Em cinco meses de governo, o Ministério da Educação
teve dois ministros e uma série de propostas polêmicas - algumas seguidas por
recuos.
As
mais controversas e que impulsionaram a convocação de uma mobilização de
estudantes em dezenas de cidades do Brasil dizem respeito a cortes
orçamentários em universidades e institutos federais anunciados pelo presidente
Jair Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub.
Estão
previstos para esta quarta (15) atos em 13 capitais e várias outras cidades,
organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE).
O
governo efetuou, no total, um bloqueio de R$ 7,4 bilhões sobre todo o orçamento
de 2019 do Ministério da Educação, que é de R$ 149 bilhões e engloba despesas
para custear todos os níveis educacionais, da educação básica ao ensino
superior.
Desse
total, em torno de R$ 2 bilhões afetam instituições federais de ensino
superior. O restante do bloqueio, de R$ 5,4 bilhões, atingiu outras áreas que
ainda não foram especificadas pelo MEC.
Abraham
Weintraub foi convocado para detalhar esse contingenciamento, na tarde desta
quarta (15) no plenário da Câmara dos Deputados. Lá ele deve ser questionado
pelos parlamentares sobre quais programas irão perder dinheiro e se a educação
básica, apontada como área prioritária por Bolsonaro, será afetada.
Mas,
afinal, do que foi dito até agora pelo governo, o que ainda é
"ameaça" e o que já virou realidade?
Corte
de recursos das universidades federais
As
reações mais fortes aos cortes no orçamento têm partido das universidades
federais.
Toda
a polêmica teve início quando o ministro da Educação, Abraham Weintraub,
anunciou que cortaria 30% dos orçamentos da Universidade de Brasília (UnB), da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal Fluminense (UFF)
porque elas estariam promovendo "balbúrdia" nos seus campus e não
teriam apresentado os resultados acadêmicos esperados.
Mas
essas três universidades estão entre as 50 melhores da América Latina, segundo
rankings internacionais, e melhoraram suas notas em 2018, na comparação com
2017.
Dias
após o anúncio do ministro, o secretário de Educação Superior, Arnaldo Barbosa
de Lima Junior, informou que o ministério estendeu o corte a todas as
universidades federais. "Será 30% de forma isonômica para todas as
universidades", disse.
Para
aumentar a confusão, Weintraub depois disse que não se tratava de corte, mas
sim de um contingenciamento (congelamento) de 3,5% do orçamento total de todas
as universidades. Segundo ele, o congelamento era necessário diante da situação
econômica do país e o dinheiro voltará a ser liberado após setembro deste ano.
Afinal
de contas o contingenciamento ocorreu? E de quanto foi o bloqueio?
'A gente está pedindo para segurar, contingenciar, postergar (esses gastos) até setembro', disse o ministro da Educação, Abraham Weintraub, em vídeo postado nas redes sociais
30%
x 3,5%
Sim,
o contingenciamento já foi feito e totalizou cerca de R$ 2 bilhões para
instituições federais de ensino superior. A confusão sobre o percentual ocorreu
porque os 30% de corte não se referiam ao orçamento total das universidades,
mas às chamadas despesas discricionárias - as não obrigatórias.
As
despesas obrigatórias não podem sofrer cortes, porque dizem respeito a
compromissos garantidos por lei, como pagamento de salários de servidores,
previdência, assistência social e seguro desemprego.
Já
as despesas discricionárias, que podem ser bloqueadas, englobam investimentos
(construção de salas, laboratórios, renovação, bolsas para pesquisas, custeio
de projetos científicos, por exemplo), contratação de serviços, além de
pagamentos de terceirizados, luz e energia.
Ou
seja, o governo deu a entender, num primeiro momento, que os 30% de corte
seriam sobre o Orçamento total, mas o MEC não tem autonomia para cortar
despesas obrigatórias, como as destinadas a pagar salários de professores.
Portanto,
na realidade, as universidades perderam 30% dos R$ 6,9 bilhões pevistos para
despesas discricionárias - o que equivale a cerca de 3,5% sobre o Orçamento
total do MEC para instituições federais de ensino superior, que é de R$ 49,6
bilhões.
"A
gente está pedindo para segurar, contingenciar, postergar (esses gastos) até
setembro", disse o ministro da Educação.
Com
a redução dos recursos, as universidades passaram a anunciar cortes em
auxílios-moradia, alimentação e em pesquisas de campo; algumas disseram estar
sem dinheiro para pagar contas de água, energia elétrica ou de fornecedores,
como os de limpeza e segurança. Também disseram não saber se poderão funcionar
plenamente no segundo semestre de 2019.
A
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, afirmou que já
opera em deficit de R$ 170 milhões por conta de cortes prévios e que "a
não reversão da medida (cortes) trará graves consequências para o desempenho
das atividades da universidade, comprometendo a rotina de atividades acadêmicas
antes do segundo semestre".
