O
que o número 80 significa para você? Provavelmente, ele não diz muita coisa
para a maioria das pessoas. Mas tem um significado importante ao menos para
dois novos partidos que pediram para usá-lo como um dos
seus símbolos.
"É
um número redondo, forte, que tem uma boa sonoridade e que representa o
infinito. Também tem um impacto visual. Já bolamos uma série de materiais com
ele para nossa divulgação", diz Rafael Freire, membro do diretório
nacional do Unidade Popular (UP), que teve o registro aprovado pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) na noite de terça-feira (10/12) e tornou-se o 33º
partido em atividade no país.
A decisão frustrou os planos do Partido
da Evolução Democrática (PED), que também havia solicitado ao TSE para usar o
80. Mas seu pedido de registro ainda não foi julgado, e a legenda que é
chancelada primeiro ganha o direito de usar um número disponível.
A
ligação com o símbolo do infinito também havia sido uma inspiração para o PED.
"Buscamos a democracia infinitamente", diz Gilson Lima, um dos
fundadores da sigla. "Além disso, é um número bom para a campanha, forte e
fácil de pronunciar."
Agora,
Lima afirma que será preciso reunir a direção do PED para escolher uma segunda
opção. "O número é importante, mas é um complemento. A única coisa que não
podemos perder é a ideologia partidária."
Disputas
Esta
não é a única situação em que dois partidos disputam um mesmo número. O
presidente Jair Bolsonaro se desfiliou do Partido Social Liberal (PSL) para
fundar sua própria legenda, a Aliança Pelo Brasil, e anunciou que o número 38
como o escolhido para seu novo partido. É o mesmo almejado pelo Partido Militar
Brasileiro, sigla que o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) tenta criar.
Os críticos de Bolsonaro apontaram que
a escolha estava relacionada ao "três-oitão", como é chamado
popularmente um dos revólveres mais usado no país. O presidente negou a
ligação.
"É lógico que ele nega a relação
com a arma. Ele tem todo o direito de fazer isso, assim como nós temos de achar
que a simbologia é essa mesma", diz o cientista político Antônio Lavareda.
Bolsonaro afirmou que a inspiração veio
do fato de ele ser o 38º presidente brasileiro e disse que o número seria fácil
de lembrar. De qualquer forma, a associação com o revólver que usa balas de
calibre 38 parece estar na cabeça dos seus apoiadores.
Uma escultura da logomarca do Aliança
feita com milhares de cartuchos de bala foi dada de presente a Bolsonaro no
evento de anúncio do partido. O presidente também já afirmou que, entre as
bandeiras da nova sigla, estará a defesa da posse de armas de fogo.
"É
um número emblemático para alguém que pregou a favor das armas em sua campanha
e continua a pregar depois de ser eleito. É um símbolo que expressa uma
dimensão ideológica, e não adianta Bolsonaro negar isso, porque a prática e a
história são os melhores critérios da verdade", diz o cientista político
Antônio Mazzeo, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Diante
do impasse, Capitão Augusto disse que, se não conseguir o 38, usará uma segunda
opção, o 64, uma homenagem ao ano do golpe que deu início à ditadura militar do
país, à qual o deputado se refere como uma revolução que salvou o país do
comunismo.
No entanto, nem sempre os partidos
puderam escolher seus próprios números, o que explica por que muitos têm hoje a
numeração que têm. Mas, afinal, isso importa na hora de conseguir votos?
Aprovado pelo TSE, novo partido de esquerda torna-se 33ª legenda em ativdade no país
Como
os partidos ganharam números
Os partidos políticos brasileiros
passaram a ser identificados por um número a partir da eleição de 1982, após o
restabelecimento do sistema pluripartidário. A lei determinava então que a
numeração seria escolhida por meio de sorteio.
Foi assim que os cinco partidos
existentes na época receberam seus respectivos números: 1 para o Partido
Democrático Social (PDS), 2 para o Partido Democrático Trabalhista (PDT), 3
para o Partido dos Trabalhadores, 4 para o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
e 5 para o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (o antigo PMDB, hoje
MDB).
Mas, para as eleições seguintes, em
1985, em meio à multiplicação das legendas, o TSE extinguiu a numeração de um
dígito e acrescentou o 1 à frente dos números dos partidos que já tinham os
seus próprios. Assim, o PDS passou a ser o 11, o PDT adotou o 12, o PT virou
13, o PTB passou a usar o 14 e o MDB ganhou o 15. E foram atribuídas a mais 25
legendas novas numerações, do 16 ao 40
A lista foi expandida ao longo dos
anos, com a maioria dos números sendo determinados por sorteio ou herdados de
outras siglas, como foi o caso do 17, que era originalmente usado pelo Partido
Democrata Cristão (PDC), que foi extinto. O número foi então adotado pelo
Partido Trabalhista Renovador Brasileiro (PRTB), que também já acabou. Desde
1996, é usado pelo PSL.
Atualmente, a legislação eleitoral
permite aos partidos escolher sua numeração, quando envia o pedido de registro
ao TSE. Els devem optar por números entre 10 e 90 que não estejam sendo usados
por outra legenda.
O
Partido Nacional Corinthiano (PNC), outro que está na fila de espera do TSE,
espera garantir para si o 88. A escolha se baseou no número da camisa do
jogador Sócrates, um dos ídolos da história do Corinthians, mas, como não é
possível usar um dígito único, resolveu-se dobrar o 8.
