada por uma bactéria transmitida pela picada de carrapato. A
mazela pode afetar todos os sistemas do corpo humano.
A doença
foi descoberta na década de 70, na cidade de Lyme, em Connecticut, nos Estados
Unidos. Ela costuma ter início com uma lesão na pele e, depois, pode causar
sintomas semelhantes a uma virose, como dores na cabeça e febre.
Posteriormente, o paciente pode ter manifestações na pele, nas articulações, no
sistema nervoso ou no coração.
Suzane tinha uma rotina dedicada aos estudos. Ela cursava
Biomedicina e também fazia curso preparatório para o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), pois sonha em conquistar uma vaga em Medicina. Os problemas de
saúde a fizeram parar de estudar. "Estava totalmente prejudicada pela
doença."
Lyme - Um dos períodos mais complicados da doença, segundo
Suzane, foi no fim de dezembro. Na época, ela começou a ter dificuldades para
andar. "Sentia uma dor muito forte na coluna e não conseguia sair da
cama", diz. Desde então, tem períodos em que consegue se locomover
sozinha, com dificuldades, e outros em que precisa de apoio para caminhar.
Cada vez
mais debilitada, Suzane começou a pesquisar na internet sobre os sintomas que
tinha. "Foi quando li sobre a Lyme. A princípio, pensei que não fosse o
meu caso, porque vi que não havia nenhum registro da doença em Recife",
diz.
Ela
coletou sangue e enviou para o Hospital das Clínicas da Universidade de São
Paulo (USP), referência em estudos sobre a doença no Brasil. "Em Recife
não havia nenhum lugar que fizesse o exame", comenta a jovem.
O
resultado chegou semanas depois. "Foi complicado, porque descobri a doença
tardiamente. Os tratamentos são mais difíceis quando o diagnóstico é feito
meses depois dos primeiros sintomas. Por conta dessa demora, minha doença se
tornou crônica", pontua. Como em todos os casos descobertos no país,
Suzane foi diagnosticada com a versão brasileira da Lyme.
No Brasil,
a doença possui semelhanças com os casos do Hemisfério Norte. No entanto, há
particularidades que a diferenciam. Por isso, especialistas denominam a mazela
como Borreliose brasileira, Síndrome Baggio-Yoshinari ou Lyme brasileira. Em
geral, os tratamentos costumam ser semelhantes.
Pioneiro
nos estudos sobre Lyme no Brasil, o reumatologista Natalino Yoshinari explica
que os sintomas e o modo como a doença pode ser transmitida estão entre as
diferenças dos casos encontrados no Brasil ou em outras regiões, como na Europa
e na América do Norte.
Segundo
Yoshinari, a borrelia burgdorferi, bactéria responsável por transmitir a Lyme,
está concentrada, principalmente, no carrapato-estrela, da espécie Amblyomma
cajennense, no Brasil. Em regiões como o Hemisfério Norte, a bactéria está
presente em outras diferentes espécies do parasita.
A bactéria possui distinções conforme o carrapato
responsável por transmiti-la e também de acordo com o clima e aspectos
ecológicos de cada região, apontam estudos. Yoshinari ressalta que,
possivelmente, menos de 5% das pessoas picadas pelo parasita desenvolvem a
doença.
Nos Estados Unidos, são diagnosticados cerca de 30 mil
novos casos de Lyme por ano. No Brasil, não há estimativas sobre a doença.
A picada do carrapato - Após
receber o diagnóstico da doença, Suzane passou a se perguntar sobre o momento
em que foi picada pelo parasita. "Depois que conheci outras pessoas que
também têm Lyme, percebi que é muito comum que não saibam o momento exato em
que foram picadas pelo carrapato", diz.
Suzane
conta que chegou à conclusão de que, possivelmente, foi picada em meados do ano
passado, enquanto estava a caminho do curso que fazia. "Lembro de algo
estar me incomodando, dentro da minha roupa. Eu olhava e não encontrava o que
era. Como eu estava com pressa, porque antes vivia correndo, não encontrei
nada", detalha.
Ela
acredita ter sido picada no glúteo. "Na época, surgiu uma pequena lesão,
mas não pensei que pudesse ser algo grave."
"Hoje,
entendo que uma forte gripe que tive no fim de setembro era o início dos
sintomas da doença", completa.
A doença de Lyme é causada por uma bactéria transmitida pelo
carrapato-estrela (Amblyomma cajennense)
A
estudante afirma desconhecer a origem do carrapato que a atacou. "Uma das
possibilidades é que ele estava no tapete que coloco em frente à porta do meu
apartamento, porque sempre passam cachorros por ali. Mas não tenho
certeza", declara.
