"Eu estava apenas curioso", relembra Maeder, que agora trabalha em uma dissertação sobre os sons da biodiversidade no Instituto Federal de Tecnologia em Zurique, na Suíça.
Ele certamente não estava preparado para a algazarra que
invadiu seus fones de ouvidos. "Eram sons muito estranhos", afirma
ele. "Havia vibrações, trinados e raspagens. Você precisa de um
vocabulário novo para descrevê-los."
Maeder percebeu que estava espionando criaturas que vivem
no solo.
Os ecologistas sabem há muito tempo que a terra abaixo
dos nossos pés abriga maior diversidade e quantidade de vida que quase qualquer
outro lugar do planeta. Para o leigo, o solo parece pouco mais que uma camada
compacta de terra suja. Mas, na verdade, o solo é um cenário labiríntico de
túneis, cavidades, raízes e detritos em decomposição.
Em apenas uma xícara de terra, os pesquisadores já
contaram até 100 milhões de formas de vida, de mais de 5 mil espécies. Os
moradores do subsolo variam de fungos e bactérias microscópicas, ácaros e
colêmbolos do tamanho da ponta de um lápis, até centopeias, lesmas e minhocas
que podem chegar a mais de um metro de comprimento. Junto a eles, existem as
toupeiras, ratos e coelhos que vivem ao menos parte das suas vidas em túneis e
covas subterrâneas.
"É uma biodiversidade extraordinária", afirma
Uffe Nielsen, biólogo do solo da Universidade do Oeste de Sydney, na Austrália.
E também é vital — coletivamente, essas comunidades subterrâneas formam grande
parte da base da vida do planeta, desde os alimentos que comemos até o ar que
respiramos.
Atualmente, no campo relativamente novo conhecido como
bioacústica do solo — que alguns preferem chamar de biotremologia ou
ecoacústica do solo —, cada vez mais biólogos estão capturando ruídos
subterrâneos para abrir uma janela para esse mundo complexo e misterioso.
Eles descobriram que um simples prego metálico fixado na
terra pode funcionar como uma espécie de antena de cabeça para baixo, se for
equipado com os sensores corretos. E, quanto mais os pesquisadores escutam,
mais se torna evidente como é vibrante a vida no solo sob nossos pés.
Espionar essa cacofonia de sons subterrâneos promete
revelar não apenas quais formas de vida residem abaixo dos nossos pés, mas
também como elas passam sua existência - como elas comem ou caçam, como
deslizam umas sobre as outras sem serem notadas e como tamborilam, sapateiam ou
cantam para chamar a atenção dos demais.
Para Nielsen, a vida no subsolo "é uma caixa preta.
À medida que a abrimos, percebemos como nosso conhecimento é pequeno."
A compreensão dessa vida no subsolo é importante porque a
ecologia do solo é fundamental. "O solo ajuda a transformar elementos
nutrientes como carbono, nitrogênio, fósforo e potássio, que alimentam as
plantas, para termos comida, florestas ou para preencher o ar com oxigênio e
todos nós podermos respirar", segundo Steven Banwart, pesquisador do solo,
agricultura e da água da Universidade de Leeds, no Reino Unido.
Banwart é um dos autores de uma análise das funções do
solo, publicada na revista Annual Review of Earth and Planetary Sciences.
Minhocas, larvas, fungos, bactérias e outros decompositores estão envolvidos em
todas as etapas.
E cada organismo do solo produz sua própria trilha
sonora. Larvas que se alimentam de raízes emitem cliques curtos enquanto rompem
as fibras da sua refeição. Minhocas sussurram enquanto se arrastam pelos
túneis, da mesma forma que as raízes das plantas à medida que empurram grãos de
terra, como relataram pesquisadores suíços em 2018.
Mas as raízes se movem mais lentamente que as minhocas e
em velocidade mais constante. Diferenciando esses sons, os estudiosos da
acústica do solo pretendem esclarecer questões que ainda estão sem resposta,
como: quando as raízes das plantas crescem? à noite? durante o dia? somente
quando chove?
Ruídos do solo são úteis para os animais
Nós, seres humanos, podemos ser os últimos a descobrir
essa trilha sonora subterrânea.
Os pássaros podem ser frequentemente vistos pulando nos
gramados com a cabeça em riste. Pesquisadores acreditam que isso ocorre porque
eles estão ouvindo as larvas e minhocas embaixo da terra.
Muitas vezes, eles
bicam o solo no momento certo para puxar sua presa desprevenida.
Já a tartaruga-da-madeira da América do Norte
beneficia-se da atenção dada pelas minhocas às vibrações causadas pela queda de
chuva. A tartaruga pisa forte sobre o solo para imitar a chuva, de forma que as
minhocas vêm à superfície e se tornam um lanche suculento para o réptil.
As vibrações subterrâneas podem também ser fundamentais
para sinais que parecem ser propositais. Acredita-se que os ratos-toupeira, que
vivem em tocas subterrâneas, possam comunicar-se com os demais nas proximidades
batendo suas cabeças ou os pés contra as paredes dos seus túneis.
Também já se observou que as formigas cortadeiras criam
ruídos quando ficam enterradas durante escavações nos formigueiros, para que
outras formigas trabalhadoras corram até o local e comecem a cavar para
resgatar a companheira.
Alguns desses sons subterrâneos são audíveis para o
ouvido humano, mas muitos têm frequência e volume altos ou baixos demais. Para
estes, os pesquisadores utilizam instrumentos como sensores piezoelétricos, que
funcionam como os microfones de contato que você pode fixar a um violão.
Fixados a um prego enterrado no solo, que pode ter até 30
cm de comprimento, esses sensores detectam vibrações que os pesquisadores
convertem em sinais eletrônicos e amplificam até que os seres humanos possam
ouvi-los.
'Cantos de pássaros'
Carolyn-Monika Görres, ecologista da paisagem da
Universidade de Geisenheim, na Alemanha, ficou surpresa ao descobrir o quanto
podem revelar os ruídos subterrâneos.
Görres estuda as larvas de besouros que se alimentam de
raízes, conhecidas como larvas brancas. Seu interesse específico é pelos gases
que essas larvas emitem, como metano. Os biólogos suspeitam que esses pequenos
insetos, pertencentes a várias espécies, são responsáveis por quantidades
substanciais de emissões climáticas, devido aos seus imensos números. Estima-se
que os cupins, por exemplo, produzem cerca de 1,5% das emissões globais de
metano. Comparativamente, as emissões da mineração de carvão representam 5-6%.
Inicialmente, Görres ficou desorientada. Como ela saberia
quantas dessas larvas com centímetros de comprimento viviam em um pedaço de
solo? "Tradicionalmente, você cava o solo para ver o que há ali", ela
conta. "Mas, assim, tudo fica danificado."
Por isso, Görres foi de bicicleta até pradarias e
florestas perto da sua cidade e enterrou duas dúzias de sensores acústicos no
solo para gravar as larvas cuidando das suas atividades. Ela conta que, quando
mostra as gravações para outras pessoas, "alguns dizem que parece o
rangido de uma árvore. Outros ouvem pedaços de lixa sendo esfregados entre
si."
Görres aprendeu a diferenciar as duas espécies de larvas
brancas que ela estuda — o besouro-comum (Melolontha melolontha) e o besouro-da-floresta (Melolontha hippocastani) —
devido a um zumbido que é similar ao canto estridente (estridulação) das
cigarras e dos gafanhotos acima da terra.
As larvas produzem esse som esfregando suas mandíbulas.
"Pode-se dizer que elas rangem os dentes para falar com as demais embaixo
da terra", descreve Görres. "A beleza dessas estridulações é que elas
parecem ser específicas para cada espécie, como os cantos dos pássaros."
Quando as larvas se transformam em pupas, elas alteram
seu mecanismo de produção de ruídos, girando o abdômen dentro da sua carapaça e
batendo-o contra a parede da carapaça. Mas por que elas fazem isso? O motivo
não está claro.
Acima do solo, os sons estridentes dos insetos atraem
parceiros sexuais. Mas, para as larvas, "a reprodução ainda não é
importante", segundo Görres. Para aprender mais, a ecologista (que
apelidou seu projeto acústico do solo de "Twitter subterrâneo")
encheu recipientes com solo arenoso do habitat natural dos insetos, acrescentou
fatias de cenouras para manter as larvas felizes e as levou para o seu laboratório.
