O apelo
de Huck era em si o resumo do tom da 8ª edição da Brazil Conference, que juntou
os cinco postulantes à terceira via nas eleições presidenciais de 2022 — Sergio
Moro (União Brasil), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB) e
Eduardo Leite (PSDB) — além do próprio apresentador, que anunciou no ano
passado sua desistência da corrida eleitoral. Nenhum desses nomes conseguiu,
até agora, superar os 10% de intenção de votos nas diferentes sondagens
eleitorais este ano.
Diante
de um eleitorado que, em 2018, deu quase 80% dos votos a Bolsonaro ainda no
primeiro turno (e 87% no segundo, contra 13% para o petista Fernando Haddad),
parte da elite financeira e intelectual do país tentava rascunhar uma
candidatura viável e alternativa a Lula (PT), atual primeiro colocado nas
pesquisas, e Jair Bolsonaro, que, em segundo, tenta a reeleição pelo PL.
E, na
impossibilidade desse caminho alternativo, se preparavam para, nas palavras de
um dos representantes dos patrocinadores na plateia, "tampar o nariz e
votar no Lula mesmo".
'Novo
presidente no ano que vem'
"Estamos
em meio a um processo eleitoral e teremos um novo presidente no ano que
vem", disse o empresário e bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann, nos
últimos segundos de sua participação na Brazil Conference, ao dizer que nos
próximos 12 meses espera ver mudanças no país.
"Meu
objetivo básico no Brasil é tentar melhorar a educação. Estamos preparando um
novo kit de como melhorar a educação no Brasil, que é o que acho que o Brasil
mais precisa", afirmou Lemann, no comando de uma mesa de debate na qual
ele não era o único bilionário (dividia o espaço com Henrique Dubugras, que
segundo a revista Forbes amealha hoje patrimônio de US$ 1,5 bilhão, enquanto
Lemann possui US$ 16,2 bilhões).
Abordado
pela BBC News Brasil, Lemann disse que preferia não falar e não chegou a dizer
quem, afinal, ele desejava ver no Palácio do Planalto em 2023.
O
diálogo, ao apertar as mãos do ex-juiz Sergio Moro à beira do palco, por
exemplo, foi lacônico. Moro se apresenta como presidenciável, embora seu
partido, o União Brasil, não confirme o nome do ex-ministro da Justiça de
Bolsonaro para o posto. "E aí? Saiu da Suíça pra dar palestra?",
perguntou o ex-juiz ao bilionário, que vive na região de Zurique. Lemann
respondeu que gosta "dessa juventude", se referindo aos estudantes
brasileiros em Boston, e a isso se resumiu a interação dos dois naquele
momento.
A
Fundação Lemann é patrocinadora do evento, que, diferente de edições
anteriores, não contou com a participação de nenhum representante da gestão
Bolsonaro. Segundo envolvidos na organização da Brazil Conference, o presidente
não foi convidado, já que sua presença esbarraria em um problema de ordem
prática: o evento exigia que todos os participantes — tanto palestrantes quanto
plateia — exibissem seus comprovantes de vacina contra a covid-19 no momento da
entrega de credenciais. Bolsonaro nega que tenha sido imunizado.
Mas nomes como o vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro da economia Paulo Guedes e a ministra da agricultura Thereza Cristina foram chamados a comparecer, porém não vieram.
Na
ausência de quem o defendesse, o governo Bolsonaro se tornou alvo certo no
evento.
"O
Brasil perdeu a capacidade de liderar qualquer agenda internacional, o que é um
pecado. Hoje a gente não é referência internacional em coisa nenhuma. O
retrocesso que a gente teve no Brasil em meio ambiente nos últimos anos é
abissal", afirmou Luciano Huck, que já disse ter votado em branco em 2018
mas também já afirmou que Bolsonaro poderia ser uma "chance de
ressignificar a política". Huck criticou ainda o que chamou de
"liberalismo Chicago anos 1980", em referência a Guedes.
Já o
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso qualificou a
atual gestão como "negacionista" e "populista" e disse que
a democracia está sob ataque no país.
"No
Brasil houve comício na porta do Quartel General do Exército, pedindo a volta
do regime militar, o fechamento do Congresso e Supremo. Isso não é natural.
Houve uma manifestação no 7 de setembro com ofensa a pessoas, a instituições e
afirmação de descumprimento de decisões judiciais, isso não é natural. No
Brasil, houve e continua a haver ataques infundados à honestidade e integridade
do processo eleitoral, e nunca se verificou fraude. Isso não é normal",
afirmou Barroso, sem citar diretamente Bolsonaro, mas mencionando atos dos
quais o presidente foi protagonista.
