sábado, 18 de maio de 2019

LITERATURA CEARENSE - José Hélder Mesquita - Na Betânia de 1949 a 1954) - In Memoriam* )


“Muito me marcaram aqueles anos como seminarista em Sobral. Mais de cinquenta anos já são passados do meu desligamento do seminário e, nas reuniões dos betanistas, ainda sinto saudades daquela vida.” (J.Helder Mesquita)

Na época de minha infância, Monsenhor Tabosa, local onde eu nasci em 30 de março de 1935, não tinha colégios, existiam, apenas, duas escolas públicas, uma para os meninos e outra para as meninas.

Em janeiro de 1940, antes de completar cinco anos, fui matriculado na escola de dona Lídia. Estudei lá até 1945, ano em que me matricularam na escola municipal da Zuleide Almeida e em 1946, matriculei-me na escola da dona Maria Neusa Bezerra Farias, a primeira professora diplomada a ensinar em Monsenhor Tabosa.

Em 1947, meu pai me matriculou na Escola Seráfica São José, em Tianguá, onde foi me deixar, no fim de janeiro.

Iniciava-se, ali, o palmilhar de uma vida de estudo, coroada com o bacharelato em Ciências Jurídicas e Sociais em 1961.

Quando se terminava o terceiro ano primário, em Tianguá, se era transferido para o seminário de Ipuarana, no município de Campina Grande na Paraíba. Em 1948, terminei o primário em Tianguá e fui para as férias, com o compromisso de, em janeiro, me apresentar, em Otávio Bonfim a fim de viajar para ir cursar o primeiro ano ginasial em Ipuarana.

Sob a alegação de Ipuarana ser distante, meus pais não permitiram a minha ida, como programada e me desviaram para o Seminário São José de Sobral. A decisão foi, única e exclusivamente, de meu pai. Eu, apesar de já ter quase catorze anos, não fui ouvido, nem tive direito de me manifestar.

Pela primeira vez, senti-me tolhido em meus sonhos. Mas, quem era um garoto de catorze anos para se opor à decisão de seu pai? Quedei-me obediente.

Fizeram o enxoval, calças compridas, camisas de manga compridas, sem gola, duas batinas pretas para a diária, sapatos e meias pretos, chuteiras, chinelos e duas camisolas brancas, no Seminário de Sobral os alunos não dormiam de pijama e sim de camisola.

No dia aprazado, apresentei-me e me internei. Dois dias depois, me submeti ao exame de admissão, sendo aprovado para o primeiro ano ginasial.

Na época, o seminário funcionava na Betânia, em dois grandes prédios, onde, hoje, está localizada a Universidade Vale do Acaraú- UVA. O prédio do seminário, propriamente dito e o prédio onde funcionara o Ginásio Sobralense, chamados, no cotidiano da Betânia, de prédio antigo e prédio novo, interligados por um corredor, conhecido, familiarmente, pelos seminaristas, como Corredor Polonês.

Ambos os prédios foram construídos por Dom José Tupinambá da Frota, bispo conde de Sobral, o maior benfeitor da cidade. Poder-se-á, perfeitamente dizer: a imponência de Sobral, nas eras de cinquenta e sessenta, está umbilicalmente ligada a Dom José Tupinambá da Frota.
O seminário tinha por escopo formar padres, através de uma  disciplina rígida. O tempo era bem distribuído entre rezas, estudos, aulas, refeições e lazer. Nada de monotonia. Tudo dava azo a brincadeiras. Nas horas de recreio, uns andavam de bicicletas nos pátios, outros andavam de patins nos salões de recreio, outros jogavam damas ou xadrez e tinha quem preferisse discutir as matérias do currículo.

Nas manhãs de domingos, feriados e suetos, se faziam passeios, ou se jogavam partidas de futebol. Às tardes de sábado se ia a uma das igrejas do centro da cidade, fazer uma visita a Nossa Senhora.

A paz reinava entre os internos. Quase não havia brigas e intrigas eram muito difíceis. Fiquei no Seminário de Sobral, seis anos, de 1949 a 1954. Durante todo este tempo, o reitor foi Monsenhor Sabino Guimarães Loyola.

O curso do seminário era, fora de qualquer dúvida, um dos melhores do estado e, mesmo assim, não era reconhecido oficialmente.

