Tribunal julga recurso do ex-presidente na tarde desta terça-feira
no caso do 'Triplex do Guarujá'. Entenda os possíveis desdobramentos do
julgamento para o ex-presidente
Pouco mais de um ano após a prisão do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
analisa na tarde desta terça-feira seu recurso contra a condenação no caso
Tríplex do Guarujá.
Entre os desfechos possíveis para o julgamento estão a manutenção da
prisão, a libertação de Lula ou a redução da sua pena, atualmente fixada em 12
anos e um mês de detenção - este último cenário pode abrir espaço para uma
prisão domiciliar.
A análise do
caso será feita pela 5ª Turma do STJ, formada por cinco ministros. O histórico
de decisões do colegiado é de manter as decisões do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região (TRF-4) em casos da Operação Lava Jato.
O
ex-presidente está preso em Curitiba desde abril do ano passado após ter sido
condenado pelo TRF-4 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os
desembargadores entenderam que a empreiteira OAS deu a Lula uma cobertura
tríplex no litoral de São Paulo em retribuição a sua influência para que a
empresa conseguisse contratos superfaturados em obras da Petrobras e outros
empreendimentos do governo federal, confirmando assim decisão do então juiz da
13ª vara de Curitiba, Sergio Moro.
A defesa de
Lula nega as acusações e sustenta que há uma série de ilegalidades no processo.
Se a maioria da 5ª Turma concordar com esses argumentos, o processo pode ser
anulado, o que permitira a saída de Lula da cadeia.
Outra possibilidade é o tribunal reduzir a pena de doze anos e um
mês, o que poderia levar à substituição do regime fechado para prisão
domiciliar ou semiaberto (em que o condenado pode deixar a prisão durante o dia
para trabalhar).
Lula continuará preso se o STJ confirmar a condenação ou agravar a
pena determinada em segunda instância. A decisão definitiva do caso, porém,
ainda dependerá do Supremo Tribunal Federal, onde a defesa apresentou um novo
pedido de habeas corpus, além do recurso extraordinário que tenta reverter a
condenação.
O presidente está preso porque em 2016 o STF voltou a autorizar a
prisão após condenação em segunda instância. Ministros já sinalizaram que a
Corte pode alterar seu entendimento novamente, mas não há data para novo
julgamento dessa questão.
Vale lembrar
que o ex-presidente foi condenado em fevereiro em outra ação, por causa de
obras realizadas por empreiteiras no sítio de Atibaia, mas a sentença da juíza
federal Gabriela Hardt ainda não passou pelo crivo do TRF-4.
Entenda em
seis pontos o que será analisado no julgamento do STJ sobre o caso do Tríplex
do Guarujá e os possíveis desfechos.
1. Relembre o caso
Lula e sua
falecida mulher, Marisa Letícia, adquiriram na planta um apartamento simples,
de número 141, em um empreendimento no Guarujá da Cooperativa Habitacional dos
Bancários (Bancoop), em 2005. Em outubro de 2009, diante das dificuldades
financeiras da cooperativa, esse e outros empreendimentos da Bancoop foram
repassados para a OAS.
Com isso,
foi dado um prazo para os compradores optarem por desistir do imóvel e receber
o dinheiro já investido de volta, ou continuar pagando as prestações
diretamente para a empreiteira. Lula e Marisa nunca desistiram formalmente do
apartamento 141, mas ele foi revendido. Por outro lado, a cobertura tríplex não
foi comercializada e ficou, segundo a OAS, reservada para o casal.
Ambos visitaram a cobertura em 2014, período em que foram feitos
obras de melhoria no apartamento. Lula diz que a visita foi para avaliar a
compra do apartamento, mas que acabou desistindo do negócio.
Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS e réu no processo, contou em
depoimento que lhe foi dito por João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT e
ex-presidente da Bancoop, que o tríplex era de Lula em 2009 quando a OAS
assumiu o empreendimento.
