Está chegando ao fim o prazo de 120 dias para que o Grupo de Trabalho (GT) criado por Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, dê um parecer sobre a fusão entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
As reuniões acontecem desde 8 outubro de 2020, após Salles criar
o grupo por meio de medida provisória com o objetivo de acelerar a junção das
duas principais autarquias da área ambiental brasileira.
As reuniões acontecem desde 8 outubro de 2020, após Salles criar
o grupo por meio de medida provisória com o objetivo de acelerar a junção das
duas principais autarquias da área ambiental brasileira.
A portaria publicada pelo ministro prevê que os integrantes do GT vão averiguar
a “análise de sinergias e ganhos de eficiência em caso de fusão” entre os
órgãos.
Ainda que a criação do grupo crie um ambiente de discussão, atas obtidas
pelo Portal Eco mostraram
a ausência completa de representantes da sociedade civil e especialistas
ambientais nas reuniões.
Dos sete componentes, seis são militares. A exceção é Eduardo Bim,
presidente do Ibama. Entre os demais, cinco integram a Polícia Militar de São
Paulo e ocupam cargos nos órgãos ambientais e um é oficial da reserva do Corpo
de Bombeiros do Distrito Federal.
O coordenador do GT, por exemplo, é o secretário-executivo Luís Gustavo
Biagioni, Tenente-Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Em entrevista ao Brasil de Fato,
Denis Rivas, presidente da Associação Nacional dos
Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente (Ascema Nacional) critica a
fusão e aponta que a decisão dos militares em favor da junção já deve estar
tomada.
“Essas alterações de autarquias complexas geram uma paralisação nas
atividades das entidades. O próprio ICMbio, quando foi criado, levou dois anos
para ter o planejamento estratégico, para criar portarias e normativas
internas, que ficariam todas invalidadas a partir do momento que o órgão
deixasse de existir”, afirma Rivas, que também é servidor do ICMbio.
O Ministério Público Federal do
Amazonas investiga a falta de transparência do grupo e o
potencial de impacto da fusão na Amazônia. Uma audiência pública online sobre o tema foi
realizada nesta segunda (1) e contou com especialistas e servidores da área,
incluindo o presidente da Ascema.
“[A fusão] vai gerar uma paralisação na gestão ambiental pública. Vai
prejudicar tanto o trabalho do Ibama quanto do Instituto Chico Mendes. Tudo
indica que é essa de fato a intenção do governo. Criaram um grupo de trabalho
sem transparência, sem participação de especialistas, com a finalidade de
justificar a paralisação completa desses órgãos”, avalia Rivas.
Ele adiciona que a medida defendida por Salles fragilizará ainda mais a
execução de políticas de fiscalização de crimes contra o
meio ambiente, em um cenário que já é desastroso.
Os índices de queimadas, por exemplo, quebraram recordes em 2020. Relatório
da rede Observatório do Clima (OC) indica também que o orçamento proposto para
o Ministério do Meio Ambiente para este ano é o menor das duas últimas
décadas.
A junção das autarquias precisa de aprovação do Congresso Nacional, que
agora conta com a liderança de Arthur Lira
(PP-AL), apoiado por Jair Bolsonaro.
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato - Como a Ascema avalia a proposta de
fusão desses dois órgãos? A perspectiva é que de fato aconteça?
Denis Rivas - O Grupo de Trabalho é
composto só por policiais militares, não tem nenhum especialista. Tudo indica
que a decisão está tomada. As atas que foram publicizadas não refletem uma
discussão mais aprofundada e indicam que estão discutindo na verdade, a
extinção, tanto do ICMbio como do Ibama da maneira como nós conhecemos hoje.
Não existe nenhum estudo que embase qualquer tipo de economia que será
gerada. Acreditamos que não existe nenhuma economia possível nessa fusão
justamente porque as atividades são especializadas. Depois de 13 anos da
criação do Instituto Chico Mendes, já existem resultados muito profundos e não
tem como voltar atrás.
Nós temos praticamente cinco vezes mais visitantes de que quando foi criado o Instituto Chico Mendes. As áreas de Unidade de Conservação (UC) dobraram desde que ele foi criado. Os planos de ação nacional que avaliam as espécies ameaçadas de extinção, também aumentaram em seis vezes.
O risco é de um apagão geral nas instituições que executam a política de meio ambiente.
São resultados para os quais qualquer tipo de medida, de fusão, seria
uma tragédia. Pela experiência que temos, essas alterações de autarquias
complexas geram uma paralisação nas atividades das entidades.
O próprio ICMbio, quando foi criado, levou dois anos para ter o
planejamento estratégico, para criar portarias e normativas internas, que
ficariam todas invalidadas a partir do momento que o órgão deixasse de existir.
Vai gerar uma paralisação na gestão ambiental pública. Vai prejudicar
tanto o trabalho do Ibama quanto do Instituto Chico Mendes.
