Um contingente estimado em 150 mil soldados russos está
posicionado próximo à fronteira da Ucrânia. O que vier a acontecer em seguida
pode colocar em perigo toda a estrutura de segurança da Europa.
1. Putin ordenou mesmo uma invasão?
O presidente russo enviou as chamadas tropas de
manutenção da paz, mas poucos acreditam que elas estão lá para
manter a paz. O primeiro-ministro da Austrália diz que a ideia é absurda e um
general ucraniano disse que está claro que se trata de tropas normais.
Putin ignorou um acordo de paz com a Ucrânia reconhecendo a
independência de duas áreas do leste ocupadas por rebeldes apoiados pela Rússia
em 2014.
Naquele ano, a Rússia invadiu pela primeira vez a Ucrânia, um país
de 44 milhões de pessoas, tomando e anexando sua região sul da Crimeia.
O presidente americano, Joe Biden, alerta que o líder russo vai
atacar "nos próximos dias" e as mais recentes imagens de satélite
mostram forças russas posicionadas entre 15 e 30 quilômetros da fronteira.
O conflito de oito anos na região de Donbass, no leste da Ucrânia,
nunca terminou, e a Rússia pode enviar mais tropas para essas regiões
separatistas. Mas teme-se que a Rússia vá além disso: o país tem mais de 150
mil soldados posicionados perto das fronteiras da Ucrânia.
Até agora, o presidente russo ameaçou "apropriadas medidas
técnicas militares de retaliação" se suas exigências de "garantias de
segurança" do Ocidente não forem atendidas.
Putin disse que a Ucrânia será responsável por mais derramamento
de sangue se o país não interromper as hostilidades.
Mas já houve uma série de incidentes falsos na região e qualquer
um deles pode ser usado como pretexto para um ataque. Quando os líderes
rebeldes ordenaram a evacuação de civis alegando que uma ofensiva ucraniana era
iminente, descobriu-se que um vídeo fazendo um apelo havia sido pré-gravado
dois dias antes.
2. Por que a Rússia ameaça a Ucrânia?
Há muito tempo que a Rússia resiste aos movimentos da Ucrânia de
aproximação com instituições europeias, tanto a Otan como a União Europeia.
A principal demanda de Moscou agora é para que o Ocidente garanta
que a Ucrânia não se tornará membro da Otan, uma aliança militar que reúne 30
países.
A Ucrânia faz fronteira com a União Europeia e a Rússia. Além de
ser uma ex-república soviética, o país tem laços sociais e culturais com a
Rússia, e o russo é amplamente falado por ucranianos.
Desde que a Rússia invadiu o país em 2014, porém, as relações
deterioraram-se.
Quando os ucranianos depuseram seu presidente pró-Rússia no início
de 2014, Moscou anexou a península da Crimeia, no sul da Ucrânia, e apoiou
separatistas que capturaram duas grandes províncias no leste do país. Desde então,
os rebeldes têm lutado contra as forças ucranianas, num conflito que já deixou
mais de 14 mil mortos.
A Rússia tem reclamado que um acordo de paz para o leste da
Ucrânia, assinado em 2015, está longe de ser completamente implementado. Mas o
governo russo também é acusado de ser parte do duradouro conflito. Na
segunda-feira, dia 21, Putin anunciou que decidira reconhecer as repúblicas
separatistas de Luhansk e Donetsk, o que desrespeitaria o acordo de 2015, além
de potencialmente agravar a atual crise.
3. Por que o reconhecimento de áreas rebeldes é perigoso?
Até agora, as chamadas repúblicas populares de Donetsk e Luhansk
eram administradas por representantes russos. O decreto de reconhecimento de
Putin permite que a Rússia construa bases militares.
Ao colocar tropas russas em uma área com centenas de violações
diárias do cessar-fogo, o risco de uma guerra aberta se torna muito maior.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou o
reconhecimento da independência da Rússia como uma violação da integridade
territorial e da soberania da Ucrânia. O Ocidente diz que é uma violação do
direito internacional.
Dois acordos de paz de Minsk de 2014-15 destinados a acabar com o
conflito teriam dado aos rebeldes um status especial dentro da Ucrânia. Os
acordos nunca foram cumpridos, mas as negociações ainda estavam em andamento,
com França e Alemanha envolvidas nelas. Mas agora as negociações parecem ter
fracassado.
A Rússia já havia preparado o terreno para o reconhecimento dos
rebeldes, com acusações infundadas de que a Ucrânia havia cometido
"genocídio" no Leste. A Rússia distribuiu cerca de 700 mil
passaportes em áreas controladas por rebeldes, para que possa argumentar depois
que qualquer ação militar terá como objetivo proteger seus próprios cidadãos.
4. Até que ponto a Rússia está disposta a agir?
Grande parte da atenção está no Leste da Ucrânia, onde poderá
haver em breve uma invasão de tropas russas.
Mas Biden alertou: "Acreditamos que eles terão como alvo a capital
da Ucrânia, Kiev, uma cidade de 2,8 milhões de pessoas inocentes".
Embora Moscou tenha insistido anteriormente que "não há
invasão russa", a Rússia poderia mobilizar tropas na Crimeia, Belarus e ao
redor das fronteiras orientais da Ucrânia.
Em tese, a Rússia poderia tentar varrer a Ucrânia pelo Leste,
Norte e Sul e tentar remover seu governo democraticamente eleito.
Mas a Ucrânia aumentou suas Forças Armadas nos últimos anos e a
Rússia enfrentaria uma população hostil.
O Chefe do Estado-Maior do Exército dos EUA, Mark Milley, disse
que a escala das forças russas significaria um cenário "horrível" com
conflito em áreas urbanas densas.
