O presidente brasileiro
disse ainda que, embora não quisesse o conflito entre Rússia e Ucrânia, o
Brasil tem "dependências" dos fertilizantes russos. Foi uma
explicação para o fato de ter se esquivado de fazer críticas públicas ao líder
russo Vladimir Putin, o que irritou os americanos.
"Tenho um país para
administrar", disse o brasileiro diante de Biden.
Bolsonaro falou por cerca
de sete minutos, contra pouco mais de um minuto e meio de Biden na abertura do
encontro, que foi acompanhado pela imprensa.
Conforme o brasileiro
fazia o que chamou de "apresentação", Biden foi crescentemente
demonstrando sinais de impaciência, com sorrisos irônicos e evitando contato
visual com Bolsonaro.
Em dado momento, o
mandatário brasileiro chegou a dizer que os dois países mantêm uma relação de
quase 200 anos, embora "diferenças ideológicas" tenham levado a
pontos de afastamento durante este período. Desde que Biden chegou ao poder, há
um ano e meio, os dois líderes dos maiores países do continente americano
jamais tinham conversado. O mandatário americano evitava o contato já que
Bolsonaro, apoiador do ex-presidente americano Donald Trump, fez repetidos
comentários questionando a legitimidade da eleição do democrata, em 2020.
Coube a Biden dar início
ao encontro, em uma fala inicial que incluiu temas como a democracia e o meio
ambiente. Se houve um aperto de mãos de ambos antes disso, a imprensa não pôde
presenciar.
"O Brasil é um lugar
maravilhoso. Por sua democracia vibrante e inclusiva e instituições eleitorais
fortes, nossas nações são ligadas por profundos valores compartilhados e muitas
oportunidades incríveis", afirmou Biden, que relembrou ter estado no país
em três ocasiões, inclusive para a Copa do Mundo de 2014.
Ao retornar ao hotel
depois de finalizado o encontro, Bolsonaro afirmou que reunião com Biden foi
"sensacional, muito melhor do que eu esperava". À CNN Brasil, ele se
disse "maravilhado" com o presidente americano. E afirmou ainda que
"há interesse muito grande dos EUA no Brasil, a recíproca é verdadeira. Se
a gente conseguir consolidar e ampliar esse eixo norte-sul, será bom para todo
mundo". Outras autoridades presentes ao encontro qualificaram a conversa
como "protocolar", "ampla" e "genérica". Em
informe oficial, a Casa Branca afirmou que a conversa girou sobre como
"nossos países devem trabalhar juntos para facilitar o desenvolvimento
sustentável na maior bacia amazônica para reduzir drasticamente o desmatamento,
se coordenar no Conselho de Segurança da ONU (na resposta sobre) a invasão da
Ucrânia pela Rússia e apoiar a renovação democrática".
O diálogo entre os líderes
durou cerca de 50 minutos, apesar de uma previsão inicial de meia hora. Por
cerca de 20 minutos, a pedido de Bolsonaro, os dois líderes ficaram sozinhos na
sala, apenas com seus tradutores, o chanceler brasileiro Carlos França e o
secretário de Estado Antony Blinken. O encontro aconteceu na cidade de Los
Angeles, onde os Estados Unidos realizam a 9ª Cúpula das Américas, da qual
Bolsonaro participa junto a outros 21 líderes das Américas.
Meio ambiente
Ao abordar o tema da
Amazônia, Biden tratou de algo caro ao governo brasileiro: o auxílio
internacional para preservar o bioma.
"Vocês têm feito
grandes sacrifícios como país na tentativa de proteger a Amazônia, o grande
sumidouro de carbono do mundo. Acho que o resto do mundo deveria participar
ajudando vocês a financiar isso para que vocês possam preservar o máximo que
puderem. Todos nós nos beneficiamos disso", disse Biden, que não apontou
mais concretamente como tal financiamento poderia acontecer.
A expectativa das
diplomacias dos dois países era a de que nenhum anúncio de cooperação ou de um
fundo fosse feito após o encontro. Questionado pela imprensa sobre a questão do
financiamento para a preservação ambiental pelos americanos, Bolsonaro afirmou:
"Pessoal (americanos) sempre fala em botar dinheiro na Amazônia, mas na
hora de botar na mesa, não acontece".
Biden ainda apresentou uma
espécie de mea-culpa dos EUA ao dizer que o país desmatou suas florestas ao
longo de séculos antes que houvesse uma tomada de consciência sobre a
necessidade da preservação.
Diante de Biden, Bolsonaro
afirmou que "temos uma riqueza no coração do Brasil, a nossa Amazônia, que
é maior do que a Europa ocidental. Por vezes, nos sentimos ameaçados em nossa
soberania, mas o Brasil preza e ama muito bem o seu território".
