A professora da USP Esther Solano, que estuda conservadorismo, explica que a renda emergencial é um fator central no aumento de popularidade de Bolsonaro e que a maioria das pessoas não sabe que a medida é de autoria da oposição.
"Quando você está à beira da fome, sua vida está pautada por coisas
muito mais concretas e mais de subsistência do que de estratos
ideológicos", diz a cientista social Esther Solano, professora da USP
(Universidade de São Paulo) que estuda conservadorismo no Brasil, sobre o
aumento de popularidade do presidente Jair Bolsonaro detectado por pesquisa do
Instituto Datafolha.
Segundo o Datafolha, 37% dos brasileiros consideram o governo Bolsonaro
ótimo ou bom, o maior índice desde o início do mandato.
Solano diz que a renda emergencial distribuída pelo governo diante da
crise gerada pela epidemia de covid-19 é um fator central no aumento de
popularidade do presidente Jair Bolsonaro, já que a maioria dos entrevistados
não sabe que a medida tem autoria da oposição.
Ela acredita também que a esquerda institucional está perdendo o contato
com a base.
"Nas entrevistas a gente ouve muito isso, que as pessoas acham que
a esquerda não está mais nos territórios, não está mais preocupada com os
pobres e os trabalhadores, é um sentimento de abandono."
Solano
acrescenta que essa falta de contato acaba por abrir um espaço que é
naturalmente ocupado pelo governo. "A autoria na cabeça das pessoas passa
para quem outorga, quem faz a logística na entrega, então é o governo quem leva
a legitimidade", diz ela em entrevista à BBC News Brasil.
Em parceria com a pesquisadora Camila Rocha, Solano faz uma série de
pesquisas qualitativas que buscam entender mais a fundo os direcionamentos
políticos da população.
Solano afirma que os entrevistados das classes D e E estão em situações
muito dramáticas em que os R$ 600 do auxílio emergencial são a diferença entre
comer e não comer. Isso, diz, explica o aumento de popularidade de Bolsonaro no
Nordeste, tradicionalmente reduto do PT, um partido de esquerda.
"Para quem tem fome, a ideologia está muito longe", diz
Solano.
A pesquisadora critica o discurso de algumas pessoas da esquerda de que
"pobre de direita é burro".
"É claramente arrogante, preconceituoso, e uma falta de
entendimento e de empatia com uma situação dramática que grande parte da
população passa", afirma.
Diz também que essas são as mesmas pessoas que até pouco tempo atrás se
declaravam lulistas.
"Muito pouco mudou neste estrato, o que mudou foi a estratégia do
Bolsonaro. Ele entendeu que num momento como o atual um subsídio emergencial é
extremamente importante para as pessoas e pode fazer com que sua popularidade
aumente", afirma.
Leia abaixo entrevista da pesquisadora à BBC News Brasil.
BBC News Brasil - Vimos com o Datafolha que o aumento da popularidade
aconteceu especialmente no Nordeste, um reduto tradicional do PT. O que suas
pesquisas apontam como possíveis motivos para essa melhora na popularidade?
Esther Solano - Há dois pontos essenciais para o aumento de
popularidade de Bolsonaro. O primeiro é a renda emergencial, que tem maior
impacto entre os mais pobres. A maioria não faz ideia de que a medida é autoria
da oposição.
E outro ponto que aparece muito nas pesquisas é a questão da
"moderação" do Bolsonaro.
Um dos pontos mais críticos (contra) Bolsonaro é que ele seria polêmico,
radical demais, que ele não cumpriria com as normas do decoro e não estaria
agindo como se espera de um governante. E o fato de ele estar muito mais
moderado agora, e um fato importantíssimo, o fato dos filhos não aparecerem
mais tanto, têm feito que a popularidade dele aumente. Porque os filhos são um
ponto muito negativo na percepção de Bolsonaro.
BBC News Brasil - Você escreveu que é muito errado o discurso "de
que pobre de direita é burro". Da onde vem esse discurso? Ele atrapalha a
oposição?
