"Eu não vou tomar vacina e ponto final. Minha vida está em risco? O problema é meu", disse o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na última terça-feira (15/12).
Tal postura é cada vez mais frequente entre os brasileiros, de acordo com o instituto Datafolha.
Uma
pesquisa feita no início de dezembro aponta que 22% dizem que não vão se
vacinar. Em agosto, eram 9%. Nas duas pesquisas, a maioria disse que pretende
tomar a vacina, mas o percentual caiu de 89% para 73%.
Caso
a vacinação contra a covid-19 não seja mesmo obrigatória, como defende
Bolsonaro — um tema que o Supremo Tribunal Federal julga neste momento —, a imunização será, de fato, uma decisão
individual.
Mas a recusa
do presidente e de outros cidadãos em fazer isso é uma postura egoísta, que
coloca a saúde de outras pessoas em risco e compromete seriamente os esforços
para acabar com a pandemia, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
A médica explica que o objetivo de uma vacina é conferir a proteção contra um vírus ou bactéria a uma parcela suficiente da população para impedir que essa ameaça continue a se disseminar.
Quanto maior o número de pessoas vacinadas, mais fácil é
controlar a propagação de uma doença. Mas, se poucas pessoas se vacinarem, ela
se espalha mais facilmente.
"Isso é
diferente de um câncer, por exemplo. Se eu não me trato, só eu vou sair
prejudicada, porque vou morrer mais cedo. Mas a decisão de se vacinar tem
impacto na saúde coletiva", diz Stucchi.
O percentual
de pessoas que têm que ser vacinadas para conseguir a chamada imunidade
coletiva ou de rebanho — bloqueando a disseminação de um vírus ou bactéria e
evitando epidemias — varia.
Isso depende
da facilidade com que o patógeno é passado de uma pessoa para outra e também da
eficácia da vacina, ou seja, a proporção de pessoas que ficam protegidas ao
serem imunizadas.
No caso do
sarampo, uma doença altamente infecciosa, essa taxa deve ser de 95%, explica o
infectologista Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de
Infectologia e diretor-médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho,
no Rio de Janeiro.
Para a
covid-19, ainda não se sabe ao certo qual é esse índice, porque ainda é preciso
verificar se a eficácia dos estudos será confirmada pela vacinação em massa e
quanto dura a imunidade conferida desta forma.
Mas estima-se
que será necessário vacinar entre 70% e 80% da população para reduzir a
circulação do coronavírus e acabar com a pandemia.
"Temos
que lembrar que sempre haverá uma parte da população que não poderá ser
vacinada, como grávidas, para quem hoje não é recomendado, quem tem alergias
graves e outras contraindicações", diz Chebabo.
"Uma
postura como a do presidente é uma atitude egoísta, de quem só pensa em si
próprio e não em proteger quem está à sua volta", diz o infectologista.
Chebabo diz
ainda que se vacinar será importante mesmo para pessoas que já tiveram
covid-19, como Bolsonaro, porque há cada vez mais casos confirmados de pessoas
que se infectaram mais de uma vez, algumas até em estado pior do que antes.
Os cientistas
ainda não sabem ao certo quanto dura a imunidade adquirida ao se ter a doença.
Por isso, uma parte destas pessoas, ou mesmo todas elas, podem ainda ser
vulneráveis ao coronavírus.
"A
recomendação é que todos se vacinem", diz Chebabo.
Pandemia só
acabará com vacinação em massa
Além disso, a
nossa experiência com a pandemia de covid-19 até agora mostra que ela
dificilmente será controlada naturalmente ou apenas com as medidas de
isolamento ou distanciamento social.
O
epidemiologista Antonio Augusto Moura da Silva, professor do departamento de
Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), aponta para o exemplo
de Manaus.
Um estudo
publicado na revista Science estima que, em outubro, 76% da população da
capital do Amazonas já havia sido infectada pelo novo coronavírus.
No entanto, a
média de novos casos diários se mantém alta, e os hospitais da cidade voltaram
a ficar lotados nas últimas semanas.
"Mesmo
com uma taxa de infectados tão elevada, a doença continua se espalhando, e, sem
uma vacina, a taxa de qualquer lugar tende a subir até chegar a 80% ou 90%, a
não ser que haja uma imunização em massa para bloquear isso antes", diz
Silva.
O epidemiologista ressalta que os dados científicos das vacinas que foram publicados até agora mostram que elas têm uma eficácia e segurança muito boas.
Para Silva, elas são a "melhor esperança" que temos de atingir a
imunidade coletiva, porque estudos apontam que algumas das vacinas contra
covid-19 produzem mais anticorpos e anticorpos mais eficazes do que aqueles que
são gerados quando alguém fica doente naturalmente.
Raquel
Stucchi concorda que a imunização será fundamental para acabar com a pandemia.
"Outras
medidas têm um impacto importante, mas o conhecimento que adquirimos no último
ano mostra que não há outra estratégia além da vacinação que será capaz de
fazer isso", diz a infectologista. (BBC)
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