O auxílio emergencial
deve chegar ao fim em 31 de dezembro, caso não haja nova prorrogação do
programa.
A menos de um mês do término do benefício, a parcela mais pobre da população brasileira ainda não sabe se poderá contar com algo além do Bolsa Família em 2021, ano que deverá ser de desemprego recorde e de uma possível segunda onda da pandemia, que já mostra seus primeiros sinais.
A primeira vez que o
governo Jair Bolsonaro (sem partido) falou em reformular o Bolsa Família foi
bem antes do coronavírus chegar em terras brasileiras.
Em dezembro de 2019, ao
anunciar o pagamento naquele ano de um 13º aos beneficiários do Bolsa Família,
Bolsonaro informou também a intenção de reformulá-lo, mudando o nome para Renda
Brasil, numa tentativa de imprimir uma marca própria ao bem-sucedido programa,
que se tornou um dos emblemas das gestões petistas.
Depois disso, o Renda
Brasil passou meses fora da pauta do governo. Até voltar à discussão em junho
deste ano, em meio à busca do ministério da Economia por uma alternativa para
ampliar a assistência social no pós-pandemia.
De lá para cá, o Renda
Brasil mudou de nome para Renda Cidadã, e já foram pelo menos cinco
"balões de ensaio" de propostas para financiá-lo, mas nenhuma delas
foi para frente.
Economistas avaliam que
essa indefinição traz incertezas do ponto de vista fiscal e para a vida das
pessoas que vão perder renda com o término do auxílio emergencial, sem que a
pandemia tenha acabado e a atividade econômica voltado à normalidade.
Relembre as cinco
propostas do governo para financiar o Renda Cidadã — e porque todas elas foram
rejeitadas pela opinião pública ou pelo próprio presidente.
1.Unificação
de programas sociais
O Renda Brasil primeiro
voltou à pauta, em meio à pandemia, em junho deste ano. Na ocasião, o ministro
da Economia, Paulo Guedes, disse a deputados federais que o Bolsa Família seria
reformulado "logo após o fim da pandemia do novo coronavírus",
passando a ter novo nome e unificando programas sociais existentes.
Entre os programas
cotados para essa unificação estavam o abono salarial, o seguro defeso (pago a
pescadores na época de reprodução das espécies, quando a pesca não é permitida)
e o salário família (pago a trabalhadores formais com baixos salários e filhos
até 14 anos).
A proposta não sobreviveu
ao mês de agosto. "Não posso tirar de pobres para dar a paupérrimos. Não
podemos fazer isso aí", disse Bolsonaro ao fim daquele mês, acrescentando
que as discussões sobre o novo programa estavam suspensas.
2.
Nova CPMF
Em julho, o assessor
especial do ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, levantou uma nova
hipótese para financiar o Renda Brasil: destinar parte das receitas obtidas com
um novo "imposto digital" planejado pelo governo para essa
finalidade.
Considerado por
especialistas em tributação uma "nova CPMF" (Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira, imposto sobre transações financeiras extinto em
2007), o imposto foi duramente criticado por causar distorções na economia, ao
incidir em cascata, além de ampliar a desigualdade tributária, pesando mais
para os mais pobres.
A proposta de Afif
Domingos esbarrava, no entanto, em um problema de ordem prática. O teto de
gastos congelou a despesa do governo, que passou a ser corrigida apenas pela
inflação do ano anterior. Assim, mesmo que a arrecadação aumente com a criação
de um novo imposto, esse novo recurso não poderia ser destinado a um novo
gasto.
Pela regra do teto, a
única forma de criar uma nova despesa é cortando outra.
Do contrário, seria
preciso furar o teto, também uma possibilidade, mas que poderia criar um
desarranjo na economia, se feito de forma atabalhoada, ao desancorar as
expectativas do mercado quanto à capacidade do governo de controlar a dívida
pública.
Após o interdito de
Bolsonaro, o Renda Brasil voltou ao debate novamente em meados de setembro, por
meio de uma entrevista "bombástica" do secretário especial da Fazenda
do ministério da Economia, Waldery Rodrigues, ao portal G1.
Na entrevista, Rodrigues
dizia que a área econômica do governo estudava que aposentadorias e pensões
fossem desvinculadas do salário mínimo e congeladas por dois anos. A economia
gerada seria destinada ao financiamento do Renda Brasil.
Dessa vez, a reação de
Bolsonaro foi quase imediata. "Congelar aposentadorias, cortar auxílio
para idosos e pobres com deficiência, um devaneio de alguém que está
desconectado com a realidade", postou o presidente nas redes sociais.
"Até 2022, no meu
governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o
Bolsa Família e ponto final", acrescentou ainda, em vídeo postado em seu
perfil no Facebook.
4.
Uso de precatórios e recursos do Fundeb
O ponto final de
Bolsonaro não duraria muito tempo. No final daquele mesmo setembro, o
presidente anunciaria a criação do Renda Cidadã.
O programa, segundo o
senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC (Proposta de Emenda à
Constituição) do Pacto Federativo, teria duas fontes de financiamento: recursos
de pagamento de precatórios — títulos da dívida pública reconhecidos após
decisão definitiva da Justiça — e parte do Fundeb (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação), a principal fonte de financiamento da educação.
A reação dos mercados foi
imediata, com a bolsa de valores caindo mais de 2% no dia do anúncio.
Parlamentares e
economistas vieram a público dizer que a intenção do governo de deixar de pagar
dívidas reconhecidas pela Justiça para destinar esses recursos a outro fim era
um "calote".
Além disso, o uso de
recursos do Fundeb foi considerado uma forma de driblar o teto de gastos, já
que os recursos do fundo não estão sujeitos ao limite constitucional de
despesas, ao contrário do Bolsa Família.
Dois dias depois do
anúncio de Bolsonaro, Paulo Guedes disse que o governo não usaria precatórios
para financiar a expansão da assistência social.
O mais recente
"balão de ensaio" do governo para financiar o Renda Cidadã veio a
público esta semana, através da imprensa. Segundo a CNN, Guedes estaria
defendendo nos bastidores financiar o programa com recursos das chamadas
emendas de bancada do Orçamento.
Conforme a reportagem,
para 2021, a previsão é de que as emendas de bancada somem cerca de R$ 7
bilhões, montante insuficiente para bancar o Renda Cidadã, cuja estimativa
anual é de um gasto de R$ 50 bilhões, dos quais R$ 34 bilhões poderiam vir do
orçamento previsto para o Bolsa Família.
Ainda que extraoficial,
a nova possibilidade é vista com ceticismo por analistas.
"Emenda pesa pouco
no Orçamento total, mas pesa muito para os deputados", afirma Fabio Klein,
analista de contas públicas da Tendências Consultoria. "Não parece
sustentável a ideia de tirar a emenda dos deputados, que tem finalidade
políticas importantes, para os deputados poderem alocar recursos para suas
regiões e bases de apoio. Politicamente parece difícil."
Outro ponto contrário à
proposta é que essa não seria uma fonte de recursos permanente. "O ideal,
ao criar um gasto permanente, é ter também uma fonte permanente de
financiamento."
Por
que é problemático chegar a dezembro sem uma definição
Conforme os economistas,
são dois os problemas gerados por essas idas e vindas do governo e pela
indefinição quanto ao futuro da assistência social em 2021. O primeiro deles é
a falta de clareza quanto ao futuro das contas públicas e, o segundo, a
incerteza para as famílias de baixa renda.
"O problema é que
não há uma política econômica clara", diz Klein. "Na pré-pandemia,
existia uma política visando a consolidação fiscal, para resolver o desajuste
das contas públicas. Essa política partia de um diagnóstico de que o problema
estava no gasto, que precisava ser reduzido."
Com a pandemia, isso
precisou ser deixado de lado, e o governo aumentou as despesas para bancar o
auxílio emergencial e disponibilizar crédito barato às empresas. Com o término
próximo do auxílio, há uma pressão social e política, por parte de um
presidente com pretensões de disputar a reeleição em 2022, de se ampliar a assistência
social no próximo ano.
"Criar o Renda
Cidadã, sem cortar outros gastos, criaria um desequilíbrio brutal",
considera o economista.
Insegurança
social
Para Lauro Gonzalez,
coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da
Fundação Getúlio Vargas(FGV), a insegurança social é o problema mais grave.
Segundo o economista, um
primeiro ponto é que não se sabe ainda qual será a força desta segunda onda da
pandemia e se ela vai levar à necessidade de novas restrições da atividade
econômica, num momento em que não haverá mais auxílio emergencial
Um segundo ponto, é que o
auxílio trouxe à luz os chamados "invisíveis", cerca de 38 milhões de
pessoas que receberam o auxílio, mas não fazem parte do Cadastro Único de
assistência social do governo e, portanto, não terão direito ao Bolsa Família
quando a ajuda emergencial acabar.
Estima-se ainda que
outros 15 milhões a 20 milhões de brasileiros sequer chegaram a se candidatar
ao auxílio, apesar de viverem em domicílios com renda inferior a um salário
mínimo e não receberem Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada
(BPC), destinado a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda.
Por fim, Gonzalez destaca
que a economia ainda não está em franca recuperação e que, mesmo antes da
pandemia, a atividade vinha patinando, com crescimentos do PIB (Produto Interno
Bruto) da ordem de 1% entre 2017 e 2019.
"Com o fim do
auxílio emergencial, sem nada que o substitua, haverá um número muito grande de
pessoas que podem viver uma situação bastante complicada do ponto de vista de
qualidade de vida, sobretudo, diante da continuidade da pandemia." (BBC)
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