Além de preservar as florestas que já existem, a melhor solução para
reduzir drasticamente o excesso de dióxido de carbono na atmosfera e conter o
aquecimento global é plantar árvores. Em todos os espaços possíveis do planeta
que não são ocupados nem por zonas urbanas, nem destinados a agropecuária.
Isso significaria plantar 1,2 trilhão de novas mudas, um número quatro
vezes maior do que a totalidade de árvores que vivem na floresta amazônica.
Calcula-se que existam no planeta hoje cerca de 3 trilhões de árvores.
O plantio massivo de árvores em locais subutilizados é o principal ponto
defendido por estudo que sai na edição desta sexta-feira (5/7) da revista
Science. "Seguramente podemos afirmar que o reflorestamento é a solução
mais poderosa se quisermos alcançar o limite de 1,5 grau [de aquecimento
global]", afirma à BBC News Brasil o cientista britânico e ecólogo Thomas
Crowther, professor do departamento de Ciências do Meio Ambiente do Instituto
Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, e um dos autores do trabalho
acadêmico.
O limite a que ele se refere é a preocupação central do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da
Organização das Nações Unidas, cujo relatório foi lançado ano passado: limitar
o aumento do aquecimento global em 1,5 grau Celsius até 2050.
Para conseguir tal meta, Crowther defende uma campanha global -
envolvendo governos, organizações e pessoas físicas. Afinal, o plantio deveria
ocorrer em todos os espaços relativamente ociosos, independentemente de quem
seja o dono do local. "São regiões degradadas em todo o mundo, onde
humanos removeram as florestas e hoje são áreas que não estão sendo usadas para
outros fins", comenta ele. "No entanto, não sabemos sobre a
propriedade da terra de todas essas regiões. Identificar como incentivar as
pessoas a restaurar esses ecossistemas é a chave para o reflorestamento
global."
Este é o primeiro estudo já realizado que demonstra quantas árvores
adicionais o planeta pode suportar, onde elas poderiam ser plantadas e quanto
de carbono elas conseguiriam absorver. Se todo esse reflorestamento for feito,
os níveis de carbono na atmosfera poderiam cair em 25% - ou seja, retornar a
padrões do início do século 20.
Desde o início da atividade industrial, a humanidade produziu um
excedente de carbono na atmosfera de 300 bilhões de toneladas de carbono. De
acordo com os pesquisadores, caso esse montante de árvores seja plantado,
quando atingirem a maturidade conseguirão absorver 205 bilhões de toneladas de
carbono. "Os 300 bilhões de toneladas extra de carbono na atmosfera
existentes hoje são devidos à atividade humana", diz o cientista. "O
reflorestamento reduziria dois terços disso. Contudo, há um total de 800
bilhões de toneladas carbono na atmosfera, 500 bilhões das quais
naturais."
80 mil fotos de satélite - Para realizar o estudo, o grupo de pesquisadores utilizou um conjunto de
dados global de observações de florestas e o software de mapeamento do Google
Earth Engine. Foram analisadas todas as coberturas de árvores em áreas
florestais da terra, de florestas equatoriais até a tundra do Ártico. No total,
80 mil fotografias de satélite de alta resolução passaram pelo crivo dos
cientistas. Com as imagens, a cobertura natural de cada ecossistema pôde ser
somada.
Por meio de inteligência artificial, dez variáveis de solo e clima
ajudaram a determinar o potencial de arborização de cada ecossistema,
considerando as condições ambientais atuais e priorizando áreas com atividade
humana mínima. Por fim, modelos climáticos que projetam as mudanças do planeta
até 2050 foram implementados no software, para que o resultado fosse o mais
próximo do real.
Atualmente existem 5,5 bilhões de hectares de floresta no planeta -
segundo a definição da ONU, ou seja, terras com pelo menos 10% de cobertura
arbórea e sem atividade humana. Isso significa 2,8 bilhões de hectares com
cobertura de dossel de árvores.
O estudo concluiu que há ainda um total de 1,8 bilhão de hectares de
terra no planeta em áreas com baixíssima atividade humana que poderiam ser
transformadas em florestas. Nesse espaço, poderiam ser plantadas 1,2 trilhão de
mudas. "À medida que essas árvores amadurecem e aumentam, o número de
espécimes cai. Quando chegamos às florestas maduras, as árvores realmente
enormes armazenam maior quantidade de carbono e suportam grande quantidade de
biodiversidade", completa Crowther. Isso renderia 900 milhões de hectares
de copas de árvores a mais - uma área do tamanho dos Estados Unidos.
Desmatamento da Amazônia no Peru
As medidas são urgentes. "Todos nós sabíamos que a restauração de
florestas poderia contribuiu para o clima, mas não tínhamos ainda conhecimento
científico para mensurar o impacto disso. Nosso estudo mostra claramente que o
reflorestamento é a melhor solução, com provas concretas que justificam o
investimento", afirma o britânico. "Se agirmos agora. Pois serão
necessárias décadas para que novas florestas amadureçam e alcancem seu
potencial. Ao mesmo tempo, é vital que protejamos as florestas que existem hoje
e busquemos outras soluções climáticas a fim de reduzir as perigosas alterações
climáticas."
