
Ao defender a reforma
das regras de pensão e aposentadoria, o governo Bolsonaro bateu na tecla de que
toda a população daria sua cota de sacrifício para o ajuste das contas públicas
— aposentando mais tarde ou recebendo um valor menor, por exemplo.
Mas
a reforma dos militares, prestes a ser aprovada no Congresso, conseguiu
preservar benefícios que até oficiais da reserva e da ativa ouvidos pela
reportagem consideram privilégios injustificáveis.
É
o caso da pensão paga antecipadamente às famílias dos militares que são
expulsos das Forças Armadas por terem cometido crimes.
Hoje,
a família de um militar demitido após cometer um crime passa a receber, em
média, R$ 4.100 por mês depois da saída dele do quadro das Forças Armadas. Por
ano, ao menos 595 famílias ganham, em média, R$ 53 mil.
O
cálculo, feito pelo Ministério da Defesa a pedido da BBC News Brasil, considera
os casos de demissão ou licenciamento de militar condenados à pena restritiva
de liberdade individual superior a dois anos, conforme decisão do Superior
Tribunal Militar (STM).
Segundo a regra atual, a pensão antecipada tem
o mesmo valor do salário do militar. Com a chamada "morte ficta" (ou
morte presumida), os dependentes recebem o benefício integral como se o militar
tivesse morrido, independente da idade dele no momento do crime.
A reforma das pensões militares, enviada ao
Congresso em março, não acaba com esse benefício, mas prevê que, nos próximos
casos de expulsão, o valor dela passe a ser proporcional ao tempo de serviço.
Na
Marinha, 312 pessoas recebem hoje esse tipo de pensão e, na Aeronáutica, 270. O
Exército não informou o número total de pensionistas nessa categoria e disse
apenas que 13 pensões dessa categoria foram concedidas desde 2015.
É
exatamente no Exército, no entanto, que está a maior parte dos militares, com um
efetivo de 225,7 mil pessoas. Isso é cerca de três vezes o efetivo de cada uma
das outras duas forças: a Marinha tem 78,1 mil integrantes e a Aeronáutica,
68,1 mil.
Militares, que representam uma das principais bases de apoio ao presidente Jair Bolsonaro,
foram responsáveis pela elaboração da própria reforma previdenciária.
Aposentadoria
como 'punição'
Sob a condição de anonimato, militares da ativa
e da reserva reconheceram que não é fácil justificar a existência do benefício,
especialmente em um momento de aperto nos gastos do governo. A mesma avaliação
é feita, nos bastidores, por integrantes da equipe econômica do governo.
Embora
os integrantes das Forças Armadas rejeitem comparações com o sistema
previdenciário dos civis, nesse ponto é comum fazer a relação do benefício aos
militares expulsos com a aposentadoria compulsória como punição no Judiciário.
A
reforma da Previdência acabou com a possibilidade de aposentadoria compulsória
como punição para juízes e membros do Ministério Público. O relator da proposta
dos civis, Samuel Moreira (PSDB-SP), classificou a regra como
"esdrúxula". O texto foi promulgado em novembro.
No
caso da reforma dos militares, que ainda está em análise pelos parlamentares, o
relator da proposta na Câmara, deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), defendeu
o pagamento de pensão à família do militar expulso por crime.
"Cabe
esclarecer que não é o militar que tem direito à pensão, mas sim os
beneficiários previstos em lei. As situações devem ser avaliadas de forma
independente: o fato de o militar cometer algum crime e ser expulso das Forças
Armadas não implica desconsiderar o montante das contribuições já
realizadas", afirmou, em resposta encaminhada à reportagem por meio da
assessoria de imprensa.
O
Ministério da Defesa defende que essas pensões devem ser tratadas da mesma
forma que aquelas pagas após a morte de um militar. Por meio da assessoria de
imprensa, destacou também que esses benefícios não são pagos de forma
automática, mas após decisão do STM.
