sexta-feira, 18 de junho de 2021

DE OLHO NA LÍNGUA - Prof. Antônio da Costa - Sobral-CE - 19.06.21)

A PODEROSA BALZAQUEANA DEIXOU MUITA JOVENZINHA MORRENDO DE INVEJA

Afinal, é balzaqueana ou balzaquiana (-eana ou -iana)? Frase correta: A poderosa balzaquiana deixou muita jovenzinha morrendo de inveja. O sufixo “-eano”, com sua variante “-iano”, tinha um significado básico de “lugar de procedência”, de “origem”: Doce serrano, autores italianos, monges tibetanos. Com o tempo, passou a indicar também a procedência de uma ideia, a partir do nome de um autor ou de movimento intelectual: soneto camoniano, ideal republicano, Igreja Anglicana.

Sua definição semântica, como vemos, é muito simples; o problema é sua representação gráfica. É aí é que as pessoas encontram problemas - e com toda razão. Basta examinarmos uma lista de palavras com esse sufixo para perceber o quanto o quadro parece confuso, ao lado de formas simples.
Em “-ano” (tebano, curitibano), encontramos vocábulos em “-eano” (coreano, montevideano) e em “-iano” (machadiano, açoriano).

Um ator especializado em peças de Shakespeare é shakespeareano ou shakespeariano? Aquela apresentadora é uma charmosa balzaqueano ou balzaquiana? Quem nasce no Acre e acreano ou acriano?

Em benefício da grande maioria de nossos leitores, que não são especializados em linguística, vou passar ao largo das questões teóricas de morfologia e de fonologia envolvidas nessas derivações e tratar de estabelecer uma distinção prática para o emprego das duas formas.

Quando usar “-eano”? Comparando-se a desproporcional ocorrência das duas formas, fica muito mais fácil para nosso leitor tomar “-iano” como forma normal e “-eano” como forma excepcional, colocando de maneira simples. Use sempre “-iano”, a não ser nos poucos casos em que vai ter de usar “-eano”.

E que casos são esses? Principalmente aqueles em que o “e” está na sílaba tônica, fazendo parte, portanto, do radical ou do vocábulo primitivo: Taubaté+ano = taubateano; Galileu+ano = galileano.

Os dicionários trazem poucos exemplos além desses: Bruneano (Brunei), borneano (Bornéu), coreano (Coréia), daomeano (Daomé), gouveano (Gouvea), guaxupeado (Guaxupé), guineano (Guiné), lineano (Lineu), mallarmeano (Mallarmé), montevideano (Montevidéu), nazareano (Nazaré), pompeano (Pompéia), tietano (Tietê), traqueano (traqueia), entre outros.

Quando usa “-iano”? Todos os demais vão apresentar a forma “-iano”, que se acrescenta diretamente ao radical ou depois da queda da vogal temática: bachiano (Bach), balzaquiano (Balzac), bilaquiano (Bilac), bocagiano (Bocage), freudiano (Freud), machadiano (Machado), mozartiano (Mozart), borgiano (Borges), drummondiano (Drummond), poundiano (Pound), rosiano (Rosa), sartriano (Sartre), skakespeariano (Shakespeare), veneziano (Veneza), entre muitos outros.

Costuma-se ver lógica booleana (de Boole), mas os especialistas não a consideram correta, preferindo ‘booliano’,  como fazem Aurélio e Houaiss. O caso mais comentado é “acriano”. O sempre respeitado Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editada em 1943, pela Academia Brasileira de Letras - geralmente referido pela sigla PVOLP - registra como acreano o gentílico do Acre, numa evidente contradição com os princípios que defendia. 

Celso Luft chamou isso de “erro ginasiano”; Aurélio, mais diplomático, diz que é uma variante “menos boa”. No Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (conhecido como VOLP), que é bem mais recente, a Academia continua a registrar “acreano”, mas remete (indicando, portanto, sua preferência) para “acriano”. Houaiss é definitivo: é acriano. Que assim seja. Ah, em tempo: A personagem da foto era balzaquiana.


(*) Professor Antônio da Costa é graduado em Letras Plenas, com Especialização em Língua Portuguesa e Literatura, na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É, também, servidor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Sobral. Contatos: (088) 99868-2517.

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