Tudo indica que é essa de fato a intenção do governo. Criaram um grupo
de trabalho sem transparência, sem participação de especialistas, com a
finalidade de justificar a paralisação completa desses órgãos.
A decisão já está tomada. Eles já estão acertando como dividir os cargos
dentro dessa nova instituição. Não temos nem garantia de que vai sobrar Ibama.
Por todo o cenário, o risco é de um apagão geral nas instituições que executam
a política de meio ambiente.
Uma mudança desse nível, mesmo que fosse uma fusão que mantivesse o
Ibama, já geraria uma incompatibilidade de portarias, normativas e políticas
internas que, a exemplo do que acontece na criação da Conciliação dos Autos de
Infração, que paralisou os julgamentos, e o próprio exemplo da criação do
Instituto Chico Mendes, que levou dois anos para estruturar sua política
interna, com participação dos servidores e de técnicos, tudo isso indica que
vai dar um apagão.
Tanto a gestão das Unidades de Conservação quanto o trabalho do Ibama
ficarão paralisados por um bom tempo.
O Ministério do Meio Ambiente está com o menor orçamento dos últimos 21
anos, o menor orçamento da história. Já estão sufocando o trabalho a partir do
orçamento. E a argumentação de que falta dinheiro não é verdadeira.
Vimos ontem a farra do dinheiro com a compra de votos para a eleição do
Arthur Lira. O Ministério da Defesa também teve aumento no orçamento no quesito
de investimento, cerca de R$ 2 bilhões a mais.
Por outro lado, as fontes de financiamento do Ibama e do ICMBio foram
sufocadas. Tínhamos o Fundo Amazônia, com doações da Noruega e da Alemanha, que
foi inviabilizado propositalmente pelo ministro.
O Joe Biden, novo presidente dos Estados Unidos, prometeu um fundo de U$
20 bilhões para proteger a floresta amazônica e auxiliar na gestão de áreas
protegidas no Brasil.
Não falta dinheiro no Brasil e no mundo para a conservação do meio
ambiente.
O que existe é uma proposta, uma visão ideologizada, de que não é
preciso proteger as florestas. Parece que não precisamos de água, que as terras
públicas estão à disposição para serem invadidas por grileiros.
Essa é a mentalidade do governo para simplesmente cortarem o
financiamento desses órgãos e alegar que não existe dinheiro.
É uma falácia, uma opção ideológica de acabar com a gestão técnica e
pública das áreas protegidas, da fiscalização ambiental e do licenciamento nos
últimos anos, o espelho da Constituição de 88.
A própria função exercida pelos órgãos é diferente, certo? Ao
juntá-los, cancela-se as prerrogativas para quais eles foram criados?
Perfeitamente. O Ibama já está com 32 anos e foi criado para cuidar
tanto do licenciamento ambiental, as grandes obras que precisam de avaliação de
impacto e eventualmente algum ajuste no projeto ou até mesmo sua
inviabilização, já que alguns projetos são inviáveis do ponto de vista
ambiental. E também realiza a fiscalização ambiental em nível federal e uma
ação supletiva nos estados.
Por exemplo, o Pará tem problemas gigantescos de garimpo, roubo de madeira
e roubo de terra pública mesmo. A fiscalização federal é muito importante
nessas áreas e também a gestão das Unidades de Conservação, que estava dentro
do Ibama até 2007.
Em 2007, no mandato do Luiz Inácio Lula da Silva, com a Marina Silva
como ministra do Meio Ambiente, criaram o Instituto Chico Mendes com a função
específica de gerenciar as áreas de Unidade de Conservação. Parques nacionais,
florestas nacionais, reservas extrativistas.
Esse órgão, hoje, tem 13 anos e já se especializou bastante e tem
resultados muito positivos para a sociedade. A proposta de voltar atrás
[extinguir o ICMbio] é incabível. Hoje, o Instituto Chico Mendes já é um
patrimônio da gestão ambiental pública e dos brasileiros.
Por isso que entendemos que é um retrocesso e que esse passo atrás vai
paralisar as duas instituições e funções que são importantíssimas na
implementação nas políticas de meio ambiente.
O ministro Ricardo Salles teria uma influência
maior neste novo órgão?
Não sabemos o que viria desse novo órgão. Ele como ministro já está
interferindo em tudo que está à disposição dele. O Instituto Chico Mendes está
tomado por policiais militares, toda a diretoria e presidência é composta por
PMs em São Paulo.
No caso do Ibama também todas as funções técnicas foram substituídas por
policiais militares. Ele já controla tudo isso e já paralisa as atividades
dessas instituições.
Não é à toa que estamos batendo recordes de desmatamento ano após ano. Em 2020, os números do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] mostraram que tivemos um aumento de 9,5% do desmatamento da Amazônia, totalizando 11 mil km².
