Após mais de quatro meses de análise da Reforma da Previdência, a Câmara
dos Deputados deve iniciar nesta terça-feira em plenário o processo de votação
da proposta.
Como se trata se uma tentativa de alteração da Constituição (PEC), o
texto precisa ser aprovado em dois turnos, processo que pode se estender até
sábado, segundo o líder do PSL na Câmara dos Deputados, Delegado Waldir
(PSL-GO).
Caso a reforma ganhe o aval da Câmara, será uma importante vitória do
governo de Jair Bolsonaro, mas ele ainda não entra em vigor - faltará ainda a
apreciação no Senado.
Entenda abaixo em dez pontos por que o governo quer que o brasileiro se
aposente mais tarde, o que pode mudar na sua vida, e quais as próximas etapas
de andamento da proposta.
1) Por que o governo quer fazer a reforma?
O governo considera fundamental fazer a Reforma da Previdência para
equilibrar as contas públicas e liberar recursos que hoje vão para a
aposentadoria para investimentos em outras áreas, como educação, saúde e
segurança pública.
Desde 2014, o governo federal apresenta deficits bilionários nas suas
contas, refletindo o crescimento das despesas em ritmo mais acelerados que a
expansão das receitas. No ano passado, por exemplo, o rombo foi de R$ 120
bilhões.
Esse aumento das despesas tem sido puxado, em especial, pelos gastos com
Previdência. O rombo da União com aposentadorias e pensões de servidores civis,
militares e setor privado (INSS) tem crescido rapidamente nos últimos anos e
somou R$ 266 bilhões no ano passado, segundo o ministério da Economia.
O aumento reflete o envelhecimento da população, já que a expectativa de
vida do brasileiro aumentou nas últimas décadas, ao mesmo tempo que a taxa da
natalidade (número de nascimentos a cada mil habitantes) está em queda. Por
causa disso, a proporção de brasileiros com mais de 65 anos passou de 5,6% no
ano 2000 para 8,4% em 2015, segundo o IBGE. No mesmo período, a proporção de
brasileiros com até 14 anos caiu de 30% para 22,3%.
Como o sistema de aposentadoria brasileiro é de repartição (os mais
jovens contribuem para pagar o benefício de quem já se aposentou), esse
envelhecimento da população está causando um desequilíbrio entre receitas e
despesas. Dessa forma, o governo quer mudar as regras de aposentadoria para que
o brasileiro se aposente mais tarde e receba benefícios menores.
2) Quanto o governo vai economizar?
A estimativa é que proposta aprovada na comissão gere ganhos de R$ 987,5
bilhão ao governo ao longo de uma década, entre corte de despesas com
aposentadorias e aumento de receitas com aumento das contribuições dos
trabalhadores e elevação de um imposto sobre lucro de bancos (CSLL), cuja
alíquota subiria de 15% para 20%.
3) Vai valer para todo mundo?
Não. Embora a Reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro
seja ampla e tenha impacto sobre a grande maioria dos brasileiros, algumas
categorias continuarão tendo regras diferenciadas, como professores, policiais
federais e agentes penitenciários.
Os integrantes das Forças Armadas também terão um sistema diferente, mas
ele está sendo tratado em um projeto de lei separado - ou seja, a aprovação
dessa PEC não muda nada para eles.
4) Com quantos anos alguém vai poder se aposentar?
Uma mudança importante que atingirá a maior parte da população é a
criação de idades mínimas para aposentadoria. Se a proposta for aprovada nos
termos estabelecidos pela comissão especial, a maioria dos trabalhadores do
Brasil, tanto na iniciativa privada como no serviço público federal, precisará
trabalhar até 62 anos, caso mulher, e até 65 anos, caso homem.
Por enquanto, no INSS, vigora um regime misto em que é possível se
aposentar por idade (a partir de 60 anos para mulheres e a partir de 65 anos
para homens) ou por tempo de contribuição (ao menos 15 anos).
Já no serviço público federal, hoje são exigidos 60 anos de idade e 35
anos de contribuição para homens e 55 anos de idade e 30 anos de contribuição
para mulheres.
Ou seja, caso a reforma seja aprovada, todos terão que se submeter à
regra da idade mínima, mudança que atinge principalmente pessoas de maior
renda, já que os mais pobres, em geral, não conseguem contribuir por períodos
longos e já se aposentam por idade.
