segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Uma década a menos de vida? Veja quanto se vive na média em sua cidade

Dentro do mesmo Brasil, um homem em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, chega a viver, em média, quase 10 anos a mais do que um em Itabuna, na Bahia. Uma mulher da mesma cidade gaúcha pode viver até sete anos além de uma moradora de Guarapuava, que fica apenas no Estado vizinho, o Paraná.

Normalmente, a expectativa de vida de um país é um indicador usado para dar uma ideia tanto da saúde de uma população quanto de outros fatores — econômicos e sociais — que tornam possível que homens e mulheres cheguem a determinada idade. No entanto, esse parâmetro esconde a imensa variabilidade que existe dentro de um mesmo país e de uma região.


É esse o objeto de um estudo publicado na revista Nature Medicine, que analisa a longevidade e as causas de morte em 363 cidades de nove países na América Latina, com dados até 2016.

Dentro dos países, as maiores variações de expectativa de vida para mulheres foram observadas no Brasil (6,4 anos) e no Peru (6,6 anos) e, para homens, no Brasil (8,6 anos) e no México (10,4 anos).

As maiores expectativas de vida foram encontradas em Panamá, Chile e Costa Rica (81 a 82 anos para mulheres e 75 a 77 para homens).

Em México, Brasil e Peru, estão as cidades com as menores expectativas de vida médias para mulheres (77 a 78 anos). Já os homens vivem menos, em média, em México, Brasil e El Salvador (71 anos).

Para cada país, no entanto, esse padrão varia de acordo com as regiões. No caso do Brasil, a expectativa de vida média aumenta do Norte para o Sul do país.

"Os padrões que encontramos não surpreendem as pessoas que conhecem o Brasil. Mas nos surpreendeu a magnitude da diferença. Esperávamos encontrar alguma diferença entre as cidades, mas não tanta", disse à BBC News Brasil Usama Bilal, pesquisador da Universidade de Drexel, nos Estados Unidos, e coautor do projeto Saúde Urbana na América Latina (Salurbal, na sigla em espanhol).

"Mesmo que as pessoas saibam que existem diferenças entre regiões, entender que há cidades em que as pessoas têm quase uma década menos de vida é algo poderoso. Se está na Constituição do país que todos têm direito à saúde, onde está esse direito diante de uma diferença como esta?", questiona.

Do que as pessoas morrem?

Além da expectativa de vida em anos, o grupo de pesquisadores também se debruçou sobre as principais causas de morte em cada uma das cidades.

"No Brasil, o padrão é quase como uma espiral. Começa com uma proporção maior de mortes por doenças transmissíveis no Norte, depois mais violência no Nordeste, mais doenças não infecciosas e cardiovasculares no Sudeste e mais câncer no Sul. Isso também segue, de certo modo, os padrões de nível sócio-econômico das regiões", explica Usama Bilal.

"Claro que aqui estamos falando de mortes totais, não estamos falando das causas específicas de tipos de câncer, que são variadas."

A proporção de mortes por câncer, de acordo com o estudo, é maior no Sul do Brasil, no Chile e nos pampas argentinos. As não infecciosas são maiores no Sudeste brasileiro e nas regiões Norte e central do México.

"Para que uma pessoa chegue a morrer de câncer, tem que viver mais tempo e não ter morrido de outras causas. Parte do que estamos vendo aqui é isso, e é também por isso que é o padrão no Sul do Brasil, onde há melhores indicadores de qualidade de vida e maior expectativa de vida, em geral", afirma o pesquisador.

No Brasil, Bento Gonçalves (RS), Florianópolis (SC), Brusque (SC) e Birigui (SP), são as cidades onde homens e mulheres vivem mais anos.

Em todas elas, as proporções de morte por câncer são superiores a 20% e os de doenças não infecciosas — que incluem muitas das crônicas, autoimunes e cardiovasculares — são superiores a 50%.

 

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O impacto da violência

Os índices de morte por violência são os que tendem a marcar a diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres.

De um modo geral, diz o pesquisador, cidades com maior proporção de mortes violentas costumam ter expectativa de vida mais baixa para o sexo masculino.

Nas cidades latinas analisadas, a proporção de mortes violentas de mostrou mais alta no Norte e no Nordeste do Brasil, na região Sul do México e na Costa do Pacífico na Colômbia.

Mesmo que a violência afete mais os homens, no entanto, as cidades mais violentas também tendem a ter uma expectativa de vida mais baixa para as mulheres, segundo o estudioso.

A cidade de Parauabebas, no Pará, é um exemplo. Ela tem a quinta menor expectativa de vida para homens (67,3 anos, em média) e a terceira para mulheres (75,9). Seu índice de mortes por violência é um dos maiores do Brasil, quase 19%.

"Sabemos que a violência também afeta as mulheres, mesmo que não afete tanto quanto aos homens. E ainda há o fato de que, muitas vezes, os feminicídios não são adequadamente registrados. Isso às vezes torna mais difícil compreender o impacto da violência na vida das mulheres", diz Usama Bilal.

Na categoria, estão agrupados diversos tipos de eventos, como acidentes de trânsitos, quedas, mortes por overdose. Mas também possíveis mortes violentas que não foram classificadas como tais.

"Um padrão que observamos em alguns países é que certas mortes violentas acabam, em alguns lugares, classificadas como acidentes. No Brasil, observamos que as cidades com muitas mortes violentas também tendem a ter muitas mortes por acidentes. Parauabebas é um exemplo disso", esclarece o pesquisador.

O grupo de pesquisadores disponibilizou todos os dados para download e análise, mas ele aconselha a não focar, ao menos inicialmente, nas cidades que representam os extremos de cada categoria. Por isso, os gráficos desta reportagem comparam cidades consideradas como representativas de cada região.

"Tentamos não nos centrar tanto nos extremos por causa do fenômeno da subnotificação de mortes, que ocorre em muitos países e regiões de cada país. No Brasil, esse problema é bem menor do que em outros, como o Peru, mas ainda existe", diz.

Como usar os dados para gerar mudanças

O mapeamento de expectativas de vida e causas de morte, porém, é apenas uma pequena parte do projeto Salurbal.

Os pesquisadores pretendem entender como o acesso a determinados serviços básicos como saneamento, educação e moradia impacta a vida dos cidadãos em cada um desses lugares — ao ponto de poder dizer, no futuro, quantos anos cada um desses serviços adiciona ou subtrai de sua expectativa ao nascer.

Até o momento, o estudo indica que viver em áreas menos aglomeradas, com mais acesso a água e saneamento e maior nível educacional são fatores associados com uma menor proporção de mortes por doenças infecciosas, maternais, neonatais e nutricionais, e uma maior proporção de mortes por câncer, doenças cardiovasculares e não infecciosas.

Ou seja, as pessoas com melhores condições de vida, em geral, tendem a viver mais e a morrer proporcionalmente mais de doenças que atingem pessoas mais velhas.

"É importante deixar claro que a composição das mortes em regiões com mais acesso a serviços está mais desviada na direção do câncer e das doenças não infecciosas. E nas onde há menor acesso a serviços, está mais desviada na direção das doenças infecciosas. Mas isso não significa que haja mais mortalidade por um ou por outro. Significa que entre quem está morrendo, a proporção dos que morrem por essas doenças é maior", explica o pesquisador.

O estudo continua até 2023, analisando dados mais recentes e incluindo mais cidades no México e na Nicarágua.

Também avaliará os resultados de intervenções específicas do poder público em cidades como Belo Horizonte, no Brasil, e outras, em outros países, para melhorar o acesso a serviços básicos em bairros pobres, para saber qual o impacto dessas iniciativas.

"Também estamos avaliando impactos da contaminação ambiental, da disponibilidade de transporte e outros. Nossos resultados até agora mostram que muitos dos fatores que interferem na expectativa de vida são modificáveis e poderiam ser suscetíveis a políticas urbanas", afirma.

Atualmente, 55% da população mundial vive atualmente em áreas urbanas, mas esse percentual deve chegar até cerca de 70% em 2050, segundo a ONU.

Por isso, considera o pesquisador, é cada vez mais importante entender como fazer com que as cidades podem ser saudáveis para as pessoas.

"Há cidades com 1% de morte por violência e outras com 20%. É uma diferença enorme. Precisamos entender por que isso acontece. E dentro de cada cidade também há muitas cidades. Dentro do Rio, de São Paulo, de Belo Horizonte, há diferenças nas expectativas de vida dos cidadãos de cada bairro. O direito à saúde para todos também não está sendo cumprido dentro delas." (BBC)

 

 


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