No entanto, para o grupo que pôde realizar as atividades profissionais remotamente - cerca de 1 a cada 5 brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da FGV -, a hora é de enfrentar altas de preço históricas e, para alguns, sentir-se mais vulnerável à criminalidade, especialmente nas grandes metrópoles.
Para a advogada Debora Moreira, de 27 anos, moradora da capital paulista, o retorno ao escritório onde trabalha quatro vezes por semana significa que ela terá uma parte menor de sua renda disponível no fim do mês.
"Agora gasto três vezes mais
do que antes com gasolina, pelo trajeto e preço mais alto, e como trabalho em
uma região cara, no bairro da Vila Olímpia, meu vale-alimentação não é
suficiente para comer todos os dias fora. Enquanto estava em casa, cozinhava e
ainda sobrava para o dia seguinte, então era bem mais econômico", diz.
"Por ficar parada no
trânsito de grandes avenidas e em faróis, tenho medo de ser assaltada e perder
não só meus bens, mas o notebook da empresa com todo o meu trabalho nele. De
sofrer violência, então, mais ainda. Evito assistir televisão para que os
crimes não me causem ansiedade".
Medo da violência
O psicólogo André Vilela Komatsu,
pesquisador do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo), aponta que tem acompanhado muitos relatos de trabalhadores que, assim
como Debora, se sentem mais ansiosos por precisar transitar em distâncias
maiores nas cidades.
Na avaliação dele, é esperado,
assim como toda mudança de rotina, que as pessoas sintam algum nível de
estresse. "Passando mais tempo em casa, reparamos na cadeira que está
ruim, no espaço não tão agradável... E, com o tempo, a gente vai acostumando. E
agora é a mesma coisa. Voltamos a reparar em problemas sociais que sempre
estiveram aí, mas muita gente não viu as transformações do espaço público por
ficarem restritos a seus bairros durante a pandemia."
Entre as mudanças, ele cita a
intensificação de problemas sociais, com maior degradação dos espaços públicos,
mais pessoas morando nas ruas e o aumento de crimes. "Houve uma redução de
assaltos durante a pandemia, justamente por ter menos gente na rua, e agora já
estamos chegando em níveis semelhantes aos de antes."
Para o pesquisador, a sensação de
medo é natural e, embora não seja o ideal, é esperado que as pessoas consigam
se acostumar ao menos parcialmente.
"(Para) a maior parte dos
trabalhadores, não é nem uma questão a ser discutida. Infelizmente, o medo de
ser demitido ou de não ter onde trabalhar às vezes é maior do que o medo de
sofrer violência, e certamente isso causa muita ansiedade."
Alta histórica da inflação
A prévia da inflação oficial, o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15), chegou em abril a
1,73%, a maior taxa desde 1995, resultado que é consequência de uma série de
fatores ocorridos nos últimos dois anos no Brasil e mais recentemente,
internacionalmente.
Em março, o IPCA teve o maior avanço para o mês em 28
anos, com alta de 1,62%.
"Há dois fatores que agiram
juntos para jogar inflação para cima durante a pandemia: estímulo muito forte
por meio da transferência direta de renda do governo para as famílias e taxas
de juro em uma mínima histórica - a Selic chegou a 2% ao ano e hoje já está em
11,75%. Isso ajudou a manter o poder de compra das famílias estável por algum
tempo, mas com maior demanda e circulação de dinheiro, elevou a inflação",
explica a economista Tatiana Vieira, da XP Investimentos.
Outros acontecimentos recentes no
cenário internacional também contribuíram para a alta da inflação no Brasil.
"A guerra da Rússia contra a Ucrânia fechou portos, criou embargos
importantes para Rússia e paralisou produção em ambos os países, exportadores
de milho, trigo, sementes - o que influencia, inclusive, no preço da carne, já
que esses alimentos servem como ração", afirma Vieira, lembrando que a Rússia
também é o maior exportador de gás para Europa e que a situação de
instabilidade afeta o preço dos combustíveis.