Outra mudança, porém, afetará os homens de menor renda. A reforma prevê
que o tempo mínimo de contribuição exigido deles no INSS suba de 15 para 20
anos. A comissão especial rejeitou essa mudança para as mulheres porque elas,
em geral, têm ainda mais dificuldade de contribuir por um período longo devido
à interrupção da vida profissional para ter filhos e à sobrecarga de tarefas
domésticas.
A reforma prevê regras que devem reduzir o valor das aposentadorias dos civis
5) Qual a diferença para professores, policiais federais e militares?
Caso a reforma passe no Congresso, professoras poderão se aposentar com
57 anos e professores, com 60 - a regra será a mesma para rede pública e
privada. Hoje, não há idade mínima na rede privada, mas é exigido tempo mínimo
de contribuição. No setor público, a idade mínima nas regras atuais são 50 anos
(mulheres) e 55 (homens).
Já os policiais federais e os agentes penitenciários e socioeducativos
da União terão regras unificadas para ambos os sexos, com idade mínima de 55
anos e ao menos 30 anos de contribuição. Atualmente, é exigido apenas o tempo
de contribuição.
O governo tenta mudar o regime dos integrantes das Forças Armadas por
meio de um projeto de lei. Ele prevê que o tempo mínimo de serviço para
ingressar na reserva passará de 30 anos para 35 anos.
A proposta também preserva os benefícios de paridade e integralidade, no
que é apontado como um grande privilégio que está sendo mantido para a carreira
militar. As Forças Armadas justificam essa diferença dizendo que os militares
não se aposentam, mas passam para a reserva, podendo ser convocados. Na
prática, porém, um percentual mínimo volta a trabalhar após sair da ativa.
6) Como ficará o valor dos benefícios para os civis?
Enquanto mantém benefícios integrais aos militares, a reforma prevê
regras que devem reduzir o valor das aposentadorias dos civis.
A proposta é que o trabalhador do INSS que atingir o tempo mínimo de
contribuição (20 anos para homem e 15 anos para mulher) terá direito a apenas
60% da média dos seus salários como aposentadoria. A partir do 21º ano, a cada
ano extra de contribuição, a taxa subiria em dois pontos percentuais, de modo
que só será possível se aposentar com 100% da média da remuneração ao longo da
vida após 40 anos de contribuição. Vale destacar que esse valor fica sempre
limitado ao teto do INSS, atualmente em (R$ 5,8 mil)
Essa regra será a mesma para o servidor público contratado após 2013 e
que também está submetido ao teto do INSS. Os que entraram no serviço público
de 2004 a 2013 terão que trabalhar 40 anos para ter acesso a 100% da média dos
salários ao longo da vida (não mais a média dos 80% maiores), assim como os do
INSS. A diferença é que não estão submetidos ao teto de R$ 5,8 mil.
Já os servidores civis que ingressaram antes de 2003 continuarão tendo
direito à integralidade, mas terão que trabalhar até 62 anos (mulheres) ou 65
anos (homens) para poder se aposentar pelo último salário, em vez de 55
(mulheres) e 60 (homens) como é hoje.
7) Vai ter período de transição?
Para aqueles que estão mais perto de se aposentar, a reforma prevê
alguns sistemas de transição para trabalhadores da iniciativa privada e
servidores públicos, que poderão escolher a opção que lhes for mais favorável.
Um deles, por exemplo, oferece um esquema de pontos, que soma o tempo de
contribuição e a idade. Inicialmente, mulheres terão que somar 86 pontos e homens,
96. A transição prevê um aumento de 1 ponto a cada ano, chegando a 100 para
mulheres e 105 para os homens.
Há também previsão de sistemas de pedágio. Um deles prevê que os
trabalhadores e servidores que estiverem a mais de dois anos da aposentadoria
poderão se aposentar caso tenham ao menos 57 anos (mulheres) e 60 anos (homens)
de idade e cumpram um pedágio de 100% sobre o tempo restante para atingir o
tempo mínimo de contribuição. Dessa forma, se faltarem dois anos, os
trabalhadores terá que cumprir quatro.
Caso falte até dois anos para atingir o tempo mínimo de contribuição
exigido hoje, o trabalhador poderá se aposentar sem atingir a nova regra de
idade mínima cumprindo um pedágio de 50% sobre o tempo restante. Ou seja, para
quem faltar dois anos, terá que contribuir por três. Essa alternativa não está
disponível aos servidores.
8) Como ficam as contribuições?