Cortes
de bolsas de pós-graduação
Outra
medida que já saiu do plano do discurso para a prática é a suspensão de novas
bolsas de mestrado e doutorado pela Coordenação de Pessoal de Nível Superior
(Capes), uma das principais entidades de fomento a pesquisas em nível de
pós-graduação no Brasil.
Instituição
ligada ao Ministério da Educação (MEC), a Capes perdeu R$ 819 milhões do total
de R$ 4,1 bilhões de verba não obrigatória, e anunciou que congelaria bolsas
"ociosas"- ou seja, bolsas que ainda não foram liberadas para alunos
que passaram nos editais de pesquisa científica.
A
medida está no bojo do corte de 30% sobre despesas discricionárias de
instituições federais de ensino superior. De acordo com a Capes, 3.474 bolsas
foram retidas.
O
órgão tem atualmente 92 mil bolsas ativas de pós-graduação, nos valores de R$
1.500 para mestrado e R$ 2.200 para doutorado. Segundo a Capes, estudantes que
já estão recebendo as bolsas e trabalhando nos seus projetos de pesquisa não
serão afetados.
'Os projetos de bolsistas alimentam projetos de professores, alimentam grandes projetos de pesquisa. Mexer com a pós é mexer com o sistema todo', diz Abílio Baeta Neves, ex-presidente da Capes
O
Brasil está entre os 15 países com maior número de estudos científicos no
mundo, e 95% da pesquisa é realizada em universidades públicas.
Há
temor de que os cortes possam inviabilizar essa produção, já que bolsistas de
pós-graduação são tidos como motores da pesquisa científica nas universidades,
com forte impacto em todas as áreas.
"Esses
cortes que atingem o pior orçamento da década para esses setores consolidam um
projeto de governo que fere de morte o ensino superior, a pós-graduação e a
ciência nacional, enterrando qualquer possibilidade de retomada do
desenvolvimento brasileiro e de futuro", disse em nota a Associação
Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
Menos
investimentos em ciências humanas
Outra
fonte de polêmica é a intenção do governo Bolsonaro de reduzir verbas
especificamente nas áreas de ciências sociais e humanas. Neste caso,
diferentemente do bloqueio de 30% do orçamento discricionário das universidades
e instituições federais de pesquisa, o anúncio continua no plano da
"ameaça"- ainda não foi efetivado.
No
dia 26 de abril, o presidente Jair Bolsonaro anunciou pelo Twitter que o
ministro da Educação "estuda descentralizar investimentos em faculdades de
filosofia e sociologia (humanas)", com o objetivo de "focar em áreas
que gerem retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e
medicina".
Não
está claro, porém, como seria feito o corte específico nas áreas de humanidades
e ciências sociais, já que a Constituição Federal garante autonomia às
universidades para gerenciar os recursos repassados pelo governo federal e
distribuí-los aos respectivos departamentos.
Segundo
o professor Paulo Calmon, diretor do Departamento de Ciência Política da
Universidade de Brasília (UnB), os repasses do governo federal para cada
universidade atualmente seguem critérios objetivos que levam em conta, por
exemplo, a relação professor/aluno, o tamanho do campus, número de cursos
oferecidos, custo de vida do local e o oferecimento ou não de mestrados e
doutorados.
"Por
exemplo, uma universidade pode estar desenvolvendo um programa de pesquisa
relacionada a dengue e Zika, que leve à construção de um novo laboratório e que
receba recursos extras por complementar uma política pública do governo de
combate a epidemias. Ou um programa do governo na área de agricultura pode
justificar repasses em pesquisas nessa área", exemplifica.
Há
ainda recursos orçamentários extras para projetos específicos das universidades
que possam ser vinculados a determinadas políticas públicas.
É
possível, diz o professor, que esses recursos extras acabem sendo direcionados,
no governo Bolsonaro, para projetos de departamentos de medicina e exatas.
Procurado
pela BBC News Brasil, o MEC se limitou a dizer que "os recursos destinados
a quaisquer áreas do conhecimento serão estudados de forma a priorizar aquelas
que, no momento, melhor atendem às demandas da população".
Números
levantados pela BBC News Brasil junto ao Inep mostram que os cursos de ciências
sociais e humanas são os que mais concentram diversidade racial tanto em
universidades públicas quanto privadas.
Ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi convocado para detalhar cortes no Orçamento,
em sessão da Comissão de Educação da Câmara
Citados
especificamente pelo presidente Jair Bolsonaro como áreas que devem perder
investimentos, os cursos de sociologia e filosofia têm 1 negro para cada 3 e 4
brancos respectivamente.
Já
cursos de medicina e veterinária, mencionados pelo presidente como áreas que
devem receber recursos por trazerem "retornos imediatos à sociedade",
têm uma proporção de um negro para cada 16 brancos.
Para
a diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford,
Andreza de Souza Santos, o eventual corte de investimentos em cursos de
ciências sociais e humanas traria como efeito de curto prazo um
"embranquecimento" das universidades federais. (BBC)
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