
No comunicado, o ministério das Relações
Exteriores "saúda o plano de paz e
prosperidade", afirmando que a proposta "constitui um
documento realista e ao mesmo tempo ambicioso".
"Trata-se de iniciativa valiosa que, com
a boa vontade de todos os envolvidos, permite vislumbrar a esperança de uma paz
sólida para israelenses e palestinos, árabes e judeus, e para toda a
região."
Apesar de o Itamaraty afirmar no
comunicado que o plano dos EUA "contempla aspirações tanto de
palestinos quanto de israelenses", os palestinos não participaram da
sua elaboração e dizem que a proposta não atende aos seus
interesses.
A Autoridade Nacional Palestina rechaça, por
exemplo, a criação de um estado territorialmente descontínuo e o
reconhecimento dos assentamentos judeus na Cisjordânia.
Integrantes da ala militar ouvidos
pela Folha defenderam, sob condição de anonimato, que o Brasil
deveria se manter distante de questões políticas do Oriente Médio.
Na avaliação deles, tomar partido dos EUA e
de Israel no tema pode trazer riscos desnecessários tanto para a relação
comercial com as nações árabes quanto para a segurança interna.
Os militares mal conseguiram ser ouvidos
por Bolsonaro antes da publicação do comunicado da chancelaria
e, para o encontro com o embaixador de Israel no
Brasil, Yossi Shelley, também nesta quarta, tampouco foram
convidados, assim como auxiliares da área econômica do governo.
A decisão de endossar a proposta de Trump foi
tomada uma hora depois da reunião, na qual o representante diplomático pregou o
apoio do Brasil ao plano.
Se faltaram membros da ala moderada, um dos
principais defensores do alinhamento aos EUA e a Israel, o chanceler Ernesto
Araújo, acompanhou a agenda.
Após a reunião, Shelley confirmou
ter apresentado a proposta a Bolsonaro. "Eu dei ao presidente indicações
sobre o plano de Trump e como Israel avalia o plano", disse o
embaixador à Folha.
"Todas as pessoas que querem a paz
defendem o plano, que é diferente dos anteriores."
Já o embaixador da Palestina no
Brasil, Ibrahim Alzeben, criticou a proposta e afirmou ter solicitado
uma audiência com o presidente brasileiro.
Na avaliação dele, o que
Trump oferece não traz paz para o Oriente Médio. "Não é um plano
de paz, mas de imposição da postura israelense. Ele foi apresentado a nós em
2011 e foi recusado pelo governo palestino, porque não atende às aspirações do
povo palestino", disse.
Na equipe econômica, a posição do
presidente foi avaliada como "inadequada" e
"desnecessária".
Eles lembraram que a promessa de campanha
de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel
de Tel Aviv para Jerusalém, o que
na prática significaria o reconhecimento de Jerusalém como capital de
Israel, gerou ameaças de boicote de países árabes a produtos brasileiros.
O governo então congelou a ideia e abriu
apenas um escritório comercial na cidade.
Tradicionalmente, o Brasil argumenta que o
status final de Jerusalém só deve ser definido após negociações de paz que
assegurem a coexistência dos dois estados, Israel e Palestina -posição da ONU e
seguida por grande parte da comunidade internacional.
A apreensão em torno da decisão de
Bolsonaro de endossar o plano de paz se estendeu a membros do governo que
lidam com exportações de produtos agrícolas a países árabes.
Um auxiliar pondera que o apoio é um gesto
muito menos radical do que a eventual transferência da embaixada, mas não deixa
de ser mais um passo no alinhamento do Brasil às posições de EUA e Israel, algo
percebido de forma negativa entre árabes.
No Itamaraty, muitos diplomatas receberam a
nota com preocupação. Segundo esses interlocutores, a publicação do
comunicado significa o abandono do posicionamento histórico do Brasil
em relação ao conflito entre Israel e Palestina.
Tradicionalmente o governo brasileiro
defendia que a solução do conflito deveria ter como base negociações diretas
entre palestinos e israelenses, o que não ocorreu neste caso.
Interlocutores apontaram ainda outros
aspectos que consideram problemáticos.
Eles afirmam que a manifestação do ministério
passou a impressão de que o Brasil apoiaria qualquer plano proposto
pelos EUA e avaliam que tanto Trump quanto Netanyahu
aproveitaram o anúncio do plano para responder a dinâmicas internas dos seus
respectivos países.
O americano passa por um julgamento de
impeachment no Senado americano e disputará em novembro a reeleição.
Já Netanyahu enfrenta acusações de corrupção
e, assim como o par americano, concorre a um novo pleito,
em março, o terceiro em Israel em menos de um ano.
PRINCIPAIS PONTOS DO PLANO DE PAZ
- Possibilitar a criação de um Estado
palestino com mais do dobro do tamanho do território atual, mas sem Exército e
Força Aérea e sob controle de Israel a oeste do rio Jordão
- Estabelecer Jerusalém como capital
"indivisível" de Israel, com a capital palestina ocupando partes do
leste da cidade, onde os EUA abririam uma embaixada
- Reconhecer os assentamentos israelenses na
Cisjordânia e o vale do rio Jordão como parte de Israel; nem palestinos nem
israelenses serão forçados a deixar suas casas
- Congelar futuras ocupações de território
palestino durante quatro anos, enquanto ocorrem as negociações da criação do
Estado da Palestina
- Recusar o direito de retorno de palestinos
refugiados a regiões perdidas para Israel em conflitos anteriores; eles poderão
viver no futuro Estado da Palestina, integrar-se nos países em que vivem
atualmente ou migrar para um novo país - Investimentos de US$ 50 bilhões por
parte dos EUA no novo Estado palestino, que criaria 1 milhão de novos empregos
e reduziria a pobreza pela metade
- Reconhecimento de Israel como Estado
judeu.
(JB/Ricardo Della Coletta, Gustavo Uribe e Talita
Fernandes/FolhaPressSNG)
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