Após um início de governo de forte tensão com o
Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro pode ter, a partir de
fevereiro, dois aliados no comando do Poder Legislativo.
O governo está trabalhando com especial afinco na campanha de Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão que tenta ser o novo presidente da Câmara. O cargo tem especial importância porque dá ao seu ocupante o poder de barrar ou iniciar um processo de impeachment — a pressão pela cassação do presidente aumentou nas últimas semanas com o agravamento da pandemia de coronavírus e a pequena quantidade de vacinas obtidas pelo governo Bolsonaro neste momento para imunizar a população.
Há mais oito deputados concorrendo ao comando da Casa, mas o único que
apresenta alguma ameaça à vitória de Lira é Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo
atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e que se coloca como
independente do governo.
Já no Senado, a candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) conseguiu atrair
apoio de uma ampla gama ideológica, que vai de senadores próximos ao governo
Bolsonaro à bancada do PT.
Lá, um fator importante que tem lhe dado vantagem na disputa contra sua
principal concorrente, a candidata Simone Tebet (MDB-MS), é sua postura crítica
à Lava Jato, enquanto a senadora é entusiasta de pautas associadas à operação,
como a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
Mas, ainda que o favoritismo dos candidatos do Planalto se confirme,
esse resultado não será garantia de vida fácil para o governo Bolsonaro no
Congresso, afirmam analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.
Entenda a seguir quais podem ser os impactos das duas eleições para
evitar (ou não) um processo de impeachment e para a votação de agendas
prioritárias para o governo, como as reformas econômicas e pautas
conservadoras.
Blindagem contra impeachment?
A aproximação de Bolsonaro com políticos do Centrão e, com Arthur Lira
em especial, se intensificou a partir de abril de 2020, em um momento em que
investigações acuavam o governo e filhos do presidente — caso de dois
inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal para apurar ataques contra os
ministros da Corte e a convocação de atos antidemocráticos e da investigação no
Rio de Janeiro sobre um possível esquema de desvio de recursos do antigo
gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro.
Naquele momento, o próprio presidente admitiu a distribuição de cargos
entre partidos políticos: "Tem cargo na ponta da linha, segundo ou
terceiro escalão, que estava na mão de pessoas que são de governos anteriores
ao (do ex-presidente Michel) Temer. Trocamos alguns cargos nesse sentido.
Atendemos, sim, a alguns partidos nesse sentido (de cargos)", disse o
presidente, em uma transmissão ao vivo no final de maio.
A estratégia, que contraria o discurso do presidente crítico ao
toma-lá-dá-cá do início do seu governo, se intensificou agora na campanha de
Lira para o comando da Casa. Confirmando-se a vitória do líder do Centrão, a
expectativa é que ocorra uma reforma ministerial para acomodar no governo mais
indicados políticos.
A estratégia, de fato, tende a garantir uma base mais estável para
Bolsonaro no Congresso e deve aumentar sua proteção contra a abertura de um
processo de impeachment. Mas, segundo analistas políticos ouvidos pela BBC News
Brasil, nem a vitória de Arthur Lira significará que a possibilidade de
impeachment estará 100% enterrada, nem a de Baleia Rossi indicará uma chance
alta de abertura de um processo contra o presidente.
Na visão desses especialistas, outros fatores podem ser mais
determinantes para isso, como um agravamento das crises econômica e de saúde,
com piora mais acentuada da popularidade de Bolsonaro e protestos maiores nas
ruas contra o presidente.
"Lira foi ao encontro dessa proposição do governo Bolsonaro, em que
o governo oferece a máquina federal, com recursos (para investimentos na base
eleitoral) e cargos (para indicados políticos) aos deputados que votarem em
Lira. Isso em princípio é um elemento de estabilização (para o mandato de
Bolsonaro)", afirma Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e
fundador da consultoria Dharma. "Agora, a gente pode lembrar que Dilma
Rousseff (ex-presidente derrubada em 2016) tentou construir o mesmo modelo de
estratégia e foi muito mal sucedida. Só as nomeações, a colocação da máquina no
processo político, não são suficientes para manter essa lealdade."
Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), caso Lira leve o comando da
Câmara, ele vai "cobrar caro" de Bolsonaro sempre que precisar agir
para "acalmar a base" e neutralizar ameaças ao seu mandato, como
impedir a instauração de alguma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para
investigar o governo ou barrar um processo de impeachment.