Qualquer seminarista, após deixar o seminário, necessitava fazer o curso supletivo, ou haveria de recomeçar do primeiro ano, isto até 1950, quando o curso foi reconhecido.

Constar de seu curriculum vitae haver cursado o Seminário de Sobral, era porta aberta para qualquer emprego.

Tão logo, deixei o seminário, consegui emprego, sem problemas e um ano depois de ter saído de lá, me submeti ao vestibular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará e fui bem classificado, sem necessidade de cursinho. A formação moral e a humanística, recebida no seminário de Sobral, me foram úteis na minha profissão. Graças a ela pude me tornar um bom juiz.

O curso durava seis anos e estudava-se latim, português, grego, francês, história do Brasil e história geral, matemática, geografia, História Sagrada, rudimentos de física e química e música.

Até 1952, eu me adaptei muito bem à vida do seminário. Tinha plena convicção de ser um dos escolhidos para o sacerdócio. A partir de 1953, quando completei dezoito anos, começaram a surgir dúvidas, quanto à minha real vocação. Comecei a me sentir atraído para as coisas do mundo.

Comecei a me sentir atraído pelo sexo oposto. Comecei a acreditar não ter nascido para ser celibatário,

Com o passar do tempo, a simples atração começou a se transformar num desejo sério de deixar o seminário. Encontrava-me, no linguajar dos seminaristas, chumbado.

Meu diretor espiritual era o padre Arnóbio. Não concordou de maneira alguma com minha deserção. Aquilo não passava de tentação do demônio. A Igreja estava precisando de padres. O maior sonho de minha mãe era ter um filho padre. Na minha idade, ele também sentira vontade de sair, de desertar. Acedi, fiquei e assumi a prefeitura dos menores e depois a dos maiores. Terminei o quarto, o quinto e o sexto ano e fui para o Seminário maior em 1955 onde, me matriculei no primeiro ano de Filosofia.

O curso de filosofia, de três anos, era lecionado por cadeiras, sendo tantas no primeiro, tantas no segundo e o restante no terceiro ano.

Tendo feito, somente o primeiro ano, conclui, apenas, as cadeiras de Lógica, maior e menor, e de Ética, cujos conhecimentos me foram de suma importância na minha profissão, como Juiz de Direito.

Como criança, eu só falava em ser padre. Aos vinte anos, a história já era outra. Mesmo andando de batina, mesmo cursando o seminário, meu desejo era formar-me em Direito. Batina, nem em sonho, meu caso eram outras indumentárias. Paletó e gravata caiam bem. Utilizando a faixa, aprendi a dar o nó da gravata.

Ciente destes fatos, padre Tomé, meu Diretor Espiritual, certa noite, após uma consulta minha, respondeu-me olhando nos meus olhos: “seu Helder, você poderá ser um bom advogado ou mesmo um bom juiz, mas, jamais será um bom padre. Deixe a batina, sua mãe vai entender.”

Naquele tempo, era difícil se deixar a batina. A pressão da família e o choro da mãe, sonhando com um filho padre, levaram muitos a se ordenar sem vocação, tornando-se péssimos padres.

Encarei o problema. Acatei a ponderação do padre Tomé e, após avisar a meus pais e concluir o ano letivo, deixei a batina, no dia 10 de dezembro de 1955.

Formei-me em Direito como queria e, em 1968 através de concurso público, ingressei na Magistratura como Juiz de Direito, tendo judicado até 1995, quando me aposentei na Entrância Especial, sempre sendo promovido por merecimento.”( REMINISCÊNCIAS, de J. Helder Mesquita).




José Helder de Mesquita - Foi casado com Heloisa Almeida de Mesquita por quase 50 anos, tendo falecido em 16/03/2012, mesmo ano em que completariam bodas de ouro. Tiveram 04 filhos e 09 netos: Estefânia, advogada, mãe de Andressa e Ariane; Luiz Alves, dentista, pai de Matheus, Lucas, Rebecca e Isabelle; Helder Filho, matemático, pai de André Luiz e Bruno; e Regina Claudia, advogada, mãe de Natália. Sempre contou para sua família e amigos a importância e a experiência adquirida no Seminário de Sobral, o carinho pelo momento vivido era tanto que deixou registrado em várias páginas de seu livro REMINISCÊNCIAS.



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