"A
instituição dessas pensões especiais cumpre decisão judicial. Então, não há
porque diferenciar a pensão por decisão judicial imposta pelo Superior Tribunal
Militar daquela instituída quando da morte do militar."
O
Regulamento Disciplinar do Exército, que é um decreto de 2002, prevê o
"licenciamento e exclusão a bem da disciplina". Isso pode acontecer
quando "houver condenação transitada em julgado por crime doloso, comum ou
militar", segundo o texto.
O que
mais pode mudar na Previdência dos militares
As novas regras podem virar lei ainda neste
ano. Depois de ter sido aprovado pela Câmara, o projeto depende do aval do
Senado, onde o relatório deve ser votado pela Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional na próxima terça-feira (3). A expectativa é que, logo em
seguida, o presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), coloque o
texto em votação no plenário do Senado. Se não houver mudanças, segue para
sanção de Bolsonaro.
Formatura dos oficiais combatentes do Exército da Academia Militar das Agulhas Negras; proposta com novas regras para aposentadoria dos militares depende agora do Senado.
A
proposta em tramitação prevê também que, para ir para a inatividade, o tempo
mínimo de serviço subirá dos atuais 30 anos para 35 anos, com pelo menos 25
anos de atividade militar, para homens e mulheres que ingressarem nas Forças
Armadas.
Eles
terão direito à integralidade (ou seja, remuneração igual ao último salário) e
paridade (reajuste igual ao aplicado para os servidores ativos) — benefícios
que já foram retirados dos servidores civis.
Outra
mudança é que as contribuições referentes às pensões subirão dos atuais 7,5% da
remuneração bruta para 9,5% em 2020 e 10,5% em 2021.
Por
outro lado, o mesmo texto reestrutura a carreira e prevê aumentos de
remuneração maiores para militares no topo da carreira do que para os de
patentes mais baixas.
Críticos
da proposta dizem que ela não reduz privilégios dos militares e reclamam desse
aumento de salários em um momento de corte de gastos. A justificativa das
Forças Armadas é que a categoria não recebe reajuste há anos, tendo ficado
muito atrás dos ganhos de outras carreiras federais, como juízes, procuradores
e auditores fiscais.
O
Ministério da Defesa foi responsável pela elaboração da proposta da própria reforma.
O
impacto nas contas públicas será de uma economia de R$ 10,45 bilhões ao longo
de uma década, segundo cálculos do governo. O valor é resultado da diferença
entre a previsão de aumento de gastos de R$ 86,65 bilhões em dez anos devido à
reestruturação e a redução de despesas em R$ 97,3 bilhões com inativos e
pensionistas.
A
reforma para os servidores civis e os trabalhadores vinculados ao INSS, que já
foi aprovada e promulgada, representará uma economia de cerca de R$ 800 bilhões
em uma década.
Para
o economista Pedro Nery, o projeto dos militares é "razoável" na
parte que trata da previdência dos militares, por elevar alíquotas e aumentar o
tempo de serviço exigido. Ele destaca, no entanto, que não foi o melhor momento
para tratar da reestruturação salarial.
"A
questão da reestruturação salarial (dos soldos) foi intempestiva e poderia quem
sabe ser feita em outro momento. Ainda que haja defasagem com outras carreiras,
o momento é ruim e o impacto é alto. Há pouco espaço fiscal e muita carência na
área social."
Em
relação à morte ficta, Nery diz que faz sentido manter um benefício assim,
visto que nos outros regimes de Previdência (dos servidores civis e dos
trabalhadores da iniciativa privada) há compensação entre regimes.
"Quem
sai de um pode se aposentar em outro", diz o economista. "No caso do
militar, como não há contribuição direta, não se fala em compensação. A morte
ficta tem a mesma lógica: poder levar para fora do 'regime' um proporcional de
acordo com seu tempo." (BBC)
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