O Padre
Júlio Lancelotti, da pastoral do povo de rua de São Paulo, criticou o
relacionamento de lideranças religiosas com o Executivo. Nos últimos dias, o
titular do Ministério da Educação, Hamilton Ribeiro, foi trocado depois de
denúncias de que dois pastores evangélicos tinham influência sobre a alocação
de verbas públicas da pastas.
Os
envolvidos negam malfeitos.
"No
Brasil, é importante que exista um Estado laico de verdade. Não é aceitável a
teocracia. Não dá pra dizer Deus acima de todos. Deus não está acima de
ninguém, ele está no meio de nós", disse Lancelotti, em referência ao
slogan eleitoral de Bolsonaro em 2018.
Qual
Via?
Se
pessoas de perfis tão distintos como o padre, o astro de TV e o ministro do STF
concordaram sobre seu alvo, tarefa bem mais difícil foi encontrar um caminho único
tanto para propostas como para o nome que representará a terceira via.
"O
que eu mais ouvi nesses últimos dois meses foi que precisamos de uma terceira
via, e tapinha nas costas. Se as pessoas não se mobilizarem, nós não teremos
(terceira via). E serão mais quatro anos perdidos e com degeneração
institucional", disse Moro, durante sabatina em que se irritou ao ser
questionado sobre troca de mensagens com os procuradores da Operação Lava Jato
enquanto ele ainda era juiz do caso. Em junho do ano passado, Moro foi
considerado suspeito pelo STF para julgar Lula e as condenações que levaram o
ex-presidente à prisão foram anuladas.
Nas
últimas semanas, Moro protagonizou uma troca de partidos — deixando o Podemos
para se juntar ao União Brasil (fusão entre PSL e DEM) e, com o movimento, teve
que, oficialmente, abrir mão oficialmente da candidatura presidencial, já que
parte da agremiação negocia apoio com Ciro Gomes e até mesmo com Lula. Embora
se diga "desprendido" de ambições pessoais, Moro nega que aceitará se
lançar candidato a deputado federal. E lançou um novo site de campanha (cujo
slogan é "Com o Cara e a Coragem") em que tenta se apresentar ao
eleitorado nacional para além da figura do juiz — embora suas propostas
inevitavelmente sempre voltem para o combate à corrupção como prioridade.
"É
especialmente importante que o candidato da terceira via seja um nome
competitivo, o que a gente vinha vendo é que meu nome aparecia em terceiro
lugar, então meu nome vai ter uma participação importante", argumenta o
ex-juiz, alfinetando os demais postulantes a titulares da terceira via.
"Quando
falam que eu não pontuo (nas pesquisas eleitorais) é porque não apresentamos a
cara do centro democrático ao Brasil. O centro democrático não pontua porque
não tem nome, não tem cara, mas teremos. E me perdoe o juiz Moro, mas ele não é
o pré-candidato do União Brasil", rebateu a senadora Simone Tebet,
pré-candidata presidencial pelo MDB, que aparece com até 1% das intenções de
voto nas sondagens. Segundo Tebet, para quem a prioridade da terceira via
deveria ser a erradicação da miséria no país, no dia 18 de maio, União Brasil,
MDB, PSDB e Cidadania definirão quem será seu candidato único, com base em
pesquisas eleitorais.
Pesquisas
são também o critério que Ciro pretende usar para convencer o União Brasil a
patrocinar sua candidatura. Ciro, no entanto, rechaça qualquer possibilidade de
compor chapa com Moro, a quem chamou de "bandido" durante sua sabatina
na Brazil Conference.
Questionado
se poderia oferecer uma versão "paz e amor" de si mesmo, em alusão à
candidatura de Lula em 2002, Ciro respondeu em inglês: "Never!"
(Nunca). "Eu falo o que eu quero, do jeito que eu quero, uso palavrão.
Estou aqui exibindo a minha vida, tenho essa personalidade",
justificou-se. O pedetista afirmou que seu projeto é "transformar o Brasil
em uma Espanha em 30 anos", criticou Lula por ter dito que o aborto
deveria ser legalizado por ser uma questão de saúde pública e questionou as
gestões fiscais dos tucanos João Doria e Eduardo Leite.
Doria,
ex-governador por São Paulo, foi o vencedor de prévias presidenciais do PSDB,
que racharam o partido.
