Às vésperas do anúncio oficial do Produto Interno Bruto (PIB), em 30 de
maio, o Brasil enfrenta onda de revisões, feitas por instituições financeiras,
que têm rebaixado a estimativa para o crescimento da economia do país em 2019.
O PIB é, segundo economistas, uma importante medida que indica o quanto
a economia pode estar acelerando ou se contraindo com base na soma de todos os
bens e serviços produzidos num país.
A origem desse indicador remonta a década de 1930, quando o economista
Simon Kuznets, em busca de saídas para a Grande Depressão nos EUA, acabou
criando uma forma de medir a economia contabilizando tudo que é produzido em
determinado país.
A forma de calculá-lo, contudo, tem variado e a conta final depende do
que se coloca na equação. Muitos países, entre eles todos os 27 membros da
União Europeia, passaram a incluir atividades ilícitas como tráfico de drogas e
contrabando no cálculo do PIB o que, na prática, ajuda a economia a parecer
maior.
É uma decisão considerada controversa por muitos economistas porque
atividades ilícitas são difíceis de mensurar e representam gastos adicionais
por parte do Estado com, por exemplo, segurança e saúde. Por outro lado,
contabilizar atividades ilegais é capaz de turbinar um dos principais
indicadores econômicos do mundo.
Em 2014, países como a Itália, Reino Unido e Espanha anunciaram que
iriam passar a contabilizar tráfico de drogas, prostituição, contrabando de
cigarros e bebidas. A decisão atendia a uma exigência da União Europeia para
que todos os países do bloco incluíssem atividades ilícitas no cálculo do PIB.
"Este não é apenas um requisito europeu, mas internacional – tem
sido coberto pela metodologia desde a edição de 1993 do Sistema de Contas
Nacionais da ONU [Organização das Nações Unidas]", informou à BBC News
Brasil o Eurostat, o Gabinete de Estatísticas da União Europeia, por meio da
assessoria de imprensa.
À época, segundo a imprensa britânica, o Reino Unido avaliou que a ação
de prostitutas e traficantes iria incrementar em 9,7 bilhões de libras (o
equivalente a R$ 497 bi em valores atuais) – ou em 0,7% – o PIB de 2009, ano em
que o país tentava se recuperar de uma das piores crises econômicas da história
recente.
O efeito na Europa, como um todo, parece ter sido mais modesto. Apesar de afirmar que não mantém estimativas regulares da quantidade das atividades ilegais, o Gabinete de Estatísticas da UE diz que a projeção feita em 2014 foi de aumento que corresponde a 0,38% do PIB do bloco.
De acordo com o Eurostat, além da inclusão das atividades ilícitas,
outras mudanças na forma do cálculo feitas em 2014 resultaram num aumento total
de em 3,67% no PIB da União Europeia.
E no caso do Brasil? - As previsões para 2019 não são muito otimistas para o Brasil. O mercado
financeiro vem reduzindo as expectativas de crescimento da economia neste ano.
Divulgado no dia 20 de maio pelo Banco Central, o boletim de mercado, conhecido
como relatório Focus, mostra uma redução na estimativa de crescimento deste ano
de 1,45% para 1,24%, com base em levantamento feito junto a 100 instituições
financeiras. No começo do ano, a expectativa era de um crescimento de mais de
2,5% no ano.
O indicador que representa uma prévia do PIB (IBC-Br) aponta uma
retração de 0,68% no primeiro trimestre do ano. Nesse cenário, a inclusão do tráfico de drogas, jogos de azar e
contrabando de bebidas e cigarros poderia, em tese, inflar o PIB. Economistas
apontam, contudo, que a medida é controversa e que o ideal seria ter um cálculo
separado para as atividades ilícitas.
"Grande parte dos países que adotarem essa medida terão como
resultado um grande aumento do PIB, inclusive o Brasil", afirma a
economista Marcelle Chauvet, professora da Universidade da California Riverside
e especialista em ciclos econômicos, que defende mensurar e divulgar o PIB com
e sem as atividades ilegais.