No setor privado, a proposta é tornar as alíquotas um pouco mais
progressivas, cobrando menos de quem ganha menos e mais de quem ganha mais. Hoje
variam de 8% a 11% no INSS. Com a reforma, iriam de 7,5% a 14% (alíquota máxima
efetiva de 11,69%). A proposta reduz levemente a cobrança da maioria dos
trabalhadores que ganham até R$ 2 mil.
Já cobrança sobre os servidores vai aumentar, caso a reforma entre em
vigor. Atualmente, o funcionário público federal paga 11% sobre todo o salário,
caso tenha tomado posse antes de 2013. Quem ingressou no serviço público depois
de 2013 paga 11% até o teto do INSS, ou seja, não contribui sobre o valor que
supera R$ 5,8 mil.
Pelas novas regras, as alíquotas para os que ingressaram antes de 2013
serão proporcionais à remuneração, variando de 7,5% para o servidor que recebe
salário mínimo a 22% para quem recebe R$ 39 mil ou mais.
Como a cobrança é gradativa sobre o salário, porém, a alíquota máxima
efetiva ficaria em 16,78% - ou seja, o servidor com salário de 39 mil pagaria
R$ 6.544 ao mês em vez de R$ 4.290 como hoje.
No caso dos militares, o projeto de lei enviado ao Congresso prevê que a
alíquota subirá de 7,5% para 10,5%, independentemente da faixa salarial.
9) Para quem não vai mudar nada?
A proposta aprovada na comissão especial deixou de fora da reforma
servidores estaduais e municipais, o que joga para governadores e prefeitos o
ônus de articular nas assembleias estaduais e municipais a alteração dos
regimes de aposentadoria dos seus Estados e municípios.
A líder do governo no Congresso Nacional, deputada Joice Hasselmann,
reconheceu na segunda-feira ser improvável que isso seja incluído no plenário
da Câmara. "Eu acho que a chance não é grande", disse ao chegar para
uma reunião com Maia e líderes partidários na residência oficial da presidência
da Câmara.
Outra possibilidade é governadores tentarem mudar esse ponto no Senado,
para onde o texto segue caso seja aprovado pelos deputados.
Além disso, a comissão rejeitou proposta do governo para alterações da
aposentadoria rural. Dessa forma, continuarão em vigor as normas atuais que
permitem aposentadoria para mulheres aos 55 anos e para homens, aos 60, desde
que comprovados ao menos 15 anos de trabalho no campo.
Foi barrada ainda a tentativa de mudar o benefício de um salário mínimo
para idosos em situação de pobreza. O BPC (Benefício de Prestação Continuada)
continuará sendo concedido a pessoas com 65 anos ou mais que possuem renda de
até um quarto de salário mínimo.
O aumento das despesas do governo tem sido puxado pelos gastos com Previdência
10) Quantas etapas ainda faltam para que a reforma saia do papel?
Propostas de alteração da Constituição têm um trâmite mais demorado e
exigente que outras proposições legislativas. O texto entra em vigor apenas se
for aprovado de forma idêntica por Câmara e Senado.
Agora que a PEC chegou ao plenário da Câmara terá que ser aprovada em
dois turnos, por 308 dos 513 deputados, ou seja, três quintos da Casa. O
intervalo entre as duas votações é de cinco sessões (cinco dias úteis), mas
pode ser reduzido caso haja acordo.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou na segunda que isso será
avaliado após a primeira votação. "Segundo turno é uma outra discussão. Se
o resultado (no primeiro turno) for contundente, aí tem mais respaldo para
pensar numa quebra de interstício", ressaltou.
"É uma emenda polêmica, talvez seja importante haver algumas horas
de análise depois da sua aprovação no primeiro turno. Ela volta para a comissão
especial para redação final antes do Plenário no segundo turno, para dar mais
segurança jurídica e não ter ações no Supremo", disse ainda.
Caso o texto seja aprovado pelos deputados, seguirá para análise dos
senadores. No Senado, a proposta passa primeiro pela análise da Comissão de
Constituição e Justiça. Depois, será também apreciada no plenário, onde sua
aprovação depende de 49 votos, dos 81 senadores, em dois turnos.
Caso haja mudanças, a parte alterada terá que retornar à Câmara para
nova análise. Caso o Senado aprove parte do texto com teor idêntico ao aprovado
na primeira análise dos deputados, essa parte poderá entrar em vigor enquanto o
restante passar por nova votação na Câmara. (BBC)
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