"No caso do Lira, ele só abriria um processo de impeachment após
esgotar os benefícios que ele poderia arrancar do governo e se praticamente for
forçado a isso pelas circunstâncias. Se Bolsonaro perder apoio da opinião
pública, ele pode entregar tudo para o Lira, mas o risco de cair é muito
grande", avalia Queiroz.
Já no caso de uma vitória de Baleia Rossi, o analista do Diap considera
que ele assumiria uma postura parecida com a de Rodrigo Maia, de cautela quanto
a iniciar um processo de impeachment em meio à pandemia. "Vai ser uma
cautela preocupada com o interesse nacional, em não desorganizar a pauta (do
Congresso), o país, num momento desse."
Nos últimos dias, porém, a vitória de Rossi tem ficado mais distante. Na
semana passada, o PSL, segunda maior bancada na Câmara, mudou seu apoio do
emedebista para Lira. Com isso, a candidatura do líder do Centrão é endossada
por 11 partidos (PL, PP, PSD, Republicanos, PTB, Pros, Podemos, PSC, Avante,
Patriota e PSL).
Rossi também têm formalmente apoio de 11 legendas (PT, MDB, PSB, PSDB,
DEM, PDT, Cidadania, PV, PCdoB, Solidariedade e Rede). Porém, há uma
expectativa de traições (votos contrários a orientação do partido) maior do seu
lado. Como a votação é secreta, os traidores não ficam sujeitos a punições em
suas legendas.
Segundo Antônio Queiroz, outro fator que deve beneficiar o alagoano Lira
é o apoio de parlamentares do Nordeste, mesmo de partidos de oposição, pois há
um sentimento de "solidariedade" entre os políticos desse grupo, que
veem na perspectiva de um presidente da Câmara nordestino mais chances de
beneficiar a região. Na segunda-feira, sete deputados do DEM, PSDB e PDT da
Bahia declararam apoio a Lira, despertando a ira de Rodrigo Maia.
Na quinta-feira, em visita a Propriá, em Sergipe, Bolsonaro enfatizou o
vínculo de Lira com a região. "Amigos de Sergipe, amigos de Alagoas, se
Deus quiser, teremos o segundo homem na linha hierárquica do Brasil, eleito
aqui no Nordeste, pela Câmara dos Deputados. O deputado Arthur Lira. Se Deus
quiser, (será) o nosso presidente", afirmou, ao discursar na cerimônia de
inauguração de um nova ponte sobre o rio São Francisco.
Creomar Souza nota que Baleia Rossi adotou uma estratégia de fazer
campanha "para fora", se colocando com o candidato de uma frente
ampla democrática para barrar o autoritarismo do governo Bolsonaro, com
objetivo de atrair votos dos deputados por meio do apoio da opinião pública a sua
candidatura. Já Lira fez uma campanha "para dentro", com a promessa
de priorizar os interesses dos deputados.
"Isso (a estratégia de Rossi) não tem dado resultados porque uma
parte dos parlamentares quer elementos concretos (em troca do seu apoio). Ao
não ter a máquina e diante do fato de que o governo está interferindo de
maneira muito
Reformas econômicas e volta do auxílio emergencial
Os candidatos mais competitivos nas disputas pelo comando da Câmara e do
Senado têm manifestado apoio à pauta econômica de Paulo Guedes, indicando a
intenção de colocar em votação as reformas tributárias e administrativa e a PEC
Emergencial (proposta de alteração da Constituição para criar mecanismos
automáticos de redução de gastos, com possibilidade de congelamento de
concursos públicos e redução temporária de salários de servidores).
Essas pautas, porém, sofrem resistência de grupos que têm influência
sobre parlamentares, como setores que serão negativamente afetados por mudanças
tributárias (serviços, principalmente) e funcionários públicos. Ainda que as
propostas finalmente sejam votadas, a tendência é que sofram muitas
modificações em relação ao defendido pelo Ministério da Economia.
"Nunca teremos uma reforma, seja administrativa, tributária, que
seja a reforma dos sonhos do especialista (da área). Isso é natural", nota
Creomar Souza.
