Uma das vacinas que já se provaram eficazes contra a covid-19 — a da
Pfizer — está sendo distribuída no Reino Unido desde segunda-feira (8/12), e há
perspectiva de que no ano que vem alguma das vacinas contra a doença esteja
disponível no Brasil.
Qual vai ser a primeira coisa que você vai fazer depois de tomar a vacina? Se já estava fazendo planos de abandonar a máscara imediatamente, viajar, ir para a balada e rever todo mundo que não conseguiu encontrar em quase um ano de pandemia, os médicos e infectologistas alertam: na verdade, a vida não vai voltar ao normal logo após tomar a vacina.
"Depois
de tomar a vacina, é preciso voltar para casa, manter o isolamento social,
aguardar a segunda dose e depois esperar pelo menos 15 dias para que a vacina
atinja o nível de eficácia esperado", explica a bióloga Natália Pasternak,
presidente do Instituto Questão de Ciência. "E mesmo depois, é preciso
esperar que boa parte da população já tenha sido imunizada para a vida voltar
ao normal."
Há
três motivos para isso. Entenda.
Tempo para o corpo reagir
Embora
existam particularidades dependendo do tipo de vacina e do tipo de doença, o
mecanismo geral de funcionamento de uma vacina é sempre o mesmo: ela introduz
no corpo uma partícula — chamada antígeno — que produz uma resposta imunológica
no corpo e faz com que ele esteja preparado para enfrentar um tentativa de
contaminação do corpo caso entre em contato com o vírus no futuro.
Esse
antígeno pode ser um vírus desativado (morto), um vírus enfraquecido (incapaz
de adoecer alguém), pode ser um pedaço do vírus, alguma proteína que se
assemelhe ao vírus ou até mesmo um ácido nucléico (como a vacina da
RNA).
O
antígeno provoca uma resposta imunológica, ou seja, faz com que o corpo se
torne capaz de reconhecer aquele vírus e produzir anticorpos para combatê-lo,
explica o médico infectologista Jorge Kalil, professor da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Dá
próxima vez que entrar em contato com aquele vírus, o corpo já terá a memória
de como combatê-lo e conseguirá enfrentar a ameaça de forma rápida e eficiente,
impedindo que o vírus contamine o corpo.
Essa
resposta é chamada de resposta imune adaptativa e ela é específica para cada
vírus. "É uma resposta que demora um pouco mais, são pelo menos duas
semanas até que o corpo aprenda a reconhecer e combater o vírus com a ajuda do
antígeno", explica Natália Pasternak.
É por
isso que após tomar uma vacina — quer seja a contra o coronavírus ou contra
qualquer outra doença — você só está realmente protegido depois de algumas
semanas, explicam os cientistas. É como se o corpo precisasse de um tempo para
"processar" aquelas informações e reagir de forma adequada.
Em uma
pessoa não vacinada, o Sars-Cov-2, vírus que causa a covid-19, entra nas
células dos sistema respiratório e começa a usá-las para produzir mais vírus. É
como se produzisse "células zumbi" que trabalham para ele.
A
primeira resposta imunológica produzida pelo corpo depois da vacinação é a
produção de anticorpos, que se ligam diretamente ao vírus e impedem que ele
entre nas células do corpo e as utilize para produzir mais vírus, explica
Pasternak.
Ou
seja, em uma pessoa imunizada, o corpo já conhece o vírus por causa da vacina e
a partir do momento em que o patógeno entra no corpo são liberados anticorpos
que impedem a contaminação de células.
Mas
existe um segundo tipo de resposta imunológica, chamada resposta celular.
"São células — as chamadas células T — que não se ligam ao vírus, mas
reconhecem quando uma célula está contaminada com o vírus e a destroem",
explica Pasternak.
Ou
seja, se algum vírus conseguir escapar dos anticorpos e contaminar alguma
célula do corpo, as células T funcionam como "caçadoras" e destroem
essa "célula zumbi", impedindo que mais vírus sejam produzidos.
A
resposta celular demora um pouco mais que a resposta através de anticorpos —
mais um motivo para que a imunização só esteja completa algumas semanas após
tomar a vacina, explica Jorge Kalil.
"Depois
de 15 dias, a gente já espera que haja uma resposta celular do sistema
imunológico", afirma Kalil.
Além
do tempo que o corpo precisa para desenvolver a resposta imunológica, no caso
específico do coronavírus uma outra questão faz com que seja preciso manter as
medidas de proteção por algum tempo após a vacinação: a maior parte das vacinas
sendo desenvolvidas contra a doença exige duas doses para que atinja a eficácia
esperada.
Vão
ser necessárias duas doses nas quatro vacinas que já tiveram a eficácia
comprovada: a da Pfizer, a da Moderna, a da Oxford/AstraZeneca e a Sputnik V.
Isso vale também para a Coronavac, que está em desenvolvimento pelo o Instituto
Butantan em parceria com a farmacêutica Sinovac.
"No
caso das vacinas que provavelmente teremos disponíveis contra o coronavírus no
Brasil, a orientação vai ser tomar a primeira dose, esperar um mês, voltar para
o postinho, tomar a segunda dose e manter todos os cuidados contra a pandemia,
como isolamento social e uso de máscaras, por pelo menos 15 dias. Só então você
estará protegido, de acordo com a eficácia de cada vacina", explica Jorge
Kalil.
A
primeira dose, explica Natália Pasternak, é o que os cientistas chamam de prime
boost. "É como se ela acordasse o corpo para o vírus, dá um 'empurrão
inicial' no sistema imunológico. A segunda dose gera uma resposta imunológica
melhor", explica.
