sexta-feira, 23 de agosto de 2019

ARTIGOS: Cruz e Sousa e o preconceito literário (Eudes de Sousa*)


Sabemos que o objetivo da crítica conservadora é estabelecer um anexo definitivo entre o poeta Cruz e Sousa e a escola simbolista. Ou seja, muitos estudiosos da literatura ainda persistem, aqui e ali, uma crítica interpretativa sobre a poética de Cruz e Sousa e o Simbolismo, sem veicular a Verdade. A verdade real do sistema político literário preconceituoso que definia o lugar do poeta negro.

Parece-me lícito dizer que é desse lugar que se lança a voz do poeta Cruz e Sousa, porta voz de um transtorno do preconceito, condenado a ser exótico pela crítica conservadora, era obrigado a viver numa fuga, flamando de lá para cá, para garantir sua sobrevivência literária, enfim, fez do seu combate de sentido no espaço de seu poema, “Emparedado” em dizer o que quase ninguém queria ouvir: o poeta pergunta: “Qual é a cor da minha forma? Do meu sentir? 
Qual é a cor de dilacerações que me abalam? Qual a dos meus desejos e febres’”?

Veja que o poeta estar falando de uma experiência, que vem do preconceito. Por isso, Cruz e Sousa, era um poeta negro forçado pelo sistema político literário, a viver sempre numa fuga, sobrevivendo aos acontecimentos de toda a casta.

Ora, continuar apreender o poeta Cruz e Sousa em um simbolismo, é apreender sua liberdade e censurar uma poesia universal, como quis a crítica oficial há muito tempo. Isso é oportuno pensar, desde de José Veríssimo, não tem feito muito mais do que evidenciar, as precariedades de não saber garantir uma convivência do poeta, a partir da trágica imagem, de um homem negro nas suas constantes denúncias e protestos. Uma missão civilizatória da literatura, que a crítica soterra!

Ora, se analisarmos em termos de fenômeno poético, percebemos que o simbolismo em Cruz e Sousa é a razão dos paradoxos, às invenções do conhecimento de que falava o poeta francês Arthur Rimbaud. Ou pelos menos atentar para o que diz dele um poeta revolucionário como Mallarmé, “há simbolismo em Cruz e Sousa sim, mas antes de tudo há um poeta”.

Aqui, cabe ressaltar, é desse poeta que estamos falando, que separa o tempo do espaço, o som do sentido; a verdade da mentira, a luz da sombra. Veja nas entrelinhas de “Blogueis”. A partir da qual se pode divisar uma imagem do poeta negro do parâmetro simbólico. Ou seja, nos deixando ver em sua poesia, por alguns instantes a primazia da africanidade universal. Como Bastide disse que o mundo poético de Cruz e Sousa foi construído “só no cérebro”, um gesto “isento de qualquer influência”. Ou seja, de qualquer escola literária.

É por isso, que a poesia não admite preconceito e nem conceito. Com o respeito de todas as coisas absolutas, podemos afirmar apenas que ela é poesia. E isso é tudo. Ou talvez se possa dizer dela o que Santo Agostinho dizia do tempo, quando não me perguntam, eu sei o que é, quando tenho a responder, já não sei. E nada há de mais tolo e de mais prosaico do que uma tentativa de teses acadêmicas ou críticas literárias do que uma tentativa de definição da poesia.

Por dentro da constatação dessa análise do fazer poético, que funciona como denominador comum de todos os contrassensos, que nos levam para outro fato sob uma visão um tanto preconceituosa do ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo Athayde: É dele a firmação, que o poeta Cruz e Sousa, não teve o seu ingresso na academia por força da maioria dos brancos parnasianos.

Nesse sentido, mexe com uma tendenciosa vaidade intelectual preconceituosa: dos que lutam para nela ingressar; dos que vivem a proclamar que ora acadêmicos e sempre serão acadêmicos, mas na verdade é que, deve existir um equilíbrio entre arte, tempo e vida, cuja lição poucos a prenderam.

Mas o impulso metafórico vaidoso já hipotecou todos os preconceitos feitos ao poeta negro. Como se sabe, que através dos séculos, mudam-se os tempos, mudam-se os homens e seus pensamentos. Aí está a razão maior de uma continuada existência da poesia válida de Cruz e Sousa, com quase duzentos anos, sempre se mexendo pra todos lados, inquieta.

Portanto, aí está, a poesia de Cruz e Sousa. Ela pulsa em um lugar todo seu, onde possa apresentar negra e branca, neófita ou ortodoxo, burguês ou excluído, com o verde dela mesmo, porque ela é roça universal suficiente para alimentar homens, bichos e pássaros, e assim sendo, ela é um grão de areia livre da praia, isento do barulho do mar.

Na verdade, podemos citar outros exemplos, são poucas elucidativas, porque consideramos que o papel da poesia é arrastar-nos do racional para o emocional. Comumente, nós utilizamos a linguagem para transmitir ideias. A poesia parte da ideia para criar linguagem. A poesia é por isso, um artefato linguístico produtor de sensibilidade estética. É no território da linguagem que se se desvenda o inverso da poesia. Donde se conclui que poesia cria a linguagem, para nela, se instaurar como tal e não para ser definida por ela. Ela é uma lente que Cruz e Sousa, convoca para ler o real, mas ele é o real.

Nesse sentido, dou razão ao poeta Castro Alves, que, lembrando o escritor francês Villemain, concordou em que a poesia é uma coisa sem nome, que muitas vezes não tem feições distintas, é um capricho da alma e com ela a impossibilidade da análise é a vitória do gosto.

Afinal, que esse novo debate literário, possa servir para demarcar o espaço simbolista com a sensibilidade estética em que o poeta Cruz e Sousa se move.  Como no poema: O assinalado: “A terra é sempre a tua negra algema/ prende-te nela a extrema desventura”. No verso, a grandeza de Cruz e Sousa, cria uma nova moral, substituindo as negras algemas, para que o homem esteja completo na sua humanidade. Esta é a verdade poética direto do corpo com o real, do poeta Cruz e Sousa, um dos maiores poetas brasileiros.






Jornalista, Historiador e Crítico Literário.






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