Uma série de
entidades, grupos políticos e pelo menos 11 partidos estão trabalhando para
reunir a argumentação dos mais de 120 pedidos de impeachment contra o
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em um único pedido — que foi apelidado
de "superimpeachment".
O novo texto será um pedido de impeachment normal, apenas reunindo em um só documento pelo menos 24 atos cometidos pelo presidente que a oposição considera se tratarem de crimes de responsabilidade.
O
"superimpeachment" deve ser protocolado na Câmara dos Deputados nesta
quarta (30), segundo as entidades organizadoras.
Entre elas estão a Frente Povo Sem Medo, liderada pelo MTST; a Frente Brasil Popular, grupos sindicais como a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a Apeoesp (dos professores de São Paulo) e a Asfoc (dos trabalhadores da Fiocruz); e entidades como a Coalizão Negra por Direitos, a UNE e o movimento Acredito. Também participam da iniciativa ao menos 11 partidos: PT, Psol, PCdoB, PDT, PSB, UP, PCO, Rede, PSTU, PCB e Cidadania.
Além do novo pedido, há uma campanha de
pressão para sua aprovação com participação de movimentos como o Agora!, Livres
e 324 Artes; a Bancada Ativista; o Instituto Marielle Franco e até grupos
religiosos, como o Cristãos Contra o Fascismo.
Mas qual o
peso desse novo pedido em um cenário em que já há mais de 120 pedidos feitos
que não foram levados adiante? E quais as chances de um impeachment de
Bolsonaro se concretizar?
Novo escândalo fortalece pedido
A oposição já
trabalhava para reunir os diversos argumentos dispersos nos pedidos existentes
em um novo documento quando o escândalo da compra da vacina Covaxin estourou
neste mês.
O servidor do
Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda disse à CPI da Covid que ele e seu
irmão, o deputado Luis Carlos Miranda (DEM-DF), avisaram o presidente Jair
Bolsonaro sobre suspeitas de irregularidades no contrato de compra da
vacina Covaxin, da farmacêutica indiana Bharat Biotech. O preço acordado pelo
governo brasileiro, de US$ 15 por vacina (R$ 80,70), ficou muito acima do
inicialmente previsto pela empresa, de US$ 1,34 por dose. O gasto total do
Brasil seria de R$ 1,6 bilhão.
Além disso, o
servidor enxergou como suspeito o fato de a empresa Madison Biotech, uma
offshore com sede em Cingapura, ter sido apontada como destinatária dos
pagamentos, mesmo não sendo mencionada no contrato.
Segundo os
irmãos, Bolsonaro não teria tomado nenhuma atitude contra o problema, que teria
o envolvimento do líder do governo no Congresso, Ricardo Barros (PP-PR).
Se
comprovado, isso poderia configurar prevaricação por parte do
presidente - quando um funcionário público indevidamente não pratica um
ato por interesse próprio (no caso, a falha em denunciar e agir contra o
suposto esquema).
Tanto o
governo quanto o deputado negaram qualquer envolvimento em irregularidades.
Segundo cientistas políticos
ouvidos pela BBC, o escândalo adiciona ao "superimpeachment" um fato
novo e bastante forte, que não estava presente em pedidos anteriores, mas isso
pode não ser suficiente para levar a um impeachment de fato — ainda que cause
mais desgaste ao governo Bolsonaro.
"Ainda
trabalhamos com um cenário muito parecido com o anterior, apesar das novas
denúncias. O sistema político ainda não digeriu a denúncia. Ela tem obviamente
um potencial de degradação da presidência, mas ainda não identificamos um
movimento de debandada dos parlamentares da base", afirma cientista
político Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da
consultoria de risco político Dharma.
Assim como os
outros pedidos, para ser aprovado o "superimpeachment" precisa ser
colocado em votação pelo presidente da Câmara dos Deputados - atualmente o
deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), aliado do governo. Depois precisa ter
o voto de pelo menos dois terços da Câmara para ser enviado ao Senado, onde
precisa ser aprovado por maioria simples.
No momento,
explica Souza, Bolsonaro tem base de apoio suficiente no Congresso para evitar
essa aprovação.
Ou seja,
mesmo que Arthur Lira cedesse à pressão para colocar o pedido em pauta no atual
cenário, o pedido poderia acabar sendo negado pelos congressistas em votação. É
o que avalia também o constitucionalista Wallace Corbo, professor de direito da
Fundação Getúlio Vargas (FGV).
