
Um estudo realizado por
pesquisadores de Ribeirão Preto (SP) alerta para a circulação de superbactérias
fora do ambiente hospitalar e para o uso indiscriminado de antibióticos.
A pesquisa, disponível na edição de
setembro da revista científica americana Journal of Global Antimicrobial Resistance, encontrou
microrganismos da espécie Klebsiella
pneumoniae resistentes a três ou mais antibióticos em pessoas
com infecção urinária, mas que não estavam internadas.
O caso é considerado incomum, segundo o
professor de microbiologia da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), André
Pitondo da Silva, que coordena o trabalho há quatro anos com outros seis
pesquisadores. As amostras começaram a ser analisadas em 2015 em um projeto
financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e
o estudo foi concluído este ano.
"[No hospital] os pacientes estão
tomando antibióticos, muitas vezes para tratar a infecção ou como profilático,
porque às vezes é necessário. Isso acaba selecionando bactérias resistentes
dentro do ambiente hospitalar, ou seja, em pacientes que estão internados é
esperado que tenham mais bactérias resistentes, porque estão fazendo o tempo
todo uso de antibióticos. Já nesses pacientes da comunidade, que é o que a
gente publicou nesse artigo, não é esperado que se faça uso constante de
antibióticos", diz.
Segundo ele, embora não tenha sido possível ter acesso ao histórico médico
dessas pessoas, o uso excessivo de medicamentos pode estar associado à
ocorrência das superbactérias.
"Precisamos realmente tomar cuidado, ter
um controle mais rigoroso com o uso indiscriminado de antimicrobianos
justamente para que isso não aumente ou pelo menos que não haja uma seleção de
bactérias resistentes com o uso indiscriminado de antibióticos", afirma.
Além disso, o estudo coloca a necessidade de se
dar atenção às práticas adotadas pelos hospitais na liberação de pessoas
atendidas com quadro de infecção.
Segundo o pesquisador, a hipótese é de
que as bactérias foram contraídas quando essas pessoas se encontravam
hospitalizadas, mas permaneceram no organismo delas, em sua microbiota
intestinal, mesmo após a alta. Colonizados, esses microrganismos podem ficar
anos sem se manifestar até que o corpo tenha problemas como baixas
imunológicas.
As conclusões da pesquisa, no entanto,
não apontam para riscos de epidemias em função da circulação das
superbactérias, segundo Pitondo da Silva. “Essa bactéria é considerada um patógeno
oportunista. É uma bactéria que normalmente não causa doença às pessoas. Ela
pode, por exemplo, inclusive fazer parte da microbiota intestinal”, explica.
O microbiologista explica que o estudo integra um projeto mais amplo
com diferentes universidades que compara bactérias de circulação hospitalar de
diferentes regiões brasileiras e países do mundo.
Um conjunto de 48 amostras, no entanto, chamou atenção do professor
por justamente terem sido obtidas a partir de pessoas que não estavam
hospitalizadas na data dos exames, realizados entre março e maio de 2013 em um
grande laboratório de análises clínicas que atende pacientes da região de
Ribeirão Preto.
Pesquisa em Ribeirão Preto analisou amostras de pessoas com infecção urinária e encontrou bactérias resistentes a antibióticos — Foto: André Pitondo Silva/ Divulgação
Isoladas, as bactérias da espécie Klebsiella pneumoniae foram submetidas ao contato
com 38 antibióticos para verificar quais delas eram ou não inibidas pela ação
dos medicamentos. Além disso, o grupo estudou o sequenciamento genético desses
microrganismos.
Do total de amostras, 29 - o equivalente
a 60,4% delas - eram resistentes a três ou mais antibióticos. Além disso, ficou
evidente em 30 delas 73 genes de virulência, que ajudam as bactérias a driblar
o sistema imunológico humano.
De acordo com o pesquisador, essas bactérias se enquadram em um
conjunto mais amplo de microganismos mundialmente conhecidos por serem
resistentes, mutáveis e que se disseminam com frequência dentro dos hospitais.
"A maioria das bactérias que estão nesse complexo clonal tem
genes de resistência e se espalham facilmente dentro de hospitais. Por isso
ficamos surpresos com esses resultados, a gente não esperava tanta
resistência."
A melhor maneira de evitar a disseminação,
defende o professor, é evitando a automedicação e o excesso no uso de
antibióticos.
"O paciente consegue um antibiótico sem receita médica sem fazer o teste e
toma o medicamento errado ou no tempo errado. Aí pode ser que a bactéria seja
resistente e vai selecionar mais ainda bactérias resistentes. Isso afeta não
apenas as bactérias que estão causando doenças. Afeta nossa microbiota, porque
temos bactérias no nosso microrganismo que têm uma função importante principalmente
no intestino", exemplifica.
Os estudos, segundo Pitondo da Silva,
estão sendo ampliados para avaliar a presença de superbactérias nas infecções
odontológicas e no esgoto resultante dos hospitais. "A gente quer saber se
essas bactérias estão sendo eliminadas do hospital pelo esgoto e se existe a
possibilidade de elas caírem em águas que são tratadas e depois liberadas nos
rios." (G1)
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