Cruzamento de dados aponta 22 codinomes de supostos
intermediários de propinas que não foram revelados na colaboração;
identificação era exigência do acordo
Arquivos da transportadora de valores usada
pela Odebrecht para
executar pagamentos ilícitos a políticos e agentes públicos na cidade de São
Paulo indicam ao menos R$ 14 milhões em entregas de dinheiro vinculadas
a codinomes criados pela empreiteira que ainda não foram esclarecidos pelos
delatores mais de dois anos após o acordo de colaboração premiada celebrado com
o Ministério
Público Federal (MPF).
A reportagem do Estado confrontou
os dados da planilha e do registro de conversas de Skype entregues por um
ex-funcionário da Transnacional à Polícia Federal com
a programação semanal de pagamentos feita pelo Setor de Operações
Estruturadas da Odebrecht, o departamento de propina da
empreiteira. As entregas abarcam um período que vai de maio de 2013 a maio de
2015 e envolvem mais de R$ 200 milhões em repasses. O
dinheiro vivo era captado em comércio popular de São Paulo.
Nos arquivos da transportadora aparecem, por
exemplo, quatro pagamentos no valor total de R$ 2 milhões a uma pessoa chamada
Ademir Scarpin. As datas, valores e senhas coincidem com os pagamentos
vinculados ao codinome “Sócio 1” na planilha da Odebrecht, que, por sua vez,
está relacionado à obra Blumenau. Os supostos pagamentos teriam ocorrido entre
fevereiro e abril de 2014 em um prédio comercial na avenida Faria Lima, em
Pinheiros.
Naquele período, Scarpin era diretor financeiro da
Engeform, empreiteira sócia da Odebrecht em um consórcio de
saneamento em Blumenau (SC). O codinome “Sócio 1” não foi identificado pelos
ex-executivos da Odebrecht à época da delação e permanece misterioso. A
reportagem procurou Scarpin por telefone em sua empresa de consultoria, deixou
recado, mas não obteve retorno.
Ao todo, a reportagem identificou pagamentos
vinculados a 22 codinomes ainda obscuros, como “Avesso”, “Babaçu”, “Crente”,
“Dr. Silvana” e “Leleco”. O maior valor supostamente pago está atrelado ao
codinome “Príncipe”. Segundo a planilha da Transnacional, foram R$ 3,5 milhões
em entregas que teriam sido feitas a Marcelo Marques Casimiro, taxista de
confiança do publicitário André Augusto Vieira, acusado de ser operador do
ex-presidente da Petrobrás e
do Banco do Brasil Aldemir Bendine.
Casimiro já foi apontado como portador da propina
de R$ 3 milhões que resultou na condenação de Bendine a 11 anos de prisão por
corrupção e lavagem de dinheiro, em março de 2018. Neste caso, contudo, o
codinome de Bendine na planilha da Odebrecht era “Cobra”. Ele
nega as acusações. A reportagem questionou a empreiteira quem são as pessoas
relacionadas aos apelidos até agora não esclarecidos, mas não obteve resposta.
A lista inclui ainda dois codinomes vinculados
à Arena
Corinthians, construída pela Odebrecht para a Copa de 2014:
“Papai Noel” e “Azeitona”. No primeiro caso, o suposto pagamento, no valor de
R$ 500 mil, foi feito a uma pessoa chamada Erasmo em um apartamento nos
Jardins. Já o segundo teria sido para Epaminondas. Nos dois casos, as
identidades dos beneficiários finais do dinheiro nunca foram reveladas pelos
delatores ou divulgadas, já que o inquérito sobre o estádio corintiano sempre
estava sob sigilo.
Identificação é uma das obrigações impostas pela
PGR - A identificação dos codinomes é uma das obrigações
impostas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no acordo de delação
premiada fechado com 77 executivos da Odebrecht em dezembro de 2016. Na maioria
dos casos, o apelido identifica o verdadeiro beneficiário dos pagamentos de
propina e caixa 2, enquanto que os nomes que aparecem nos arquivos da
transportadora costumam ser os dos intermediários encarregados de pegar o
dinheiro para os políticos.
A reportagem indagou a PGR se ela sabe a quem se
referem os codinomes ainda não identificados, mas o órgão informou que não pode
se manifestar sobre o assunto porque os acordos de colaboração são sigilosos.
Sempre que os investigadores da força-tarefa da Lava Jato esbarram em apelidos
ainda desconhecidos em documentos da Odebrecht, como e-mails e planilhas, eles
acionam o executivo responsável pela informação, que é obrigado a esclarecer o
teor.
Os maiores valores não esclarecidos na delação
1. ‘Príncipe’
Valor: R$ 3.500.000
Local: R. Sampaio Viana,
180
Data: Março e
abril de 2015
2. ‘Social’
Valor: R$ 2.380.000
Local: Av. B. Faria
Lima, 3.989
Data: Fevereiro e
março de 2015
‘3. Sócio 1’
Valor: R$ 2.000.000
Local: Av. B. Faria Lima,
1.931
Data: Fev., março e
abril de 2014
4. ‘Fraco’
Valor: R$ 1.000.000
Local: R. L.
Paulistanos, 670
Data: Julho de
2014
5. ‘Babaçu’
Valor: R$ 670.000
Local: R. Jesuíno
Arruda, 806
Data: Outubro de
2014
6. ‘Bandeira’
Valor: R$ 600.000
Local: R. da
Quitanda, 937
Data: Outubro de
2014
7. ‘Papai Noel’
Valor: R$ 500.000
Local: R. Ouro
Branco, 150
Data: Fevereiro de
2014
8. ‘Crente’
Valor: R$ 500.000
Local: Av.
Paulista, 2.355
Data: Outubro
de 2014
9. ‘Parreira’
Valor: R$ 466.000
Local: R. Iguatemi,
150
Data: Setembro de
2014
(Fonte: Estadão)
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