"O
Sócrates foi um dos símbolos da campanha pelas Diretas Já. Ele e outros
jogadores subiram no palanque do comício da Praça da Sé (em São Paulo) usando a
camisa oito. Resolvemos fazer uma homenagem e optamos pela dobradinha",
diz o advogado Marcelo Mourão, um dos idealizadores do PNC.
Antonio Lavareda diz que os números dos
partidos não tinham um grande peso em campanhas eleitorais até meados dos anos
1990. Isso mudou com a adoção da urna eletrônica, a partir de 1996.
"Antes disso, eles não tinham
muita função, ninguém sabia o número dos partidos. O que prevalecia era o nome
do candidato e a sigla, que eram muito fortes. Mas, com a urna, o número passa
a ser fundamental e entra com força no marketing das campanhas", diz o
cientista político.
Antonio Mazzeo recorda que a
ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy quando ainda era do PT, usou uma
borboleta entre os símbolos de sua campanha nos anos 1990. A borboleta é
representada pelo número 13 no jogo do bicho. "Foi uma apelo à memória
popular", diz Mazzeo.
A urna eletrônica foi um dos fatores
que levou o UP a escolher o número 80. "O 8 fica sobre 0 no teclado. Acho
que fica melhor para digitar", diz Freire.
No entanto, o cientista político David
Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), afirma que, em
um sistema político personalista como o brasileiro, o número do partido tem
pouco peso na hora em que o eleitor vai às urnas.
"É uma fantasia achar que o número
é importante, porque pouca gente conhece os números dos partidos. O que
prevalece é o voto nominal. Uma minoria até vota no partido, mas 95% das pessoas
votam em um nome, em uma pessoa", diz Fleischer.
Existem
números mais fáceis de lembrar?
Um dos motivos apresentados por
Bolsonaro para escolher o 38 é que seria na sua opinião um número fácil de
lembrar. Mas o que diz a ciência sobre isso?
A psicóloga holandesa Mariska
Milikowski-Bakker é especializada em cognição, como é chamada a aquisição de
conhecimento por meio de processos como percepção, atenção, raciocínio, juízo e
memória. Ela dedicou-se a estudar nossa capacidade de nos recordar de números e
concluiu que, sim, alguns têm vantagens sobre outros neste aspecto.
Em
sua pesquisa, ela pediu que 597 estudantes analisassem uma folha de papel com
números de 0 a 100 por um minuto e meio. Depois de um intervalo de uma hora, no
qual eles responderam a testes sobre outros assuntos, os participantes foram
divididos em dois grupos.
As
pessoas do primeiro grupo tiveram de escrever em um papel os números de que se
lembravam. O segundo identificou os números apresentados anteriormente em meio
a centenas de opções.
Apoiador de Bolsonaro o presenteou com uma escultura
da logomarca do seu partido feita com cartuchos de bala
Milikowski-Bakker identificou assim
quatro categorias de números que são mais facilmente lembrados. Em primeiro,
aqueles de um dígito: 83% foram corretamente apontados pelos participantes — o
que não é uma boa notícia para os partidos brasileiros, que não podem usá-los.
Em segundo, vêm aqueles entre 10 a 19,
dos quais 72% foram lembrados pelos estudantes. Em seguida, os números de
dígitos iguais, com um índice de 62%. E, por fim, aqueles que aparecem entre os
resultados da tabuada de multiplicação, com 45%.
Milikowski-Bakker afirma que os mais
lembrados são justamente aqueles com que lidamos mais frequentemente ao longo
da vida.
"Eles ficam mais pronunciados na
memória por que os encontramos em diferentes contextos. Nós os escolhemos como
nossos favoritos, os usamos para pensar em tamanhos, empregamos mais
frequentemente em cálculos mentais, estão entre os dias do mês", diz a
cientista.
De acordo com este estudo, a troca de
Bolsonaro do 17 pelo 38 não parece ser exatamente um bom negócio, porque o 17
está na segunda categoria de números mais fáceis de lembrar, enquanto o 38 é um
dos 44 números testados na pesquisa que não se enquadram em nenhum dos quatro
grupos de números mais lembrados e que foram identificados em apenas 36% das
vezes.
Mas nem tudo são más notícias para o
presidente. Daniel Schacter, professor do Departamento de Psicologia da
Universidade Harvard, nos Estados Unidos, estuda neurociência, cognição e
memória e afirma que, para que um número seja memorável, é importante que seja
associado a uma informação importante para a pessoa.
Ele cita um estudo no qual um estudante
conseguiu se recordar de uma sequência de 79 números, bem acima do limite médio
de sete dígitos entre a maioria das pessoas. Conseguiu fazer isso ao dar um
significado para eles.
"Este estudante fazia parte da
equipe de corrida e criou uma estratégia para lembrar deles ao codificá-los
como tempos de prova. Esse estudo mostrou que fazer associações é um
elemento-chave para nos lembrarmos de números", diz Schacter.
Ou seja, o importante é associar um
número a algo simbólico, seja isso o infinito, um animal do jogo do bicho, um
jogador de futebol, uma data histórica, a faixa presidencial ou um tipo de
arma. Ou mais de um desses elementos ao mesmo tempo.
(BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário