A liturgia da Semana passada me levou a refletir, mais profundamente, em todas as Missas que presidi, sobre tema que eu já vinha desenvolvendo nesse Comentário, sobre a Vocação Sacerdotal, afirmando e confirmando que o Sacerdócio é um serviço que se presta sem visar lucro ou vantagens materiais.
Cheguei a dizer que os Sacerdotes, ‘temos uma sólida formação teológica que nos mostra um Deus perto de
nós, que convive dia a dia conosco, que nos ajuda a libertar-nos de todo erro e
a levar o nosso povo a se libertar também’. Disse-lhes ainda que ‘quero continuar a ver a realidade que
nos cerca, julgá-la à luz da Palavra de Deus e levar todos a agirem
de acordo com a sua consciência’. Acrescentei que ‘foi assim que eu aprendi desde muito cedo, e agora, na minha
maturidade, ainda me sinto bem, em repassar para os outros’.
Meus ex-alunos que me leem agora, certamente,
recordam que seu velho professor, no início de cada aula, sempre dava um resumo
do que havia sido ensinado, até então/, para acrescentar o novo assunto que ia
dar. Faço a mesma coisa com os meus programas de rádio e celebrações.
Quando afirmei a pouco que ‘foi assim que eu aprendi desde muito cedo’
é porque eu tive, no Seminário de Olinda, os melhores Professores de Teologia e
sagrada escritura, sociologia e filosofia, História da Igreja e Direito
Canônico, todos empenhados em nos transmitir o que havia de melhor e mais
atualizado, bem como oferecendo as melhores bibliografias para completar os
estudos, já que não havia os recursos de Internet para pesquisar. Em tudo havia
o incentivo, o apoio e o profetismo do Arcebispo de Olinda e Recife, D. Helder,
a segurança do Reitor do Seminário, Pe. Marcelo Carvalheira e Professores
como Pe. Arnaldo Cabral, Newton Sucupira, Pe. Luís Sena, Ariano Suassuna,
Pe. Almery Bezerra, Vamireh Chacon, Pe. José Comblin, os Padres Irmãos Zeferino
e Zildo Rocha e tantos outros da maior competência.
Nossos cursos de Filosofia e Teologia nos
fizeram entender que tais Ciências não deveriam ser fechadas, difíceis de ser
atingidas e por fora das realidades. Ambas nos deveriam dar uma formação crítica
diante de nossa condição humana. Até então se falava de estudos teóricos para
as duas ciências, que nos levariam a uma prática, mais tarde, na Pastoral da
Igreja. Eram teorias, dissociadas da prática. Graças a Deus, veio para a
Arquidiocese de Olinda e Recife, o Arcebispo Dom Helder Câmara, que já era
conhecido, mundialmente, pela pregação que unia teoria à prática, palavra à
obra, oração à ação. Estávamos vendo nascer, a Ditadura Militar, com todos os
rigores que o regime nos impunha. Não havia oposição política ao Regime. Não
havia, na prática, quem se atrevesse a contestar. Dom Helder foi um dos primeiros
a ver, profeticamente, o trabalho da Igreja do lado dos mais fracos, dos
injustiçados e dos mais pobres. Unido a outros estudiosos da Filosofia e da Teologia,
de modo especial/, estimulando a equipe de formação do seu Seminário, em
Olinda, sugeriu a inserção de formadores e formandos no meio dos pobres, onde
melhor se descobria o Cristo Crucificado, para porem em ação, aquilo que,
teoricamente, iam aprendendo nas aulas do Seminário.
Na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e
no Regional Nordeste II da CNBB, apareceu um Grupo de Bispos Proféticos que,
corajosamente, defendia os Direitos Humanos, sob a opressão da ditadura
militar. Também Sacerdotes e leigos - muitos leigos – entenderam a necessidade
de serem Igreja, adotando uma Teologia mais aberta pra libertação
dos cativos e pobres.
Essa Teologia trouxe uma outra percepção do
que é “ser Igreja” numa hora em que o Brasil e a América Latina viviam momentos
de grande dureza. Ela nasceu, exatamente, da preocupação da Igreja com a pobreza
das grandes maiorias marginalizadas. Eis que surgem os Profetas da Igreja: D.