Querem negar que estamos queimando e perdendo nosso patrimônio ambiental aceleradamente.
Por outro lado, a fiscalização ambiental está subordinada às Forças
Armadas por meio da decreto da Garantia da Lei e da Ordem, que eles chamaram de
GLO ambiental. Isso não tem surtido efeito nenhum a não ser um aumento nos
custos das operações porque as Forças Armadas são muito mais caras.
Um mês da garantia da Lei e da Ordem custa algo na ordem de R$ 60
milhões, o que equivale a um ano da fiscalização do Ibama. Os custos aumentaram
muito, mas estão sendo direcionado para o Ministério da Defesa, para as Forças
Armadas.
E o resultado que estamos obtendo é o aumento do desmatamento
porque eles não têm a experiência de localizar onde estão os desmatamentos em
curso. E não têm interesse também, porque cumprem ordens vindas da Presidência
de que não é para destruir maquinário. Que não é para ir onde o crime está em
curso.
A lei prevê que onde estiver crime em curso, desmatamento e maquinários
colocados em áreas remotas que colocam em risco a vida dos fiscais, a lei prevê
que os fiscais destruam aquele maquinário, o que gera um impacto direto nos
crimes ambientais. Cessa o dano naquele momento e o criminoso ambiental obtém
um prejuízo imediato.
E é isso que é a ordem presidencial para que não ocorra. Existem vídeos
do presidente Bolsonaro falando que não é pra queimar nada. Exatamente essa
experiência do Ibama que surtia os maiores e melhores efeitos na contenção dos
garimpos e dos desmatamentos.
Então, as consequências para a fiscalização dos
crimes ambientais e para a aplicação de multas serão enormes caso essa fusão
realmente aconteça?
Já são grandes e a tendência é piorar. Se eles continuarem insistindo
nessa estratégia equivocada que temos denunciado desde o começo desse governo,
só vamos ter resultados cada vez piores.
Eles tentaram sufocar diretamente na origem as informações, que foram
aqueles ataques feitos ao Inpe, que levou ao pedido de demissão do então
presidente Ricardo Galvão.
É tirar a transparência para que a sociedade não saiba que está tendo
recorde de desmatamento, recorde de queimadas. Querem negar que estamos
queimando e perdendo nosso patrimônio ambiental aceleradamente.
Essa é a estratégia desse governo. Assim como estão fazendo na pandemia,
tentando esconder as informações. Tentaram negar que era um caso grave, que
estávamos correndo sérios riscos. Eles apelam para um negacionismo louco. Não
tem outra palavra.
A figura da Conciliação Ambiental já paralisou o julgamento dos autos de
infração. Temos um risco sério de prescrição, nos próximos meses, de milhares e
milhares de multas.
Temos cerca de R$ 30 bilhões que poderiam ser executados no caso de um
julgamento correto no caso dos autos de infração que estão sendo paralisados
pela criação de uma figura que não existia antes, que é a Conciliação
Ambiental.
Esse instrumento poderoso de dissuasão dos crimes ambientais está sendo
inviabilizado.
Qual o impacto da fusão no trabalho dos servidores
da área ambiental?
A consequência para os servidores é verificar que seu trabalho de anos e
anos na gestão de Unidades de Conservação e na proteção do meio ambiente está
indo por água abaixo, nosso objeto de trabalho maior.
Desconheço um técnico ou analista que não seja apaixonado pelo seu
trabalho. E esse contexto é extremamente deprimente. É nossa maior dedicação. A
grande maioria inicia a carreira na Amazônia, abandona a família, mora sozinho
por anos e anos em locais novos.
Eu passei, por exemplo, sete anos em Rondônia. E a grande maioria dos
colegas também passaram bons anos nos estados amazônicos.
Ver tudo isso ir por água abaixo é extremamente desanimador, mas temos
tentado nos apoiar no diálogo constante com a sociedade, denunciando os
desmandos junto com as ONGs, movimento sociais e indígenas, para ganhar alguma
apoio, alguma força e na medida do possível, também barrar. Tem sido uma luta
inglória.
Qual imagina que seja a possibilidade real dessa
fusão ser aprovada pelo Congresso Nacional?
Não sabemos o que vai acontecer, mas imaginamos que o governo vai ter
facilidade. Lógico que o preço é altíssimo. O centrão cobra por tudo que
entrega.
Não sabemos o que vem por aí. Muito possível que se não tiver uma grande
mobilização social rejeitando todos esses desmandos, não só na área ambiental
mas também de saúde pública, eles vão conseguir aprovar essa medida de extinção
do ICMbio e Ibama.
Esse é o apelo. Se olharmos só a questão ambiental, não conseguimos
mobilizar muita gente. Mas o acúmulo de desmandos desse governo é imensurável.
São 225 mil mortos. Uma catástrofe humanitária está acontecendo no Brasil.
(Brasil
de Fato)
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