"Tivemos
uma pandemia que ainda não acabou e que está tendo uma fase aguda na China,
temos uma interferência de uma guerra e um ano eleitoral. Mesmo assim, acho que
a economia está indo bem, porque o governo tomou medidas que fizeram com que
houvesse uma reação, como redução de juros para financiamento imobiliário",
disse à BBC News Brasil.
A
empresa de Marconi de Souza não encolheu, mas também não cresceu muito nos
últimos dois anos. Ele atribui isso à pandemia e a fatores externos.
"Nossa
empresa estabilizou em 2020 e cresceu um pouco no ano passado. O setor de
turismo sofreu muito com a pandemia e alguns outros setores reduziram a
produtividade por um problema de abastecimento que é global, mas a economia não
andou para trás. Tem segmentos reclamando de barriga cheia", diz.
O
empresário de Brasília faz parte dos 5% de brasileiros que, segundo a pesquisa
de opinião eleitoral BTG-FSB, divulgada em 25 de abril, consideram que o Brasil
vive "um bom momento econômico". Outros 32% acreditam que o Brasil
está em crise econômica, mas conseguindo superar. A maioria, porém - 62% -
avalia que o Brasil está em crise econômica e com dificuldade de superar.
Alguns
indicadores econômicos importantes, como alta de preços, taxa elevada de
desemprego e baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), alimentam esse
cenário menos otimista. A inflação no ano passado, de janeiro a dezembro de
2021, alcançou 10,06%, a pior taxa desde 2015. Levando em consideração as 11
maiores economias da América Latina, o Brasil só fica atrás de Argentina e
Venezuela, dois países que atravessam crises profundas, que vão muito além dos
problemas trazidos pela pandemia de covid-19 e suas repercussões.
Em
março, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a
inflação oficial do Brasil, acelerou para 1,62%, a maior taxa em 28 anos. E,
recentemente, o Banco Mundial reduziu a projeção de crescimento da economia
brasileira de 1,4% para 0,7% em 2022.
Mas,
então, o que leva 5% dos eleitores a considerar que a economia vai bem? Quem é
essa parcela da população?
Segundo
cientistas políticas ouvidas pela reportagem, a explicação pode estar no forte
apoio desse público ao atual governo e também no poder aquisitivo - muito ricos
ou muito pobres. Entenda:
Apoiadores
de Bolsonaro
Para a
cientista política Andréa de Freitas, professora da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), esses 5% são majoritariamente formados por pessoas que
apoiam fortemente Bolsonaro. "Acredito que sejam o núcleo duro de apoio ao
bolsonarismo. Bolsonaro, mesmo nos piores momentos de avaliação do governo,
sempre mantém algo em torno de 15 a 20% de aprovação", disse à BBC News
Brasil.
"Quando
a gente vai olhando para várias perguntas das pesquisas de opinião que
direcionam o entrevistado a questões específicas do governo, você sempre tem o
núcleo duro, que acha que tudo está muito bem. Esses 5% são parte desse
grupo."
Segundo
Freitas, a percepção desse eleitorado sobre a economia, portanto, está mais
ligada à identificação com Bolsonaro do que com a situação socioeconômica
dessas pessoas. Isso porque, destaca a professora, embora haja setores menos
afetados pela inflação e o baixo crescimento econômico, nenhum deles está se
beneficiando fortemente do estado atual da economia.
"Eu
não acho que tenha um setor que esteja se beneficiando, seja de políticas
públicas ou de ausência das políticas públicas do Estado para economia. Todo
mundo está, de alguma forma, sendo afetado pela queda no consumo, causada pela
diminuição da renda e pelo aumento do desemprego", diz.
Segundo
ela, nesse contexto, os eleitores que integram o núcleo duro de Bolsonaro vão
utilizar "duas ferramentas racionais" para analisar o estado da
economia.
Uma
delas, diz Freitas, é distribuir responsabilidades. "Ele vai dizer que a
responsabilidade é dos governadores que fecharam o comércio na pandemia, do
Congresso, do Supremo Tribunal Federal ou da guerra da Ucrânia. A segunda é
afirmar que a economia poderia estar muito pior, não fosse por Bolsonaro."
A
professora da Unicamp destaca que, de fato, a pandemia e a guerra são fatores
que influenciam na economia. "Mas quando a gente vai olhar os indicadores
frios, o Brasil está pior do que muitas economias da América Latina. E todas
elas, assim como o Brasil, estão sendo afetadas pela guerra e pela
pandemia."
O
empresário Marconi de Souza tem outra avaliação. Para ele, parte da
"imprensa e adversários de Bolsonaro" pintam um quadro excessivamente
dramático da economia.
"Os
segmentos do Brasil que têm problema não estão tendo problema por causa da
forma como o governo trabalha. O segmento que sofreu muito é o informal: o cara
que vendia pipoca na praia, no semáforo, perto dos estádios. Com o 'fica em
casa' durante a pandemia, esses segmentos tiveram prejuízos. Mas o governo
atendeu dando o auxilio emergencial", argumenta.
"Como
a gente está num ano eleitoral, as pessoas estão querendo tomar proveito disso.
Tem gente querendo queimar o governo."