Segundo ele,
posteriormente, ficou decidido com Vaccari que a diferença de valor entre o
tríplex e o apartamento originalmente adquirido por Marisa, assim como o custo
das reformas, no total R$ 2,252 milhões, seriam abatidos de uma conta informal
de créditos e débitos que o PT tinha com a OAS, abastecida por propinas
provenientes de contratos fraudulentos com a Petrobras e outras obras do
governo federal.
O presidente
da OAS disse também em depoimento que nunca tratou do assunto diretamente com
Lula, mas que Vaccari afirmou que o ex-presidente sabia que o dinheiro sairia
da conta do PT com a OAS. Segundo Pinheiro, foi sua prisão em novembro de 2014
que frustrou a transferência de propriedade do tríplex para Lula. Ele diz,
porém, que nunca chegou a ser discutido como essa transferência seria
concretizada.
Vaccari e
Lula negam a versão de Pinheiro e dizem que não há provas que comprovem o que
ele diz. Para a defesa dos petistas, o ex-presidente da OAS mentiu buscando um
acordo de delação premiada.
A defesa alega que Lula e Marisa Letícia (1950-2017) tinham
a opção de compra do imóvel, mas desistiram
2. Em que estágio está o processo?
A lei
brasileira prevê que a análise de provas em um processo criminal se esgota na
segunda instância. Dessa forma, o STJ não analisará concretamente se Lula
recebeu ou não o imóvel como retribuição por favorecer a OAS. O que a corte vai
analisar são as alegações da defesa de que houve ilegalidades na condução do
processo, o que pode levar à anulação da condenação.
O relator da
Lava Jato no STJ, ministro Felix Fischer, já rejeitou o recurso de Lula
individualmente em novembro. Nesta terça, os ministros Jorge Mussi, Reynaldo
Soares da Fonseca e Marcelo Navarro Dantas darão seu votos.
O quinto integrante da Turma, Joel Paciornik, não participará do
julgamento porque seu advogado pessoal, René Dotti, atua na causa como
assistente de acusação da Petrobras. Caso haja empate, será convocado em seu
lugar o ministro da 6ª Turma Antonio Saldanha, que precisaria de tempo para se
inteirar do processo.
3. Que argumentos usam a defesa para pedir a libertação de Lula?
Ao tentar
mostrar que o processo foi ilegal, os advogados de Lula argumentam, por
exemplo, que a condenação final difere das acusações apresentadas na denúncia.
Inicialmente, o Ministério Público Federal havia apontado que o tríplex teria
sido bancado com recursos desviados de três contratos específicos da Petrobras.
A sentença final, porém, diz que os recursos saíram de uma conta informal de
créditos e débitos que o PT tinha com a OAS, abastecida por propinas
provenientes de contratos fraudulentos com a Petrobras e outras obras do
governo federal, sem identificar objetivamente que recursos teriam beneficiado
o ex-presidente.
"Isso
torna a condenação ilegal, pois o ex-presidente passou o processo se defendendo
dessa acusação e a sentença não identifica recursos da Petrobras (desviados em
seu favor)", afirma Cristiano Zanin, advogado de Lula.
Além disso,
para a defesa, o fato de a sentença não apontar objetivamente recursos da
Petrobras que teriam beneficiado o ex-presidente significa que o caso não
poderia ter sido julgado por Sergio Moro - juiz que estava autorizado a se
dedicar exclusivamente a casos da Operação Lava Jato envolvendo recursos desviados
da estatal. Os advogados sustentam que, seguindo o princípio do juiz natural, o
caso teria que ser julgado por um magistrado em São Paulo, onde fica o imóvel
citado no processo.
Na leitura
dos advogados, a condenação também é ilegal porque considera como prova
determinante o depoimento do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que é também
réu no processo e negociava na época delação premiada. Segundo a defesa, a lei
brasileira não permite condenar com base apenas em depoimento de colaborador,
já que este pode acusar outros falsamente na tentativa de reduzir sua pena.