Na China, o lockdown restritivo a
qualquer caso de covid-19 faz com que fábricas e portos fechem por alguns dias,
deixando a comunidade global sem acesso a insumos muito importantes para
produção. "Com isso, bens manufaturados devem subir, especialmente os
industrializados."
Em 2022, funcionário paga muito
mais caro para ir trabalhar
De todas as altas, a de
combustível foi a maior - no último ano, o preço da gasolina aumentou 47%, o
diesel, 50% e o etanol, 60%. Os automóveis também ficaram muito mais caros, com
aumento de 20% para carros novos e 15% para modelos usados, de acordo com o
IPCA.
"Transporte por aplicativo
tinha sido uma alternativa muito usada. Até por conta da pandemia, muitos
reavaliaram o uso de alguns bens, 'abriram mão' de ter o carro. Mas os preços
já subiram um pouco, principalmente pelo combustível", comenta a
economista.
Para quem usa o transporte
público, também houve aumento. O aumento da passagem de ônibus municipais foi
de 1,2%, e para os intermunicipais e interestaduais, entre 1,5 e 2,5%.
"Durante a pandemia, os
prefeitos decidiram não dar reajuste. O caixa dos municípios e estados estava
muito bem, arrecadação por ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços) surpreendeu positivamente, evitando que repassassem a alta do diesel
via aumento de tarifas. Mas não sabemos até quando vão conseguir segurar",
aponta Vieira.
Os serviços, em geral, desde a
contratação de funcionários para limpeza, mensalidade de escolas e creches, e
outros que se tornaram ainda mais necessários para muitas famílias ao deixarem
o home office, sofrem reajustes ligados à inflação do ano anterior.
Para comer, mesmo dentro de casa,
o preço dos alimentos também aumentou, e a conta fica ainda mais cara em
restaurantes. "O primeiro motivo é doméstico, crise hídrica, fatores
climáticos que impactaram a produção. Fretes e transporte das mercadorias
ficaram muito mais caros. E a expectativa é que a gente continue vendo", conclui.
Preferências dos funcionários e
tendências das empresas brasileiras
A volta parcial ao escritório com
equipes reunidas até duas vezes por semana é a opção preferida pela maioria dos
profissionais de grandes empresas brasileiras, de acordo com o estudo
"Modelos de trabalho pós-pandemia", realizado pela empresa de
consultoria e auditoria PwC Brasil em parceria com o PageGroup.
Entre os mil profissionais
ouvidos, 67% preferem regime integral de home office ou modelo híbrido com uma,
ou duas idas ao escritório na semana.
"Com a pandemia, fomos
convidados a refletir sobre qual modelo de trabalho queremos. Algumas barreiras
já foram quebradas e as pessoas começam a pensar 'Bom, talvez eu não precise me
deslocar - por horas, às vezes - para trabalhar. Além disso, pessoas
localizadas remotamente em diferentes partes do Brasil trazem a equipe, pela
minha experiência profissional, ideias diferentes e originais", Stephanie
Crispino, CEO da Tribo, consultoria do grupo Anga que tem como foco a
humanização de culturas empresariais.
A mistura de home office e
trabalho presencial é realidade na rotina das pequenas e médias empresas
brasileiras. Segundo a pesquisa "Impacto da covid-19 na cultura e operação
das PMEs brasileiras", 47% das PMEs estão trabalhando de forma híbrida. O
trabalho 100% presencial vem em segundo lugar, com 38% das companhias, seguido
do trabalho totalmente remoto, com 15%.
Ter conhecido a possibilidade de
trabalhar em sistema híbrido ou remoto, aponta Stephanie, não significa que as
empresas necessariamente continuarão adotando o modelo - mas, em sua opinião,
para os tipos de trabalho que permitem, é um passo nessa direção.
"Essa flexibilidade fez as
lideranças e trabalhadores entenderem que a produtividade fora do escritório é
possível, e nesse ponto, não há como voltar.
Essa alternativa pode, inclusive,
fazer a diferença quando o profissional for escolher a empresa na qual quer
trabalhar", conclui Crispino. (BBC)
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