Muito
rico e muito pobre
Já a
professora de Ciência Política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar) avalia que os 5% que consideram que a economia vai bem
são os muito ricos ou muito pobres - esses últimos beneficiados recentemente
com o Auxílio Brasil.
"Essas
pessoas devem integrar as camadas mais ricas que, independentemente da inflação
ou das condições sociais e políticas, vão manter um patamar de riqueza",
avalia. "Ou é o segmento muito pobre que, independentemente da situação,
não enxerga potencial de melhora na própria condição de vida. São pessoas em
condição vulnerável, com baixa inteligibilidade do que se decide politicamente
e o impacto dessas decisões na política."
Entre
os integrantes dessa camada mais pobre, o recebimento do Auxílio Brasil pode
ter contribuído para uma percepção mais positiva do estado da economia, diz a
professora. Esse programa de transferência de renda foi Instituído pelo governo
Bolsonaro para substituir o Bolsa Família e paga cerca de R$ 400 por mês a
cerca de 18 milhões de famílias. A criação do Auxílio Brasil foi alvo de
controvérsia, com críticos afirmando que ele teria caráter eleitoreiro.
Por sua
vez, Andréa Freitas, da Unicamp, acredita que o benefício em si, sozinho, não
seria suficiente para gerar essa avaliação positiva. Para ela, o componente
ideológico, de apoio a Bolsonaro, é o fator principal, enquanto o Auxílio
Família seria o argumento racional usado para justificar a percepção otimista
sobre a economia.
"Não
é que o auxílio não faça diferença, mas eu acho que, de novo, ele entra nesse
lugar da argumentação racional", diz.
"Pode
haver pessoas que estão recebendo auxílio e que sintam que estão melhores do
que antes. Mas eu não acho que é isso que vai conduzir necessariamente o voto
no Bolsonaro, porque o processo de implementação do programa foi confuso e
gerou a percepção de uma política instável."
Economia
será tema central da eleição
O fato
é que a economia deverá ser o principal tema da eleição presidencial deste ano.
E a melhora ou piora nos indicadores deve ter efeito direto na aprovação de
Bolsonaro.
Segundo
a consultoria internacional Eurasia Group, a principal preocupação do eleitor
atualmente é "renda e emprego". Entre março e abril, pesquisas de
intenção de voto revelaram um avanço de Bolsonaro, embora o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) continue à frente em todos os cenários para o
primeiro e segundo turno. Lula aparece com 41% a 45% das intenções de voto,
dependendo da pesquisa, e Bolsonaro com 30% a 32%.
E, em
média, o percentual dos que aprovam a gestão de Bolsonaro subiu de 30% para 35%
nos primeiros três meses deste ano. A Eurasia Group atribui a melhora na
avaliação de Bolsonaro "à modesta recuperação do poder de renda" da
população mais pobre nos primeiros meses deste ano devido a medidas pontuais.
"No
segundo semestre de 2021, a renda real no Brasil caiu 11%, impulsionada por um
aumento inflacionário maior do que o previsto, que atingiu duramente as
famílias de baixa renda. Mas, no início de 2022, essas famílias recuperaram
parcialmente a renda perdida com o reajuste anual de 10% do salário mínimo
nacional, 13º salário para aposentados e algumas medidas tomadas pelo governo,
como o perdão da dívida estudantil e liberação de saques do FGTS", diz a
consultoria.
Apesar
dessa leve recuperação na renda, a situação econômica do país continua difícil,
com alta nos preços dos alimentos e combustíveis. No acumulado de 12 meses, a
inflação chegou a 11,3%. Alimentos e combustíveis são alguns dos setores mais
afetados.
O preço
médio do litro da gasolina ficou em R$ 7,283 na última semana de abril, o que
representa uma alta de 0,18% em relação ao levantamento anterior.
Trata-se
do maior valor nominal pago pelos consumidores desde que a Agência Nacional do
Petróleo (ANP) passou a fazer levantamento semanal de preços, em 2004. Já a
taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2022 foi de 11,1%, o mesmo patamar
do primeiro trimestre de 2021. É uma taxa menor que a projetada pela agência
Bloomberg, de 11,4%.
Segundo
a consultoria Eurasia, Bolsonaro precisa de avanços mais substanciais nos
indicadores econômicos para continuar crescendo nas pesquisas.
Socorro
Braga, professora da UFSCar lembra que, historicamente, eleitores culpavam o
candidato à reeleição pelas crises econômicas em vigor. Mas o cenário atual, de
pandemia seguida por uma guerra na Ucrânia, viabilizou uma narrativa de
culpabilização de fatores externos.
"A
inflação no Brasil está alta e atinge a classe média. Nas eleições anteriores,
quanto maior a inflação, menor capacidade de compra e, como consequência,
culpava-se o governo", diz.
"Mas
uma parcela da população, sobretudo esses 5% que consideram que a economia vai
bem, está culpando o efeito da pandemia ou da guerra, e não a falta de
políticas efetivas para debelar essa situação. É uma narrativa forte você dizer
que isso é consequência de uma guerra, da falta de insumos e da pandemia."
Resta
saber se essa narrativa vai ganhar força ou perder espaço ao longo da campanha
eleitoral. (BBC)
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