"É importante haver um esforço orquestrado para contabilizar
atividades ilegais. Essas atividades chegam a um percentual muito grande na
economia de alguns países", diz Chauvet. "Isso permitirá uma
comparação histórica da evolução da economia de cada país, como também
comparação entre países que adotam ou não a inclusão de atividades
ilegais", completa.
O economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Victor Gomes
também acha "interessante" dimensionar esses mercados clandestinos,
mas afirma que a inclusão no cálculo do PIB é uma questão complicada.
"Ter uma noção de qual é a produção, mesmo de coisas que a gente
não goste ou não concorde, é sempre bom. Serviria inclusive como auxílio para
várias políticas", justifica.
Quem calcula o PIB oficialmente no Brasil é o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), que diz estar se esforçando para, além de
encontrar um cálculo cada vez mais preciso, manter a comparabilidade
internacional.
À BBC News Brasil, o IBGE informou que acompanha as discussões
internacionais sobre contabilizar atividades ilegais ao medir o tamanho da
economia. "Mas, por enquanto, não há projetos de incorporarmos essas
atividades no cálculo do PIB", disse o órgão, por meio da assessoria de
imprensa.
No Ministério da Economia, a atual forma de contabilizar o PIB parece
agradar integrantes da pasta.
O secretário de política econômica do Ministério da Economia, Adolfo
Sachsida, diz que o PIB é importante para verificar se as políticas estão
funcionando e afirma que, da forma como é calculado hoje, "está
valendo".
"No plano teórico, eu entendo que o PIB é a soma de todos os bens e
serviços produzidos em uma economia em um período de um ano. Essa é a definição
básica. Por essa definição, devia entrar tudo no cálculo. Mas não tenho ideia,
não vejo vantagem", afirmou Sachsida.
"No fundo, para que precisamos do PIB? O PIB é uma medida pra
verificar se as políticas estão funcionando, se o país está caminhando na
direção correta. É isso que precisamos, de um indicador. Eu não tenho esse
preciosismo que alguns têm, não. Pra mim, do jeito que está, está
valendo", disse Sachsida, ao ser questionado pela BBC News Brasil sobre o
tema.
O PIB mede todas as riquezas produzidas em uma economia
Como se calcula o PIB? - A professora Marcelle Chauvet explica que há três maneiras de se medir o
PIB: pelo lado da oferta de bens e serviços; pelo lado da demanda (consumo,
investimento, gastos do governo, exportações líquidas); ou pelo total de renda
gerada durante o processo de produção de bens e serviços.
No Brasil, medem-se apenas os bens e serviços finais para evitar dupla
contagem. A medida considera, portanto, o preço que bens e serviços chegam ao
consumidor. Dessa forma, o IBGE também leva em consideração impostos sobre os
produtos comercializados.
Isso significa que, por exemplo, se o país produz R$ 100 de trigo, R$
200 de farinha de trigo e R$ 300 de pão francês, entra na conta do PIB apenas
R$ 300, pois o valor da farinha e do trigo já estão embutidos no valor do pão.
O PIB do Brasil em 2018, por exemplo, foi de R$ 6,8 trilhões. No último
trimestre divulgado (4º trimestre de 2018) o valor foi de R$ 1.779,7 bilhões,
segundo o IBGE.
Para o cálculo do PIB brasileiro, são analisados diversos dados, alguns
produzidos pelo IBGE e outros de fontes externas.
O próprio IBGE classifica a conta como um "quebra-cabeças"
cujas peças são dados extraídos, por exemplo, da pesquisa do orçamento familiar,
do índice de preços ao produtor amplo (IPA), além de pesquisas do comércio, de
serviços e industrial.
O IBGE explicou que inclusões no cálculo do PIB, incluindo atividades
ilícitas, "dependem do peso daquelas variáveis sobre a economia de cada
país e, também, da existência de informações que permitam a sua contabilização,
ainda que de forma indireta".