O presidente brasileiro
citou que o país preserva 85% da Amazônia e ⅔ de sua extensão territorial.
"A questão ambiental,
temos nossas dificuldades, mas fazemos o possível para atender aos nossos
interesses e a vontade do mundo", disse Bolsonaro.
Sua gestão, que acumula
altas nos números do desmatamento e cortes em órgãos de fiscalização e controle
ambiental, tem sido criticada internacionalmente por isso.
Eleições
Embora diplomatas
americanos tenham dito que Biden evitaria confrontos ou palavras duras demais
sobre democracia - já que a posição dos americanos pela confiança no sistema
eleitoral do Brasil tem sido repetido por outras vias -, o presidente americano
fez questão de citar que o país sul-americano tem "instituições eleitorais
fortes" e uma "democracia inclusiva".
Os comentários são
respostas às repetidas alegações - sem provas - de Bolsonaro de que as urnas
eletrônicas não seriam confiáveis, que os militares deveriam se envolver na
contagem de votos e que ele poderia não aceitar o resultado do pleito que
acontece em outubro próximo. Em sondagens eleitorais, o presidente, que tenta a
reeleição, tem aparecido em segundo lugar.
"Este ano, temos
eleições no brasil, e nós queremos eleições limpas, confiáveis e auditáveis,
para que não haja nenhuma dúvida após o pleito", afirmou o presidente
brasileiro, repetindo a acusação de que os resultados eleitorais não seriam
verificáveis, o que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desmente. "Tenho
certeza que serão realizadas (as eleições) neste estilo democrático. Cheguei
pela democracia e tenho certeza que quando deixar o governo, também será de
forma democrática", disse.
Rússia
Bolsonaro também
aproveitou a oportunidade para justificar as posições de seu governo em relação
à Rússia, consideradas erráticas pelos americanos. O presidente brasileiro
visitou Putin em Moscou em fevereiro, pouco antes do início da guerra na
Ucrânia, e evitou fazer declarações fortes contra a invasão dos russos, embora
na Organização das Nações Unidas (ONU), a diplomacia brasileira tenha
acompanhado os EUA em suas condenações aos atos de Putin.
"O Brasil alimenta
mais de um bilhão de pessoas pelo mundo. Agricultura de ponta, mecanizada, e
com tecnologia incomparável em todo o mundo. O mundo hoje depende e muito do
Brasil para a sua sobrevivência", disse Bolsonaro, sobre a produção da
lavoura nacional.
O mundo vive uma crise de
escassez de alimentos desde que o conflito na Europa se iniciou e retirou do
mercado cerca de 30% do trigo produzido no planeta.
Segundo a ONU, 49 milhões
de pessoas estão à beira da fome. Os americanos defendem que o Brasil e outros
grandes produtores de alimentos no continente americano aumentem suas
produções.
Para tanto, porém, o
agronegócio depende de fertilizantes, que o Brasil compra principalmente da
Rússia. Bolsonaro fez referência a isso ao dizer: "O Brasil é dependente
de algumas coisas de outros países. Sempre adotamos uma posição de equilíbrio.
Queremos a paz e tudo que faremos para que a paz seja alcançada.
Lamentamos os conflitos,
mas eu tenho um país para administrar e pela sua dependência, temos que sempre
sermos cautelosos, porque as consequências da pandemia com a equivocada
política do 'fique em casa', agravada por uma guerra a 10 mil quilômetros de
distância do Brasil, as consequências econômicas são danosas para todos
nós".
Na sala, estavam também
presentes mais oito autoridades de cada lado. No lado brasileiro, estiveram
presentes na comitiva o presidente da Câmara, Arthur Lira; os ministros da
Saúde, Marcelo Queiroga; da Justiça, Anderson Torres; do Meio Ambiente, Joaquim
Leite; o chanceler Calos França; e o secretário de assuntos estratégicos da
Presidência, Almirante Flavio Rocha. Também esteve no local o embaixador do
Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster.
Do lado americano, todos
os auxiliares de Biden estavam de máscara, uma exigência do evento para aquelas
pessoas que teriam contato com participantes não vacinados, caso de Bolsonaro.
O presidente americano, no entanto, não usou cobertura facial. Estiveram no
encontro o secretário de Estado, Antony Blinken; o conselheiro de Segurança
Nacional, Jake Sullivan; o secretário-assistente para o Hemisfério Ocidental,
Brian Nichols; e o diretor de Departamento Ocidental do NSC (Conselho de
Segurança Nacional), Juan Gonzalez. (BBC)
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