Em sua sabatina, ele disse que "antes de entrar na vida pública, eu era um liberal, mas hoje, me confesso um liberal social" depois que, segundo ele, viu "a dimensão real da pobreza", e a importância do Estado para reduzir as diferenças sociais.
Doria
tentou minimizar a falta de apoio de sua legenda à empreitada presidencial.
"O PSDB é um partido democrático, que não tem dono, e tem esse exercício
dos que concordam e não concordam". Chamou opiniões contrárias a ele entre
os tucanos de "teses mais antigas e não contemporâneas" e citou haver
uma busca por um "consenso" entre seu partido, o MDB e o União Brasil
sem, porém, adiantar se abriria mão de sua candidatura em favor de um candidato
único.
"Estou
na pista para negócios", declarou o ex-governador do Rio Grande do Sul,
Eduardo Leite (PSDB), para a mesma plateia, menos de duas horas depois da
sabatina de Doria. Embora derrotado pelo colega nas prévias, Leite fez circular
no evento que seu nome está, sim, colocado para a presidência da República.
Defendeu uma nova geração para programas de transferência de renda e
"ajustes" ao teto de gastos, sem detalhar essas ideias. E disse que o
investimento em matrizes energéticas limpas são o futuro do Brasil no século
21. Leite ganhou ao menos um endosso de peso. Huck sugeriu publicamente que
Leite será seu candidato.
A
aparente dificuldade de um consenso de ideias e nomes na terceira via foi bem
traduzida por uma piada não ensaiada que o ator Antonio Tabet lançou fora do
palco. Depois da exposição do ministro do STF Luis Roberto Barroso sobre o
estado da democracia, Tabet comentou: "Gostei do seu programa de
governo". Barroso riu, mas rechaçou de pronto: "não sou, nem jamais
serei candidato".
'Um
cristão justiceiro social'
"Quero
ver o quadro de opções se estabelecer, ainda é cedo pra dizer. Mas sei que não
quero que esse governo se reeleja", disse reservadamente à BBC News Brasil
um dos ilustres convidados da Brazil Conference, historicamente refratário ao
PT, mas que parecia abrir uma brecha para a campanha petista em 2022.
Coube
ao senador petista Jaques Wagner, um dos mais próximos auxiliares de Lula,
tornar o ex-presidente uma figura mais palatável a esse grupo de eleitores
pouco simpáticos ao PT mas decepcionados ou arrependidos com a escolha de
Bolsonaro. Em sabatina na Brazil Conference, a estratégia de Wagner incluiu
elogiar a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que "trouxe
estabilidade econômica e responsabilidade fiscal ao país", e tentar provar
que a polarização entre PT e PSDB, que vigorou entre 1994 e 2014, foi o que ele
qualificou como um "azar histórico" e não o resultado de diferenças
irreconciliáveis.
"É
preciso um governo de união nacional. O Lula sabe que esse não será um governo
do PT apenas, mas de uma junção", afirmou o senador petista, que garantiu
aos presentes que o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, tucano histórico
recém-filiado ao PSB, não foi convidado para vice para ser "um figurante
na chapa".
E
relembrou que o primeiro governo do petista, eleito em 2002, teve no Banco
Central o banqueiro Henrique Meirelles e no Ministério da Agricultura o
ruralista Roberto Rodrigues.
Em um
tom que fez lembrar a histórica Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, na qual Lula
dava garantias às elites brasileiras de que respeitaria as regras do jogo,
Jaques Wagner rechaçou a ideia - repetida por Moro - de que Lula fosse um
"extremista" ou um "radical de esquerda".
"Lula
não é um cara formado dogmaticamente no campo da esquerda brasileira, não se
formou lendo os livros que todo mundo lê na esquerda, ele se formou na vida.
Ele é um cristão justiceiro social", definiu o ex-governador da Bahia.
Ciente
de que parte dos empresários e da elite teme que Lula possa tentar algum tipo
de vingança no poder, Wagner reconheceu que Lula deixou a prisão, no Paraná,
"mais ácido", mas assegurou que o ex-presidente estaria disposto a
conversar com todo mundo, "até com aqueles que riram da morte da Marisa
(Letícia)", em referência às piadas feitas por médicos quando a
ex-primeira-dama teve o acidente vascular cerebral que lhe seria fatal.
"Não é da natureza dele o rancor, ele vai governar na generosidade que o
caracteriza", disse Wagner. (BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário