A compra de vacinas da Pfizer e a eventual inclusão da CoronaVac no plano nacional de imunização não serão suficientes para vacinar em larga escala a população brasileira, o que só irá acontecer com a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a AstraZeneca, com as primeiras doses aplicadas em março, disse à agência Reuters o vice-presidente da Fiocruz responsável pelo projeto de produção local do imunizante.
Segundo Marco Krieger, vice-presidente de Produção
e Inovação em Saúde da Fiocruz, a fundação sequer vai solicitar à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para uso emergencial da
vacina, uma vez que seria permitido apenas para casos específicos, preferindo
se concentrar no processo para obtenção do registro em definitivo para entregar
100 milhões de doses no primeiro semestre e mais 110 milhões no segundo.
“Não é corrida de 100 metros”, disse Krieger. “No
ponto de vista da Fiocruz, nós temos o compromisso de uma corrida de maratona,
distribuir no primeiro ano um quantitativo muito importante que possa ser
utilizado por boa parte da população”, afirmou.
“A maior vantagem (da vacina de Oxford) é conseguir
disponibilizar em uma quantidade grande para a população brasileira e não
depender de compras lá fora. Vacina para funcionar é cobertura, e não tenho dúvida
que a vacina de Oxford vai ser muito importante no Brasil e no mundo. Ela que
vai fazer a diferença”, acrescentou.
A vacina de Oxford foi a principal aposta do
governo federal para enfrentar a pandemia de Covid-19, que já deixou mais de
181 mil mortos no país. Em junho, o Ministério da Saúde anunciou um acordo de
1,9 bilhão de reais para a aquisição de insumos e a transferência de tecnologia
para a produção local na Fiocruz.
No entanto, o imunizante de Oxford perdeu espaço na
corrida por vacinas para a da Pfizer, que se tornou a primeira do mundo
aprovada para uso na população em países como Reino Unido, Estados Unidos e
Canadá. Além disso, o imunizante ficou marcado por um incidente nos ensaios
clínicos que levou a AstraZeneca a realizar novos estudos.
Enquanto a vacina da Pfizer teve eficácia de 95%
nos ensaios clínicos, a de Oxford teve eficácia de 62% para as pessoas que
tomaram duas doses completas -- regime principal dos testes. Em um subgrupo
menor que recebeu meia dose e depois uma dose inteira, a eficácia chegou a 90%,
o que levou a empresa a retomar os ensaios em busca de descobrir a melhor
dosagem.
Segundo Krieger, os novos estudos não devem impedir
a aplicação de uma vacina que se mostrou acima dos 50% de eficácia recomendados
e que, além disso, não teve nenhum caso de doença grave nos ensaios clínicos
mesmo entre aqueles voluntários que contraíram a doença.
“REGISTRO DE VERDADE”
No caso brasileiro, o registro da vacina será
solicitado à Anvisa com base no estudo com duas doses. Krieger explicou que
será solicitado um “registro de verdade”, em vez do uso emergencial, uma vez
que os dados já estão sendo enviados à agência reguladora desde setembro e a
diferença de cronograma seria “quase nenhuma”.
“Não estamos com uso emergencial, queremos o
registro de verdade. O registro do uso emergencial no Brasil é um pouco
diferente, ele é mais limitado. No nosso caso, nós vamos ter todos os dados de
boas práticas de fabricação, todos os dados do ensaio clínico, e é melhor que
tenhamos a discussão de um registro definitivo”, afirmou.
“Estudos adicionais têm que ser feitos, mas isso
não impede que a gente disponibilize para a população uma vacina que, até o
momento, mostra, desde os modelos animais, mas confirmado com os estudos
clínicos, que ela elimina a forma grave da doença e diminui a carga viral
populacional. Essa é uma vacina que pode ser usada em larga escala”, afirmou.
Mesmo sem o pedido de uso emergencial pela Fiocruz,
o Brasil pode receber doses da vacina da AstraZeneca antes do cronograma de
produção nacional por meio do programa Covax Facility, da Organização Mundial
da Saúde (OMS), caso o imunizante seja aprovado no exterior e posteriormente
endossado pela Anvisa.
O Covax, ao qual o Brasil ingressou ao custo de 2,5
bilhões de reais por 42,5 milhões doses, prevê a entrega de vacinas para todos
os países participantes depois que os imunizantes forem aprovados pela OMS.
OUTRAS VACINAS
O cronograma da Fiocruz, que prevê entrega das primeiras doses ao governo
federal no final de fevereiro para início da aplicação em março, foi colocado
sob pressão diante do início da vacinação com a vacina da Pfizer em outros
países e a promessa do governador de São Paulo, João Doria, de iniciar a
vacinação no Estado com a chinesa CoronaVac -- desenvolvida pela Sinovac e
produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista.
A CoronaVac, no entanto, não teve sequer a eficácia
divulgada, enquanto a negociação tardia do governo brasileiro com a Pfizer
limitou a capacidade de entrega de doses do imunizante ao país --apenas 2
milhões de doses no primeiro trimestre, de acordo com plano de vacinação
divulgado pelo governo federal no fim de semana, que não apresentou data para o
início da imunização.
Krieger lembrou que a oferta de vacinas da Pfizer é
limitada no mundo todo, e disse a CoronaVac também tem uma limitação de
capacidade.
“Hoje a confiança do mundo é nessa iniciativa
(Oxford/Astrazenca), com previsão de 3 bilhões de doses. A Pfizer está propondo
fazer 1 bilhão de doses ano que vem e a Sinovac tem capacidade de 300 milhões”,
disse.
Além da capacidade de produção, o vice-presidente
da Fiocruz destacou a facilidade logística de distribuição da vacina de Oxford.
Enquanto a vacina da Pfizer precisa ser armazenada a -70 graus Celsius, devido
à tecnologia de RNA mensageiro, o imunizante de Oxford --feito com recombinante
viral de outro vírus-- se encaixa no padrão tradicional das campanhas de vacinação.
Segundo Krieger, mesmo com a capacidade de produção
ampliada da Fiocruz, a vacinação da população só deve atingir um percentual
capaz de gerar imunização no segundo semestre de 2021.
“Em qualquer cenário esse enfrentamento só vai
começar a ter primeiros resultados a partir do segundo trimestre do ano que vem
e, mesmo assim, só no segundo semestre do ano que vem vamos ter essa cobertura
vacinal que vai permitir uma diminuição significativa de circulação viral”,
afirmou.
“Estamos vendo a luz no fim do mundo, mas ainda
estamos nele. Em janeiro vamos ter pouca vacina, em fevereiro e março podemos
ter um maior número. Lá por maio e junho vamos ter 10% a 20% por cento da
população vacinada e só vamos chegar a 30% a 40% por cento da população
vacinada na metade no ano que vem. E até lá, tem que proteger os vulneráveis e
conscientizar a população para manter o alerta ligado.” (JB/Ag. Reuters)
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