Helder Câmara, D. José Maria Pires, D. Antônio Fragoso, D. Francisco
Austregésilo, D. Pedro Casaldaliga, D. Paulo Evaristo e tantos outros que,
no Nordeste do Brasil ou em qualquer Regional da CNBB sentiram que a Missão da
Igreja é do lado dos pobres para ser libertadora e não assistencialista.
Entre os leigos cristãos estava o Professor Paulo Freire que instituiu um método libertador de alfabetização, expresso em duas de suas
obras clássicas: “Pedagogia do Oprimido” e “Educação como prática da
Liberdade”, baseadas no vocabulário cotidiano da realidade dos alunos. Citando
o Frei Leonardo Boff, ele dizia: “a
Teologia da Libertação não seria uma nova disciplina teológica, mas um novo
modo de fazer teologia, arrancando do inferno da pobreza/ e optando pelos
condenados da Terra”.
Apesar da grande novidade da Teologia
Libertadora que deveria ser ensinada e espalhada entre todos, houve Bispos,
sacerdotes e leigos que não a acataram e criaram problemas e mal entendimentos
entre governantes e governados. Mesmo
assim ela encontrou aceitação: com o Padre Gustavo Gutiérrez no Peru; Jon
Sobriño em El Salvador; Leonidas Proaño no Equador; Juan Luís Segundo no
Uruguai; o Santo Oscar Romero na Nicarágua e no Brasil: os primos Leonardo e
Clodovis Boff; Frei Betto; Frei Carlos Mesters; Pe. José Marins; Rubens Alves,
Hugo Assman, Pe. Libanio e o belga-brasileiro Pe. José Comblin, só para lembrar
alguns.
Nosso grande e estudioso Teólogo da
Libertação, Frei Leonardo Boff, responde àqueles que criaram problemas e
mal-entendidos na compreensão e na aceitação desta maneira de estudar, de ver e
aprofundar a Teologia, que “Marx não foi
nem pai nem padrinho da Teologia da Libertação. Foi o grito dos oprimidos do
Êxodo, foram os profetas bíblicos, foi a mensagem e a prática de Jesus e dos
apóstolos/ que estão na base desta Teologia”. É claro que uma visão dessas,
bem diferente daquela maneira tradicional de ensinar e aprender Teologia, só
podia causar o impacto que causou. Havia muita teoria a respeito de Deus.
Ele permanecia lá nas alturas. E eu vivia de amargura na terra do meu
Senhor. Cantava João do Vale em sua composição musical, “Carcará”,
mostrando a desigualdade entre a Teoria e a prática; isto é, os estudiosos, os
acadêmicos, os graduados lá em cima; longe da realidade, enquanto nós, os
pobres mortais, os sem terra, sem teto, moradores de rua, desempregados, vivendo
de sofrimento e amargura na terra do mesmo Deus que habitava longe de nós. Não
dava para nos entendermos, mesmo sabendo que o Filho de Deus já se tinha
tornado um de nós. Este é o grande impasse: a Teologia estava na Universidade,
na Academia, lá entre os grandes/, e o povo, os operários, os pequeninos,
abandonados. Não se entendiam. A Teologia da Libertação vem para unir as duas
realidades: a teoria à prática; a fé à obra; a oração à ação.
É este Deus que se fez homem, que viveu
conosco, que escolheu os pobres, os pequeninos, os desprotegidos pela sorte/,
que nos vem trazer o Deus que é Pai e o Espírito de Deus, que é a vida para nos
libertar de toda injustiça, do egoísmo, do mal e de todo o pecado. Somente o
Deus Libertador nos poderá fazer conviver, fraternalmente, como irmãos. Como ser contra uma Teologia ou a um conhecimento de Deus
bem mais perto de nós? Foi assim que estudei. Assim aprendi. É assim que
tenho catequizado. Vc. vai discordar?
(*Mestre e Doutor em Comunicação Social)
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