Solano - A gente entrevista os mais pobres, e o que você vê é que a
pandemia não é só uma questão de crise sanitária, é uma questão de crise
econômica para muita gente. Há muita gente que perdeu o emprego e está
desesperada. Há muita gente no Nordeste que não recebe essas ajudas clássicas
do PT, porque foram cortadas pelas políticas de corte orçamentário de (Michel)
Temer e depois do Paulo Guedes (atual ministro da Economia). Para quem está na
situação de pobreza ou desemprego, R$ 600 é diferença entre comer e não comer,
né? A maioria não sabe que a medida é de autoria da oposição. Então é muito
pedir para que as pessoas façam opções ideológicas. Quando você está à beira da
fome, sua vida está pautada por coisas muito mais concretas e mais de
subsistência do que de estratos ideológicos. Então não se deve falar que pobre
de direita é burro, porque muitos desses pobres votaram no PT, se declaravam
lulistas até pouco tempo atrás. Muito pouco mudou neste estrato, o que mudou
foi a estratégia do Bolsonaro. Ele entendeu que num momento como o atual um
subsídio emergencial é extremamente importante para as pessoas e pode fazer com
que sua popularidade aumente. Para quem tem fome, a ideologia está muito longe.
O discurso de "pobre de direita ser burro" é claramente
arrogante, preconceituoso, e uma falta de entendimento e de empatia com uma
situação dramática que grande parte da população passa. E obviamente atrapalha
muito a oposição porque faz com que as pessoas não consigam entender o outro
lado, as necessidades que as pessoas estão passando. E faz com que a militância
se torne um campo muito elitizado, arrogante e fora da realidade do cotidiano.
Nas entrevistas a gente ouve muito isso, que as pessoas acham que a esquerda
não está mais nos territórios, não está mais preocupada com os pobres e os
trabalhadores, é um sentimento de abandono.
BBC News Brasil - A esquerda não está conseguindo mais chegar nessas
pessoas?
Solano - A esquerda institucional, partidária. Há muitos movimentos
sociais que estão na periferia, mas a esquerda partidária sem dúvida perdeu
muito o contato.
BBC News Brasil - Não é uma fala que ignora também que as pessoas podem
votar por outros interesses, como a pauta conserva?
Solano - Sim, com certeza, muitas pessoas, inclusive entre as
classes baixas, votaram no Bolsonaro muito motivadas por questões morais, ética
religiosa, essa ideia de que ele é um homem de fé, ligado à tradição e aos
costumes. Então essa ideia de que "pobre de direita é burro" ignora a
importância do voto religioso no campo eleitoral brasileiro. O voto religioso
tem muito a ver com o voto popular, lembrando que o PT teve também teve
fundação religiosa, era ligado à igreja católica de base.
BBC News Brasil - Você disse que a maioria das pessoas entrevistadas não
sabem que a autoria da medida de renda emergencial é da oposição. Qual o motivo?
Solano - São quatro coisas: as fake news; a falta de acesso à
informação; a dificuldade da oposição de ter um papel ativo na grande imprensa,
para divulgar mesmo suas pautas e na própria internet; e a descredibilidade na
própria imprensa, que faz com que as pessoas leiam a informação, escutem a
informação mas não acreditem. E outra coisa óbvia é que mesmo que as pessoas
saibam que o auxílio é de autoria da oposição, ou não tenham isso muito claro,
quem está de fato distribuindo o auxílio é o governo. E a autoria na cabeça das
pessoas passa para quem outorga, quem faz a logística na entrega, então é o
governo quem leva a legitimidade.
BBC News Brasil - Esse apoio que vem com a renda emergencial deve
perdurar depois do fim do auxílio?
Solano - O auxílio emergencial tem uma vida curta. Pode ser
prorrogado por alguns meses, mas o buraco fiscal que vai deixar, se continuar
por muito tempo, vai ser grande e vai provocar uma coisa muito importante, que
é a briga com o Paulo Guedes. O Paulo Guedes é absolutamente fundamental para o
mercado, para a classe média alta e outras instituições que apoiaram o
Bolsonaro continuarem apoiando ele. A gente já viu a saída de secretários,
então se o atrito foi grande e o Paulo Guedes sair do governo, o Bolsonaro vai
comprar uma briga muito grande com os setores empresariais e o grande capital
nacional e internacional. Então no final das contas o auxílio emergencial é
muito positivo para ele no curto prazo, mas no médio e longo prazo, pode
provocar um certo paradoxo no governo Bolsonaro. Eu não sei se vai ter vida
longa. O Bolsonaro claramente já apostou nessa via. Ele perdeu boa parte da
classe média com a saída do Moro, a classe média mais lavajatista, então está
apostando na classe mais baixa.
(G1)
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