Lula está preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba desde abril de 2018
O relator Felix Fisher, porém, afirmou em sua decisão que os pedidos
da defesa exigiram uma reanálise de provas, o que não é possível nesse estágio
do processo. O ministro também refutou outros pontos do recurso de Lula, como a
alegação de que seu direito à ampla defesa foi violado no processo quando Moro
negou a realização de perícias solicitadas por seus advogados. No entendimento
do relator, o juiz tem autoridade para negar "as diligências que
considerar protelatórias e/ou desnecessárias".
Lula poderá ser solto se a maioria dos ministros contrariar o
entendimento do relator e considerar a condenação ilegal.
4. O que poderia levar à mudança de regime?
A legislação
brasileira prevê que um condenado deve cumprir sua pena em regime fechado se
for condenado a mais de oito anos de prisão. Além disso, prevê que pode evoluir
para um regime menos restritivo depois de cumprir um sexto da pena, caso tenha
histórico de bom comportamento.
Na atual
situação de Lula, condenado a 12 anos e um mês, ele poderia passar para o
semiaberto (em que é possível deixar a prisão durante o dia para trabalhar)
depois de cumprir dois anos e cinco dias de detenção.
No entanto,
se o STJ reduzir o tempo de condenação isso pode abrir espaço para Lula mudar
de regime imediatamente, pois já cumpriu um ano de prisão. Como ele já tem mais
de 70 anos, se for colado em regime aberto, poderá cumprir o restante da pena
em sua residência (prisão domiciliar).
A redução da
pena pode ocorrer, por exemplo, caso a maioria da 5ª Turma decida que a
condenação de Lula o puniu duas vezes por um mesmo ato, o que é proibido pela
legislação brasileira.
Os advogados
do ex-presidente sustentam que ele foi condenado por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro pelo fato de ter recebido um imóvel, muito embora o apartamento
nunca tenha sido passado por seu nome.
"A
lavagem de dinheiro pressupõe um ato autônomo objetivando escamotear a origem
ilícita de um bem ou de um valor e não há essa conduta identificada no acórdão
recorrido", destaca Cristiano Zanin.
Já o
Ministério Público Federal sustenta que o apartamento não foi passado
formalmente para o nome de Lula justamente para ocultar o crime de corrupção.
O relator
Felix Fisher também negou esse ponto do recurso dizendo que demandaria nova
análise de provas.
5. Confirmação da
condenação
Se a maioria do colegiado considerar a condenação de Lula legal, ele
segue preso. Uma decisão nesse sentido reduz as chances do ex-presidente ser
solto mesmo que o Supremo Tribunal Federal reveja a decisão de autorizar a
prisão após decisão em segunda instância.
Lula foi
preso há um ano devido ao atual entendimento do STF de que um condenado pode
iniciar o cumprimento da pena mesmo antes do trânsito em julgado (quando todas
as possibilidades de recurso se esgotam). A expectativa é que a Corte possa
rever essa decisão em novo julgamento, mas o cenário mais provável hoje é que a
maioria autorize a prisão após confirmação da condenação pelo STJ.
6. Reabertura da investigação
Há ainda
outro cenário possível: a defesa de Lula também argumenta junto ao STJ que
novas informações que podem afetar o julgamento do ex-presidente foram
reveladas após a condenação no TRF-4. Por isso, pedem que o julgamento seja
convertido em diligência, para reabertura da investigação.
Os advogados
citam, por exemplo, uma ação trabalhista movida contra a OAS por um
ex-executivo da empresa, Adriano Santana. No processo, ele afirma que sócios da
OAS fizeram doações de R$ 6 milhões a outros executivos que concordaram em
prestar versões favoráveis aos interesses do grupo em acordos de delação
premiada. Sua versão foi confirmada por uma testemunha na ação trabalhista, o
ex-diretor financeiro da OAS Mateus Coutinho de Sá Oliveira, também delator.
(BBC)
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