Os carrapatos que transmitem a Lyme no Hemisfério Norte
são encontrados, comumente, em animais silvestres como veados, ursos e
roedores. Desta forma, a pessoa contrai a infecção, na maioria dos casos,
quando adentra áreas de mata.
No Brasil, conforme Yoshinari, os parasitas contaminados
com a bactéria já foram identificados em cães, bovinos, cavalos, capivaras,
pequenos marsupiais e roedores. "Por aqui, a enfermidade é mais perigosa
em termos de risco de contaminação, pois tanto animais silvestres como domésticos
podem ser reservatórios da bactéria", pontua o especialista.
Para se
prevenir da doença, o médico orienta o uso de carrapaticidas em animais
domésticos e a utilização de repelentes antes de adentrar áreas de mata. Caso o
paciente note a picada do carrapato e possíveis problemas de saúde ocasionados
por ela, a orientação é que busque atendimento médico imediatamente.
O tratamento - Logo que
foi diagnosticada com Lyme, Suzane deu início ao tratamento com antibióticos.
Por 28 dias, a jovem foi ao hospital para tomar as medicações - por via oral e
intravenosa. Ela diz que parte do tratamento foi custeado pelo plano de saúde.
"Gastei cerca de R$ 200 a mais, com vitaminas."
Suzane
comenta que teve pouca melhora em seu quadro de saúde após o tratamento.
"Ainda sinto muitas dores no corpo, não consigo andar normalmente e me
sinto exausta", conta a estudante. Ela continua fazendo uso de antibiótico
oral.
A terapia
antibiótica é o tratamento adotado contra a doença no Brasil. Ela está
disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). "Mas não há um serviço
especializado em atender esses pacientes", ressalta o reumatologista
Leandro Prado, que estuda a Lyme no Brasil.
Prado
afirma que os tratamentos com antibióticos costumam trazer bons resultados e
são raros os casos em que os sintomas da doença retornam. "Esses
tratamentos são semelhantes aos recomendados por entidades internacionais,
seguindo a literatura médica. O grande problema no Brasil é a desinformação
sobre a doença. Por isso, muitos pacientes não são tratados na fase
aguda", afirma Prado.
Por considerar que não conseguirá se curar da doença
somente com antibióticos, por tê-la descoberto em período considerado tardio,
Suzane planeja ir à Alemanha para se tratar. "Pelos relatos que li, é o
lugar em que há o melhor tratamento. Há outros países que também possuem
alternativas, mas muitos dos relatos de cura estão na Alemanha, nos quais a
Lyme não voltou", afirma.
O tratamento que ela planeja fazer na Alemanha envolve
procedimentos alternativos. "Lá existem exames aprofundados para
investigar cada caso de Lyme. Eles usam uma combinação de antibióticos e
tratamentos alternativos com ozonioterapia [no Brasil pode ser realizado apenas
em caráter experimental] e vitaminas. Depois, fortalecem o sistema imunológico
do paciente para que o corpo possa eliminar o que restou da bactéria",
detalha.
Especialistas
brasileiros não recomendam a busca de tratamentos alternativos contra a doença,
pois alegam que não há comprovação cientifica. "Não são procedimentos
terapêuticos adotados por pesquisadores sérios. Gastam uma fortuna e não há
certeza de melhoras", diz Yoshinari.
Apesar de
saber que especialistas são contra os tratamentos alternativos, Suzane mantém o
desejo de passar pelos procedimentos na Alemanha. "Penso que seja a única
alternativa que me resta."
Ela avalia
que precisará de R$ 140 mil para o tratamento no exterior - valor que inclui
estada por quatro semanas e medicamentos por seis meses. Para conseguir o
recurso, a jovem abriu uma "vaquinha online". Até o momento,
conseguiu apenas R$ 3 mil. Caso não atinja o valor, ela não descarta outras
medidas. "Penso em fazer um empréstimo ou algo assim, pois não tenho esse
dinheiro."
A vida depois da doença - Hoje, o
maior sonho de Suzane é se curar da doença e não sentir mais dores constantes.
A jovem define a Lyme como "a sensação de viver no limite".
Nos
últimos meses, um dos principais companheiros da jovem tem sido o namorado
dela, o universitário Lucas Mafra. Ele a acompanhou nas internações e a levou
diariamente ao hospital para fazer o tratamento. "Tentei dar o máximo de
conforto para ela, porque para mim foi terrível ver alguém que amo definhar e
parar a vida por não ter forças", lamenta o rapaz, que namora a estudante
há dois anos.
Em meio
aos dias que considera os mais difíceis de sua vida, Suzane mantém os sonhos
para o futuro. "Quero voltar a estudar, porque sempre foi algo que gostei
muito. Espero que um dia consiga realizar o meu sonho de ser médica, para
ajudar outras pessoas", diz. (BBC)
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