A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
enviou na sexta-feira (22/1) esclarecimentos pedidos pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre a Sputnik V, a vacina contra a covid-19 desenvolvida pela
Rússia.
O ministro Ricardo Lewandowski quer saber se a agência recebeu um pedido de uso emergencial do imunizante e, caso isso tenha acontecido, como está a análise e se há pendências.
Lewandowski é relator de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelo governo
da Bahia, que quer aplicar a Sputnik V na população, mas não pode fazer isso
por enquanto porque a lei não permite.
Uma medida provisória (MP) editada pelo governo federal no
início de janeiro regula a compra e uso de insumos e serviços relacionados à
imunização contra a covid-19 e prevê que só podem ser aplicadas vacinas
registradas pela Anvisa ou que tenham sido autorizadas para uso emergencial.
A agência só pode conceder permissão emergencial
para imunizantes registrados pelas agências dos Estados Unidos, da União
Europeia, do Japão, da China ou do Reino Unido. Esse não é o caso da Sputnik V.
O governo da Bahia questiona a constitucionalidade
destas regras e diz que elas atentam contra a dignidade humana e o direito à
saúde dos cidadãos e impedem o Estado de cumprir seu dever de tomar medidas
para reduzir o risco representado por uma doença.
Também argumenta que o objetivo da MP de garantir a
eficácia e segurança das vacinas pode ser alcançado com o uso de um imunizante
registrado por outras autoridades sanitárias de referência que não estão
previstas na lei.
E quer uma liminar para poder importar e usar
vacinas registradas por uma agência certificada pela Organização Panamericana
de Saúde (Opas), o braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) nas Américas.
O uso emergencial da Sputnik V já foi aprovado em
alguns países-membros da Opas, como Argentina, Bolívia, Venezuela e Paraguai,
mas não obteve um registro definitivo até agora em nenhum deles.
A farmacêutica União Química pediu a autorização
emergencial no Brasil em 15 de janeiro, mas a Anvisa não chegou a analisar o
assunto porque a empresa não apresentou os requisitos mínimos para uma
solicitação desse tipo.
Em meio ao impasse existe a grande expectativa em
torno das vacinas contra a covid-19, no momento em que o novo coronavírus já
infectou 96,5 milhões de pessoas no mundo e fez mais de 2 milhões de vítimas
fatais.
A situação é especialmente crítica no Brasil, não
só porque o país é o terceiro em número de casos e o segundo em óbitos, mas
também porque só há no Brasil até agora duas vacinas autorizadas para uso
emergencial pela Anvisa, a CoronaVac (Butantan) e a de Oxford/AtraZeneca
(Fiocruz), e a escassez de insumos para a produção de ambas gera dúvidas se
haverá doses suficientes no curto e médio prazo.
Isso tem levado os Estados e a iniciativa privada a
tentar comprar outras vacinas por conta própria, entre elas a Sputnik V.
Entenda a seguir o que se sabe até agora sobre ela.
Como funciona a Sputnik V?
Essa vacina usa uma tecnologia conhecida como vetor
viral não replicante, que já é pesquisada há décadas pela indústria farmacêutica
e é a mesma da vacina de Oxford.
Esse tipo de vacina usa outros vírus inofensivos
para simular no organismo a presença de uma ameaça mais perigosa e que se
deseja combater para gerar uma resposta imune.
No caso da vacina russa, ela é feita com adenovírus
que causam resfriados em humanos. Eles foram modificados para não serem capazes
de se replicar depois que entram nas células humanas.
Os cientistas inseriram neles as instruções
genéticas para a produção de uma proteína característica do novo coronavírus, a
espícula.
Uma vez injetados no organismo, eles entram nas
células e fazem com que elas passem a produzir e exibir essa proteína em sua
superfície.
Isso alerta o sistema imunológico, que aciona
células de defesa e, desta forma, aprende a combater o Sars-CoV-2, o que
protegerá uma pessoa se ela for infectada pelo vírus.
O que apontaram os testes feitos na Rússia?
As duas primeiras fases dos estudos clínicos
começaram na Rússia no final de junho, quando foi investigado se a vacina, que
é aplicada em duas doses, é segura e leva à produção de anticorpos. Cada fase
teve 38 participantes.
Publicados no periódico The Lancet, os resultados apontaram
que só foram registrados eventos adversos leves e nenhum grave, e que todos os
participantes desenvolveram uma resposta imunológica capaz de combater o
coronavírus e impedir a infecção por ele.
A Sputnik V foi aprovada nesses testes e partiu
para a terceira e última etapa do estudo, para verificar se ela realmente
conseguiria proteger contra a covid-19.
Essa fase 3 teve 22,7 mil voluntários. Os
cientistas concluíram que a vacina tem uma eficácia de 91,4%, de acordo com
um anúncio feito em dezembro.
A avaliação foi feita após serem confirmados 78
casos de covid-19 entre os participantes dos testes, dos quais 62 ocorreram no
grupo que recebeu placebo e 16 entre os que tomaram a vacina.
Os resultados ainda não foram publicados em um
periódico científico para que possam ser validados por outros cientistas.
Onde a vacina já foi aprovada?
Rússia: a vacina foi registrada em 11 de agosto, antes
mesmo da conclusão dos testes de eficácia. Foi a primeira no mundo a ser
aprovada por uma autoridade sanitária. Mais de 800 mil pessoas na Rússia já
foram imunizadas.
Belarus: foi a segunda nação do mundo a conceder um registro
para a vacina russa, em 21 de dezembro. A Sputnik V é aplicada na população
desde o final de dezembro. Há um acordo para viabilizar sua produção local.
Argentina: em 23 de dezembro, tornou-se o primeiro país
da América Latina a adotar a vacina russa, que recebeu uma permissão de uso
emergencial. Tem um acordo para o fornecimento de 10 milhões de doses.
Emirados Árabes: o uso emergencial foi aprovado em 21 de
janeiro, em meio à realização de testes de fase 3 no país. Os resultados não
foram divulgados, segundo a agência Reuters.
Hungria: o país deu uma autorização de uso emergencial à
vacina em 21 de janeiro. Foi o primeiro membro da União Europeia a fazer isso.
Turcomenistão: o uso emergencial foi autorizado em 18 de
janeiro, segundo autoridades russas.
Paraguai: é o país mais recente da América Latina a dar uma
autorização emergencial para a Sputnik V, no último dia 15.
Algéria: autoridades russas anunciaram em 10 de
janeiro que o país foi o primeiro do continente africano a permitir o uso
emergencial do imunizante.
Bolívia: o país aprovou o uso emergencial da Sputnik V
em 6 de janeiro e tem um acordo para o fornecimento de 5,6 milhões de doses.
Venezuela: o uso emergencial da vacina foi autorizado no
último dia 13. A expectativa é imunizar 10 milhões de pessoas com a Sputnik V,
dizem autoridades locais.
Palestina: o governo local conferiu o uso emergencial em 11 de
janeiro e espera receber o primeiro lote de doses em fevereiro.
Sérvia: o país autorizou o uso emergencial da vacina russa,
que já está sendo aplicada desde o início de janeiro.
E no Brasil?
O primeiro interesse na Sputnik V veio do Paraná,
que assinou em agosto uma acordo para o desenvolvimento da vacina, mas isso até
hoje não saiu do papel.
Um relatório da Assembleia Legislativa paranaense
apontou em dezembro que o Fundo Direto de Investimento Russo, que é
administrado pelo governo da Rússia e responsável pelo desenvolvimento da
vacina, reviu os planos de realizar estudos da vacina no Paraná após fechar uma
parceria com a União Química.
A empresa fez um pedido de uso emergencial da
vacina à Anvisa há uma semana, mas a agência disse que os requisitos mínimos
para que a solicitação fosse submetida e analisada não tinham sido alcançados,
entre eles já estarem sendo feito testes de fase 3 no Brasil para verificar a
eficácia do imunizante.
A União Química pediu autorização para fazer estes
testes em 29 de dezembro, segundo a Anvisa. Mas não foram enviados documentos e
informações suficientes.
A agência ainda aguarda que essas pendências sejam
resolvidas para se manifestar sobre os estudos clínicos.
Na quinta-feira (21/1), a empresa e a Anvisa
tiveram uma reunião, na qual os representantes da União Química apresentaram
informações e reafirmaram o interesse fazer os estudos e pedir a autorização de
uso emergencial.
"Novos documentos serão apresentados após uma
nova reunião técnica, que deve ser realizada em breve para avançar o processo
da vacina", disse a Anvisa em nota.
A União Química tem um acordo para o fornecimento
de 10 milhões de doses, fabricadas no Brasil, e que estariam disponíveis até o
final do primeiro trimestre deste ano. A produção já começou, segundo o fundo
russo.
Ao mesmo tempo, corre no STF a ação movida pelo
governo da Bahia, que tem um acordo para o fornecimento de mais 50 milhões de
doses. (BBC)
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