Para evitar o colapso do sistema de saúde local,
onde a ocupação das unidades de tratamento intensivo da rede estadual atingiu
100% no fim de abril, a Justiça determinou que a cidade e outros três
municípios da sua região metropolitana adotassem na última terça-feira (5/5),
por dez dias, medidas mais rígidas para reduzir a propagação do coronavírus.
Entre elas, a proibição de circulação de veículos
particulares, a não ser para comprar alimentos ou atendimento médico, a entrada
e saída de veículos da ilha e o fechamento de qualquer comércio não essencial.
No entanto, os dados de monitoramento do isolamento
social em São Luís mostram que, apesar de mais gente ter ficado em casa, ainda
assim isso não é suficiente para controlar a epidemia na cidade, onde foram
registrados 3.745 dos 5.909 casos confirmados no Maranhão até a última
quinta-feira, segundo a Secretaria estadual da Saúde.
A adesão ao isolamento foi de 55,4% no primeiro dia
de lockdown e caiu desde então, para 54,1% no segundo dia e para 53% no
terceiro, de acordo com a empresa In Loco, que criou um índice baseado nos
dados de geolocalização de 60 milhões de celulares do país.
Isso é mais do que a média de 47,1% que a cidade
registrou em dias úteis da semana imediatamente anterior. São Luís também
atingiu pela primeira vez em dias de semana um nível de isolamento que a cidade
só conseguia obter em domingos e feriados.
Mas os dois primeiros dias de lockdown não bateram
os recordes de adesão registrados pela capital maranhense desde que o governo
estadual decretou as primeiras medidas de isolamento, em 21 de março. Desde
então, houve sete dias com índices melhores, entre 55,8% e 57,6%.
E o patamar atual não é o bastante para controlar a
epidemia, diz o epidemiologista Antonio Augusto Moura da Silva, professor do
departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
"Qualquer ganho é um ganho, mas não é o que a
gente queria. Não é o ideal", diz Silva.
O epidemiologista explica que o índice teria de ser
de cerca de 70% para fazer com que o número de novos casos pare de crescer e
comece a cair.
Isso porque a taxa de contágio, que aponta quantas
pessoas alguém que está contaminado pode infectar, era de 3 no início da
pandemia no Maranhão, de acordo com um estudo do Imperial College de Londres.
Para que o número de novos casos passe a cair, é
preciso que essa taxa seja menor do que 1. No caso maranhense, isso significa
que a taxa teria de ser reduzida em mais de dois terços, e, para conseguir
isso, a redução do contato social deve ocorrer na mesma proporção. Em outras
palavras, o isolamento deve ser de 70% ou mais, afirma Silva.
O virologista Anderson Brito, do departamento de
epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados
Unidos, aponta que um estudo realizado pela Universidade de Sydney,
na Austrália, vai ao encontro dos números citados por Silva.
Essa pesquisa calculou o impacto do isolamento
sobre a epidemia local e indicou que, para a prevalência da covid-19 começar a
cair no país, seria preciso uma adesão de 80%.
"Guardadas as devidas diferenças entre o
Brasil e a Austrália, é esse o patamar que nos apontam as evidências
científicas. Então, São Luís precisaria de uma adesão maior para de fato
eliminar as cadeias de transmissão", afirma Brito.
A BBC News Brasil procurou as secretarias municipal
e estadual de Saúde para comentar os resultados do lockdown, mas não recebeu
resposta até a publicação desta reportagem.
Região central de São Luís ficou mais vazia do que a periferia
Isolamento desigual
Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira
de Virologia (SBV), diz que os índices de São Luís com o lockdown são uma
"vitória", porque terão algum efeito.
Mas ele avalia que eles são insuficientes, porque a
literatura científica aponta que isso até agora que é preciso ter ao menos 70%
de isolamento.
"Essa diferença de 15% entre o que a cidade
conseguiu e o ideal pode parecer pequena, mas tem muito impacto porque lidamos
com um patógeno muito contagioso."
O virologista explica ainda que, além da média
geral do isolamento, também é preciso analisar como isso ocorreu em diferentes
partes de uma cidade.
Em São Luís, as regiões centrais ficaram mais
vazias e as periferias, lotadas. Se a adesão é muito desigual entre diferentes
regiões da cidade, isso pode comprometer o esforço de se fazer um lockdown.
"O lockdown se mostrou uma estratégia bastante
adequada e talvez seja a única completamente efetiva para evitar a disseminação
do vírus hoje, mas, se apenas uma parte da população se isola, o vírus continua
a circular e a criar focos de contágio", diz Spilki.
As pessoas destas regiões onde o coronavírus segue
sendo transmitido irão para outras áreas e levarão a doença com elas, fazendo
com que haja novas ondas de contágio depois de algum tempo.
Anderson Brito diz que um dos piores cenários
possíveis é fazer um lockdown, mas não haver uma adesão em massa da população.
"Isso cria a sensação de que algo está sendo
feito, mas não está dando resultado. Mas só vai dar resultado se as pessoas
aderirem", diz o virologista.
Além disso, explica ele, ainda é cedo para saber se
o lockdown vai surtir o resultado esperado, porque uma pessoa infectada pelo
novo coronavírus leva até 14 dias para ter sintomas e quem é internado fica no
hospital por 18 dias em média.
Então, só será possível ver os resultados dos novos
níveis de isolamento sobre os índices de casos, mortes e ocupação de leitos
daqui a três ou quatro semanas semanas ao menos.
"Por isso, é necessário não só contar com a
adesão da população, mas também com a confiança da população de que isso está
dando certo", afirma Brito.
Vulnerabilidade social
O epidemiologista Antonio Augusto Moura da Silva
diz quem um dos maiores obstáculos para a cidade ter índices de isolamento
maiores é a vulnerabilidade social da população do Maranhão.
O Estado tem a maior proporção da população vivendo
em situação de pobreza, segundo dados Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE): 54,1% dos 6,8 milhões de maranhenses vivem com menos de R$
406 por mês.
Além disso, o Maranhão tem o maior percentual do
país de trabalhadores informais — são 64,9% dos trabalhadores ocupados, segundo
dados de 2018.
"A gente já desconfiava que a gente não ia
conseguir manter todo mundo em casa. Não porque as pessoas não querem aderir.
Mas porque é difícil para elas fazer isso porque precisam sair de casa todo dia
para ganhar dinheiro. Para fazer o lockdown, teria que ampliar o programa do
governo de auxílio emergencial para atingir o maior número de pessoas possível.
Sem uma coisa ou outra, elas vão passar fome", diz Silva.
Esse é caso da empregada doméstica Maria Barros, de
51 anos. Ela está há quase um mês sem trabalhar e já gastou todo seu último
salário anterior para quitar o aluguel e as contas e abastecer a despensa.
Seu filho também não está conseguindo trabalho como
pedreiro e ele não sabe se vai conseguir ganhar algum dinheiro para passar o
mês que vem.
Socorro está na mesma situação. Ela estava em
regime de experiência na casa onde trabalha e não tem ainda carteira assinada.
Por isso, não tem qualquer garantia de que receberá o próximo salário.
"Eu quero ficar em casa, mas, se a minha
patroa não me pagar, eu vou ter que sair. Precisa entrar pelo menos R$ 100 para
comprar comida."
(BBC)
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