Como contabilizar atividades ilegais - A professora Marcelle Chauvet explica que, no caso da União Europeia, a
ideia foi incluir produção, distribuição, posse e consumo ilegal de bens e
serviços no cálculo do PIB.
"A justificativa é que essas atividades fazem parte do processo
produtivo independentemente se são consideradas legais ou não. A legalidade ou
ilegalidade de algumas dessas atividades varia entres os países membros da
EU", observa, lembrado que um comitê foi criado para copilar e mensurar as
atividades ilegais do bloco com uso de modelos macroeconômicos e métodos
estatísticos.
Segundo o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB)
Victor Gomes, um dos fatores que dificultam a inclusão de atividades ilegais é
justamente calcular esse mercado sob a ótica da produção. "Para captar,
teria que estar pagando imposto", explica.
"Então você vai olhar pela ótica do consumo. Ou seja, as pessoas
precisam relatar que estão consumindo tanto daquele produto. Poderia, por
exemplo, constar uma pergunta na pesquisa de orçamento familiar", disse.
"Pela ótica da renda, teria que ver pela PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios). A pessoa deveria espontaneamente dizer que está
ganhando dinheiro com a venda de drogas. Teria que ter pelo menos essas duas
óticas para mensurar corretamente", avalia o professor Victor.
Em muitos países a prostituição é considerada ilegal; no Brasil, é uma ocupação
profissional reconhecida pelo Ministério do Trabalho
Por isso, dizem economistas, é difícil até mesmo estimar em quanto a
economia do Brasil poderia crescer se essas atividades passassem a ser
contabilizados no PIB.
Ainda que baseadas em dados oficiais e em estimativas indiretas como,
por exemplo, apreensões de drogas em território nacional, a avaliação é de que
seria difícil precisar venda, consumo e os entorpecentes produzidos em outros
países da América do Sul que apenas passam pelo Brasil para, em seguida, serem
exportados.
Especialista em Segurança Pública, o economista e professor do Instituto
de Relações Internacionais da USP Leandro Piquet diz que medir o tamanho do
comércio de drogas ilícitas pode impactar inclusive o debate sobre a
legalização dessa atividade.
"Ter noção do tamanho da atividade relacionada ao mercado ilícito
de drogas é positivo porque também ajuda a sociedade a dimensionar o esforço
necessário para controlar essas atividades e eventualmente tomar uma decisão
sobre a legalização dessas atividades", disse.
Contabilizar essa atividade no PIB, contudo, pode não ser interessante,
segundo ele, porque, ao mesmo tempo, o Estado tem gastos para destruir essa
produção – diferente do que acontece com a comercialização de produtos lícitos.
"Quando soma o ilícito na renda nacional, como se fosse uma
atividade produtiva normal, você esquece que por trás disso o Estado tentando
destruir a produção. É uma contabilidade artificial da renda. É completamente
diferente de qualquer outra atividade lícita", afirmou Piquet.
As perdas para o Estado e para o país, segundo ele, podem ser divididas
em três grupos: os gastos com segurança para investigar e destruir a produção;
as despesas com saúde devido aos malefícios causados por essas drogas; e o
custo social do crime, que são as mortes prematuras e os anos de vida produtiva
perdidos.
Medida imperfeita - "O PIB não é uma medida perfeita nem mesmo das atividades legais, e
já inclui algumas atividades ilegais. Por exemplo, há omissão de dados e
valores por vários agentes para pagarem menos taxas e impostos, como também
dificuldade de obtenção de todos os dados de todos os setores e regiões da
economia - produção legal não contabilizada e produçao legal ocultada",
pondera a professora Marcelle Chauvet.
Ela observa ainda que, com as transações na internet, "deve haver
em alguns anos uma grande revolução como o PIB é calculado".
"Essas transações estão sendo armazenadas como big data. Elas serão
acessadas no futuro para contabilizar de forma muito mais acurada o PIB.
Obviamente que algumas atividade ilegais continuarão a usar dinheiro vivo, mas
muitos usam criptomoedas e essas também estão disponíveis como big data",
observa. (BBC)
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