A
quantidade de doses necessária varia muito com a formulação da vacina. A vacina
contra a febre amarela, por exemplo, só exige uma dose.
Entre
as 200 vacinas em desenvolvimento contra o coronavírus, existem algumas que
seriam em dose única, mas elas não estão em estágios tão avançados de
desenvolvimento quanto as que vão exigir duas doses.
"Quando
dá para fazer em dose única é melhor, porque do ponto de vista de saúde
pública, é um desafio fazer as pessoas voltarem ao postinho para tomar a
segunda dose. As pessoas esquecem, acham que não precisa", explica
Pasternak.
Juntando
o tempo necessário entre uma dose e outra e o tempo que o corpo precisa para
produzir a resposta imunológica, vai ser necessário pelo menos um mês e meio
para que alguém que foi vacinado possa ser considerado imunizado.
Mas,
mesmo depois disso, vai demorar para a vida voltar ao normal — e até que a
maior parte da população esteja vacinada, a orientação é para que mesmo as
pessoas vacinadas mantenhas as medidas.
É verdade que a vacina pode não impedir a contaminação de coronavírus?
Não,
explicam os cientistas, porque se houver uma boa cobertura vacinal, uma vacina
consegue diminuir muito a circulação do vírus através da chamada imunidade de
rebanho.
É
verdade que individualmente, se apenas uma pessoa tomar, nenhuma vacina tem
100% de eficácia, e isso vale também para as contra a covid-19. A vacina da
Pfizer, por exemplo, tem 95% eficácia, de acordo com os resultados da terceira
fase de testes.
Isso
significa que há 5% de chance daquela vacina específica não produzir uma
resposta imunológica no corpo da pessoa vacinada. Mas como então as vacinas
impedem o vírus de se propagar se há algumas pessoas que podem ser contaminadas?
"A
vacina funciona através da imunidade de rebanho, que é um conceito
vacinal", diz Jorge Kalil.
O
vírus passa de pessoa para pessoa, explica o médico, e para conseguir se
propagar ele precisa achar pessoas suscetíveis à doença. "A vacina diminui
o número de pessoas suscetíveis, de forma tão significativa que o vírus não
consegue encontrar mais circular e é contido. Foi assim que erradicamos a
varíola", explica o médico.
A
imunidade de rebanho é importante não apenas por causa da eficácia das vacinas não
ser de 100%, mas porque há muitas pessoas que nem sequer podem tomar o
imunizante.
"Tem
gente que não pode receber ou porque não tem idade ou porque não está dentro do
programa de vacinação — as vacinas contra o coronavírus ainda não foram
testadas em crianças, em gestantes", explica Kalil. As pessoas com alguma
doença que compromete o sistema imunológico também não podem ser vacinadas.
"Quando
há uma cobertura mínima vacinal da população, essas pessoas vulneráveis ficam
protegidas pela imunidade de rebanho", explica Kalil.
No
caso do coronavírus, a OMS estima que a cobertura vacinal necessária para
estabilizar e conter a pandemia seja de 80% da população, idealmente 90%.
Para
se ter uma ideia da importância da cobertura vacinal, quando houve queda na cobertura
vacinal de sarampo — de 96% em 2015 para 86,5% em 2018 —, diversos surtos da
doença aconteceram pelo país.
É por
isso que é importante que, mesmo quem já tiver tomado a vacina e esperado um
mês e meio, não deve abandonar as medidas contra a pandemia.
No
caso da vacinação contra coronavírus, deve demorar algum tempo até que a vacina
chegue à maior parte da população, mesmo após a aprovação da Anvisa (Agência de
Vigilância Sanitária). A produção de milhões de doses não é algo que acontece
de um dia para o outro. Também há questões como os acordos do governo com as
farmacêuticas, a fila de espera de diversos países, a dificuldade na
distribuição e armazenamento (algumas vacinas precisam ser armazenadas a temperaturas
bem abaixo de zero), etc.
O
ministério da Saúde tem uma lista de pessoas que serão prioritárias no
recebimento das vacinas. Os primeiros devem ser as pessoas com mais de 80 anos
e os trabalhadores da saúde. Em seguida, devem receber a vacina os idosos entre
60 e 79 anos e pessoas em condição de risco, como quem tem doenças
respiratórias crônicas. Há ainda outros três grupos prioritários, e só então a
população em geral será vacinada.
"É
importante que quem receber a vacina primeiro mantenha as medidas de combate à
pandemia porque, mesmo depois de um mês e meio, mesmo que elas estejam
imunizadas, não há garantia de que elas não podem ser vetor da doença enquanto
não houve imunidade de rebanho", diz Pasternak.
A
cientista explica: as vacinas testadas até agora impedem o vírus de se
reproduzir no corpo e deixar a pessoa doente. Mas não há testes, por enquanto,
que comprovem que essa pessoa não vá transmitir esse vírus — que no corpo dela
está sendo combatido pelos anticorpos — para outras pessoas.
O
resumo disso tudo é que, mesmo se você já tiver tomado as duas doses da vacina,
aguardado mais 15 dias, é preciso aguardar até que a maior parte da população
esteja vacinada para que a vida volte ao normal, aconselha Jorge Kalil. Isso
tanto para se proteger, caso você esteja no pequeno grupo de pessoas para quem
a vacina não terá efeito imunizante; quanto para proteger outras pessoas — até
que a imunidade de rebanho gerada pela ampla cobertura vacinal seja capaz de
conter a pandemia de vez. (BBC)
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