"Se ele
(Lira) coloca esse impeachment em votação e não tem maioria, na verdade ele vai
matar o impeachment", afirma Corbo.
"O atual
cenário ainda não me parece um cenário em que o impeachment seja o mais
provável", afirma o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências
Consultoria. "Mas, de qualquer modo, traz um novo elemento para os
trabalhos da CPI da Covid e alimenta a mobilização oposição, materializada
nesse 'superimpeachment'."
Pressão
popular
A expectativa
dos organizadores do "superimpeachment" é que o novo escândalo da
Covaxin, desdobramentos da CPI da Covid e protestos populares contra o governo
exerçam pressão suficiente sobre os parlamentares alinhados ao governo para
gerar uma mudança de cenário.
Para o
cientista político Sergio Praça, professor da FGV, no entanto, essa pressão só
será suficiente se tiver adesão de mais setores populares que no momento apoiam
o presidente.
"O que a oposição precisaria
fazer para derrubar Bolsonaro é provocar forte queda da popularidade do
presidente. Nenhum presidente com mais de 20% de apoio popular (como tem
Bolsonaro) sofre impeachment. Bolsonaro até pode ser o primeiro, mas é muito
difícil", avalia Praça.
"Mas sou
cético em relação a essa possibilidade de mudança. Se até agora a pessoa ainda
avalia o governo Bolsonaro como ótimo ou bom, não vai ser um escândalo (como o
da Covaxin) que vai mudar sua opinião", diz o cientista político. "O
centrão vai desembarcar? Para esse desembarque seria preciso um vídeo de
Bolsonaro colocando dinheiro em uma mala, e ainda assim tenho minhas
dúvidas."
"A
questão central é em que momento a manutenção do atual governo deixa de ser
funcional para essa maioria legislativa, que conseguiu ter ganhos bem
relevantes nos últimos tempos em termos de recursos, emendas parlamentares
etc.", diz Rafael Cortez, da Tendências.
'Corrida
contra o tempo'
Sérgio Praça
aponta ainda um fator que pode atrapalhar o desejo da oposição por um
impeachment: a proximidade cada vez maior das eleições de 2022.
"O tempo
o joga contra o impeachment, a gente já está em julho de 2021, processo demora
de três a quatro meses. É lento mesmo e tem que ser, é preciso dar o direito de
defesa", afirma Praça.
Para as
entidades organizadoras do "superimpeachment", o atual momento é a
"hora da corrida".
"Se a
gente não conseguir neste semestre, depois entramos em ano eleitoral e o
impeachment fica muito difícil. Essa agora é a reta final da pressão", diz
um representante do movimento Acredito.
Apesar dos
especialistas estarem céticos quanto a possibilidade do presidente vir a ser de
fato impedido no momento, eles afirmam que o "superimpeachment" é
bastante relevante no atual cenário político e reforça o desgaste que o governo
já vinha sofrendo diante da crise política, da crise sanitária e da crise econômica.
O professor
de direito Wallace Corbo afirma que o novo pedido facilitaria o processo caso
houvesse vontade política de fazer o impeachment andar.
"Ele
facilita no sentido de que, ao concentrar vários crimes, permite uma visão mais
abrangente dos atos do presidente", afirma Corbo. "De forma que os
senadores teriam muito menos necessidade de fazer uma ginástica interpretativa
para saber se o presidente cometeu ou não crime de responsabilidade, como
aconteceu no caso da ex-presidente Dilma."
Segundo Corbo, do ponto de vista
jurídico não faltam elementos para o processo andar.
"Os
elementos jurídicos para a configuração de crime de responsabilidade já estão
presentes, seja no campo da saúde, na condução da pandemia, seja no uso dos
recursos públicos ou na violação da separação entre os poderes", diz ele.
"Agora depende de dois fatores: se os congressistas em geral vão querer ou
investigá-los se a oposição consegue fazer com que esses atos sejam
suficientemente demonstrados."
Além disso,
segundo o cientista político Rafael Cortez, o tipo de pressão exercido pelos
pedidos de impeachment — e reforçado pelo novo — já tem um efeito forte no
governo.
"O risco de interrupção do mandato vai estar presente até o final da atual gestão e já vem condicionando as ações do governo desde que começou a haver uma rejeição maior a Bolsonaro. Isso culminou numa tentativa de fazer uma coalizão desenhada muito mais para manutenção do mandato do que para avançar uma agenda liderada pelo Poder Executivo", diz Cortez.
(BBC)
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