O presidente russo tem outras opções: uma zona de exclusão aérea,
um bloqueio de portos ucranianos ou a transferência de armas nucleares para a
vizinha Belarus.
Ele também poderia lançar ataques cibernéticos. Os sites do
governo ucraniano ficaram fora do ar em janeiro e dois dos maiores bancos da
Ucrânia foram atingidos em meados de fevereiro.
5. Até onde o Ocidente pretende ir pela Ucrânia?
Os EUA e outros aliados da Otan deixaram claro que não têm nenhum
plano de enviar tropas de combate para a Ucrânia, mas estão oferecendo apoio,
na forma de conselheiros, armamentos e hospitais de campanha.
Quatro unidades de combate, num total de 5 mil soldados, foram
enviadas aos países Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) e à Polônia. Outros
4 mil soldados poderiam ser enviados a Romênia, Bulgária, Hungria e Eslováquia.
A outra ferramenta a ser usada são sanções, caso a Rússia invada.
O líder da Ucrânia acusou o Ocidente de adotar uma política de apaziguamento e
afirma que sanções deveriam ser impostas contra Moscou imediatamente.
Os EUA prometeram mirar as instituições financeiras da Rússia e
setores-chave da economia. A União Europeia diz que limitará o acesso russo a
mercados financeiros, e o Reino Unido alertou que "aqueles no Kremlin e em
seu entorno não terão onde se esconder", com restrições impostas a
empresas russas que tentem acessar o dólar americano ou a libra britânica.
Uma ameaça-chave é impedir na Alemanha a abertura do gasoduto Nord
Stream 2, da Rússia. A infraestrutura está concluída, mas ainda não
foi aprovada pelo órgão regulador da Alemanha.
O mais duro golpe econômico seria desconectar o sistema bancário
da Rússia do sistema de pagamento internacional Swift. Isso, no entanto,
poderia impactar negativamente as economias dos EUA e da Europa.
6. O que Putin quer?
A Rússia já falou de um "momento da verdade" no
reposicionamento de suas relações com a Otan e destacou três exigências.
Primeiro, quer uma promessa sustentada legalmente de que a Otan
não expanda além de sua composição atual. "Para nós, é absolutamente
mandatório garantir que a Ucrânia nunca, jamais se torne um membro da
Otan", disse o vice-ministro das Relações Exteriores russo, Sergei
Ryabkov.
Putin reclamou que a Rússia "não tem mais para onde recuar —
eles acham que vamos simplesmente ficar sentados?"
No ano passado, o presidente russo escreveu um longo artigo
descrevendo russos e ucranianos como "uma nação". Ele descreveu o
colapso da União Soviética, em dezembro de 1991, como a "desintegração da
Rússia histórica" e considera que os atuais líderes ucranianos estão
implementando um "projeto anti-Rússia".
Putin também argumentou que, se a Ucrânia entrar na Otan, a
aliança pode tentar recapturar a Crimeia.
Suas outras demandas são de que a Otan não posicione "armas
de ataque perto das fronteiras da Rússia" e que remova forças e
infraestrutura militar de Estados-membros que entraram na aliança depois de 1997.
Isso inclui países da Europa Central, do Leste Europeu e dos
Bálticos. Na verdade, a Rússia quer que a Otan volte a suas fronteiras de antes
de 1997.
7. O que diz a Otan?
A Otan é uma aliança de defesa com uma política de portas abertas
a novos integrantes, e seus 20 Estados-membros são taxativos de que isso não
mudará.
O presidente da Ucrânia pediu por "prazos claros e
factíveis" para seu país se juntar à Otan, mas não existe possibilidade de
que isso ocorra por um bom tempo, como deixou claro o chanceler da Alemanha,
Olaf Scholz.
A ideia de que qualquer membro atual da Otan desistiria de sua
participação no bloco é inimaginável. Entretanto, na visão de Vladimir Putin, o
Ocidente prometeu em 1990 que a Otan não expandiria "nenhuma polegada na
direção do Oriente", mas fez isso assim mesmo.
No entanto, isso foi antes do colapso da União Soviética, então a
promessa feita para o então presidente soviético, Mikhail Gorbachev, referia-se
apenas à Alemanha Oriental no contexto de uma Alemanha reunificada.
Gorbachev disse mais tarde que "o tema da expansão da Otan
nunca foi discutido" na época.
8. Existe uma solução diplomática?
Ainda ocorrem esforços diplomáticos, mas um acordo teria de cobrir
tanto o conflito no leste da Ucrânia como as questões mais amplas de segurança
em que a Rússia insiste.
Negociações em torno do conflito têm sido realizadas, envolvendo a
Rússia, a Ucrânia, a França e a Alemanha, sobre a recuperação dos acordos de
paz de Minsk de 2014 e 2015 - mas não tiveram resultado. A Ucrânia acredita ter
cedido demais à Rússia e aos separatistas na época. Putin disse ao líder
ucraniano, em uma de suas interações sobre a questão, que, "goste ou
não", ele "teria que aceitar".
Entretanto, a decisão russa, anunciada no dia 21, de reconhecer as
repúblicas separatistas do leste da Ucrânia também deixa dúvidas sobre as
chances de um diálogo, pois afetaria os acordos de Minsk.
A Rússia quer um tratado com os EUA proibindo a instalação de
armas nucleares além de seus territórios nacionais. Os EUA ofereceram conversas
iniciais sobre limitar mísseis de curto e médio alcances, assim como um novo
tratado sobre mísseis intercontinentais.
Embora a Rússia não tenha mostrado muito entusiasmo com a resposta do Ocidente a suas principais demandas, o país tem se mostrado positivo na direção de um "mecanismo de transparência" para verificações mútuas em bases de mísseis - duas na Rússia e duas na Romênia e na Polônia.
(BBC)
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