"Nosso estudo fornece uma referência para um plano de ação global,
mostrando onde novas florestas podem ser restauradas. A ação é urgente. Os
governos devem incorporar agora isso em suas estratégias para combater as
alterações climáticas", adverte o geógrafo e ecólogo Jean-François Bastin.
A pedido da reportagem, Bastin estimou quanto tempo seria necessário
para que esse reflorestamento maciço começasse a implicar no freio ao
aquecimento global: 18 anos. "Então, isso de fato ajudaria a retardar o
problema, mas o mesmo tempo precisamos mudar consideravelmente nosso jeito de
viver no planeta a fim de conseguir neutralizar nossas emissões de
carbono", acrescenta ele.
Segundo os pesquisadores, mais da metade do potencial terrestre de
reflorestamento está concentrada em seis países, nesta ordem: Rússia, com 151
milhões de hectares disponíveis; Estados Unidos (103 milhões); Canadá (78
milhões); Austrália (58 milhões), Brasil (50 milhões) e China (40 milhões).
O trabalho também mostrou o impacto que as mudanças climáticas devem ter
na configuração das florestas existentes. Com o aquecimento global, é provável
que haja um aumento na área de florestas boreais em regiões como a Sibéria.
Contudo, a média de cobertura de árvores nesse tipo de ecossistema é de apenas
30% a 40%. No caso de florestas tropicais, que normalmente têm de 90% a 100% de
cobertura de árvores, as alterações climáticas têm trazido efeitos
devastadores.
Repercussão - O estudo foi bem-recebido por especialistas ambientais que tiveram
acesso prévio ao material. "Finalmente, uma avaliação precisa do quanto de
terra podemos e devemos cobrir com árvores, sem interferir na produção de
alimentos ou espaços de habitação humana", pontua a diplomata Christiana
Figueres, ex-secretária executiva da Convenção do Clima da ONU. "É um
modelo para governos e para o setor privado."
"Agora temos evidências definitivas da áreas de terra potencial
para o reflorestamento, onde elas poderiam existir e quanto carbono poderiam
armazenar", avalia o engenheiro civil René Castro, especialista em
desenvolvimento sustentável e diretor-geral do Departamento de Clima,
Biodiversidade, Terra e Água da FAO, a Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação.
"As florestas são um dos nossos maiores aliados no combate às
mudanças climáticas, com resultados mensuráveis. O desmatamento não apenas
contribui para uma perda alarmante da biodiversidade, mas limita nossa
capacidade de armazenar carbono", completa ele.
No caso das florestas tropicais, como a Amazônia, que têm de 90% a 100% de cobertura de árvores, as alterações climáticas têm trazido efeitos devastadores
O ambientalista Will Baldwin-Cantello, conselheiro-chefe para florestas
da organização WWF (World Wide Fund for Nature), enfatiza o papel das florestas
"contra a mudança climática". "Sem elas, perderemos a luta para
manter o aquecimento global abaixo de 1,5 grau", diz. "Por isso é
crucial atuarmos para restaurar as florestas enquanto reduzimos drasticamente
as emissões globais de carbono."
Para ele, "o desafio é entender como podemos acelerar essa
implementação", que requer "níveis sem precedentes de cooperação em
níveis global e local".
"Só falta vontade política de lutar pelo nosso mundo",
conclui.
Plante você mesmo - Crowther enfatiza que todos podem contribuir para esse processo.
"Embora ações de governos sejam essenciais para aproveitar ao máximo a
oportunidade, estamos diante de uma solução climática na qual todos podemos nos
envolver e causar um impacto tangível", defende. "Você pode cultivar
árvores, doar para organizações de reflorestamento ou ao menos investir seu
dinheiro com responsabilidade em empresas que tomam medidas quanto à mudança
climática."
No site
Crowther Lab, há uma ferramenta que permite que o usuário olhe para
qualquer ponto da Terra e identifique áreas passíveis de reflorestamento.
"Defendemos que qualquer um pode se envolver. Mas, para fazer isso
de maneira correta, é preciso entender as condições do solo e os tipos de
árvores que podem existir em cada região", comenta o cientista. "Por
isso, desenvolvemos uma ferramenta de mapeamento, disponível em nosso site,
onde qualquer pessoa pode ampliar sua área e se informar sobre que tipos de
árvores plantar e quanto carbono elas podem capturar. Tais informações
ecológicas são fundamentais. Vamos fazer o reflorestamento global de forma eficaz."
O Crowther Lab também traz listas de organizações comprometidas com o
reflorestamento e apoia a criação de uma coalização global para tornar os
esforços mais eficientes. (BBC)
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