Os deputados Arthur Lira e Baleia Rossi e os senadores Rodrigo Pacheco e
Simone Tebet também defendem a volta de alguma forma de auxílio emergencial
para a população mais vulnerável à crise econômica, mas dizem que isso deve ser
feito com respeito à responsabilidade fiscal, dentro do teto de gastos (regra
constitucional que limita o crescimento das despesas do governo à inflação).
O grande desafio dos vencedores na Câmara e no Senado será como tornar
isso realidade, já que o governo Bolsonaro desistiu, ao menos por enquanto, de
criar um novo benefício social para substituir o auxílio emergencial, cuja
última parcela foi paga em dezembro, justamente pela dificuldade de adotar a
medida sem furar o teto.
Pautas conservadoras
Enquanto o discurso na economia é uniforme entre os principais
candidatos, é na chamada pauta conservadora de costumes e de segurança pública
que surgem algumas diferenças.
Alinhado com Bolsonaro, Arthur Lira recebeu o apoio da bancada
evangélica e da bancada da segurança pública, também chamada de bancada da
bala. Por isso, há expectativa que sua vitória abra caminho para a votação de
pautas conservadoras ou de viés autoritário, como a proposta do excludente de
ilicitude, instrumento que tornaria mais difícil punir policiais por
homicídios.
Baleia Rossi, por sua vez, tem se colocado como contraponto à Lira e a
Bolsonaro neste campo.
"Lira se comprometeu (na campanha) a colocar em votação pautas de
costume. Aquilo que ele se compromete ele tem que colocar em votação sob o
risco de perder o apoio dos parlamentares e acabar tendo uma vida muito curta
na presidência da Câmara", nota Antônio Queiroz, do Diap, em referência a
possibilidade de Lira, caso seja escolhido presidente da Câmara, poder tentar
um novo mandato em 2023, se for reeleito deputado em 2022.
Para a cientista política Talita Tanscheit, professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, a atuação conjunta de Lira com Bolsonaro pode
acelerar ainda mais o andamento de pautas conservadoras no Congresso.
"O que me parece que está em jogo é a velocidade da erosão
democrática no país. Talvez com o Baleia Rossi (na presidência da Câmara), a
gente possa dar uma freada nisso. Com o Arthur Lira, havendo uma coesão imensa
entre Executivo e Legislativo, aí você consegue acelerar essa marcha",
afirma.
Já Rodrigo Pacheco, líder na disputa no Senado, diz que sua presidência
na Casa vai priorizar pautas de "saúde pública, desenvolvimento social e o
crescimento econômico".
Ele se diz "definitivamente contra" o porte de armas, mas não
negou colocar em votação propostas relacionadas ao tema caso haja demanda por
parte dos senadores. "Essa e qualquer outra pauta", completou, segundo
a Agência Senado.
O antilavajatismo no Senado
Enquanto na Câmara, a disputa está polarizada entre um candidato
claramente alinhado com Bolsonaro e uma candidatura que busca se colocar como
independente, no Senado um terceiro elemento aparece como aglutinador de votos:
o sentimento anti-Lava Jato e a oposição a pautas defendidas pela principal
estrela da operação, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio
Moro.
Para Antônio Queiroz, do Diap, foi esse fator que afastou muito
senadores da candidata Simone Tebet — que integra o grupo Muda Senado, bloco
que reúne congressistas com forte discurso anticorrupção — e os levou a
apoiarem Rodrigo Pacheco, que tem o apoio do atual presidente da Casa, David
Alcolumbre (DEM-AP), e de Bolsonaro.
"Rodrigo Pacheco é um garantista. Temos muito respeito pela
senadora Simone, mas ela tem fortes vínculos com o Muda Senado, o lavajatismo e
o morismo", reconheceu ao portal Congresso em Foco o senador Humberto
Costa (PT-PE).
Afinado com a postura crítica de Pacheco à Lava Jato, o PT anunciou
apoio ao senador mineiro em 11 de janeiro. Depois, até mesmo o MDB desistiu de
apoiar a candidata de seu partido, que ainda assim decidiu se manter na disputa
como independente.
Com isso, Pacheco já tem o apoio de 11 partidos (DEM, MDB, PT, PDT,
Rede, PP, PSD, PSC, Pros, PL e Republicanos).
(BBC)
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