Ela observou que as larvas mantidas sozinhas raramente
emitiam sons. Mas, se houvesse mais de uma no mesmo recipiente, elas cantavam -
e muito! Um trio de larvas de besouros estridulou por 682 vezes em suas
primeiras duas horas e meia juntas.
Görres suspeita que as larvas cantem para afastar as
demais. As larvas comem insistentemente — "seu único propósito na vida é
ganhar biomassa", segundo ela — e, se muitas larvas dividirem o mesmo
pedaço de solo, elas começam a canibalizar-se. Em apoio a essa teoria, Görres
indica que os cientistas já identificaram larvas mudando de curso para evitar
pupas que estão batendo seus abdomens.
O som é barato
Quando falamos sobre sons, referimo-nos principalmente às
ondas de pressão que viajam através do ar. Quando atingem os nossos ouvidos,
elas fazem vibrar os tímpanos e nossos cérebros, por fim, traduzem essas
oscilações em sons.
Mas essas ondas também podem mover-se através de outros
meios, como a água ou o solo. Os elefantes conhecem bem esse processo. Eles
vocalizam um estrondo em baixa frequência que se propaga através do solo,
permitindo que eles façam contato com irmãos distantes que captam os sinais com
a sola dos pés.
As emissões acústicas também podem viajar por diferentes
meios ao mesmo tempo. Grilos-toupeira machos (Gryllotalpa major) cavam tocas em forma de chifre no
solo arenoso, de onde estridulam esfregando suas asas. Esse gorjeio serve para
cortejar as fêmeas que estão voando no ar, mas ele também viaja na forma de
vibrações através do solo, onde pode afastar outros grilos machos nas suas
próprias tocas subterrâneas.
Alguns animais adaptaram seus ouvidos para captar melhor
essas vibrações transmitidas através de substratos. No Deserto da Namíbia, vive
a toupeira-dourada - um pequeno mamífero peludo de hábitos noturnos e quase
cego. À noite, a toupeira caça cupins nas dunas "nadando" através da
areia, com sua cabeça e os ombros submersos.
Os biólogos acreditam que ela faça isso para ouvir a
presa. Um dos ossículos do ouvido médio da toupeira é muito grande.
Pesquisadores acreditam que isso ajuda o animal a captar vibrações transmitidas
pelo solo, em um processo similar ao verificado com ondas sonoras aéreas em
ouvidos humanos.
Já as cobras recebem sinais vibratórios através dos
sensores nas suas mandíbulas, enquanto a toupeira-nariz-de-estrela possui um
nariz estranho com tentáculos, que pode captar vibrações. E muitos insetos
possuem sensores mecânicos nas patas que registram pulsos no solo.
Faz todo sentido que os animais subterrâneos incorporem o
som às suas vidas, segundo Matthias Rillig, ecologista do solo da Universidade
Livre de Berlim, na Alemanha. "O som é um sinal em alta velocidade que tem
custo muito baixo", afirma ele - certamente menor que o da produção de
substâncias como feromônios para comunicação.
O som também tende a viajar mais rápido e mais longe que
os sinais químicos. O estrondo de um elefante pode propagar-se por quilômetros.
Já as vibrações criadas por um pequeno inseto subterrâneo podem atingir apenas
algumas dezenas de centímetros — mas, em um mundo medido em grande parte em
micrômetros, esta ainda é uma longa distância.
Plantas e fungos na escuta
Mas existem outras formas de vida, além dos insetos, que
detectam essas vibrações subterrâneas e fazem uso delas?
Rillig começou um projeto em que ele e Maeder trazem para
o laboratório criaturas minúsculas, como colêmbolos e ácaros do solo, e os
acompanham por horas para testar quanto barulho eles fazem, isoladamente ou em
grupos com outras espécies. O ecologista imagina se os fungos poderiam ser
capazes de registrar os sons desses micropredadores e afastar-se dos locais
onde eles se reúnem, já que alguns deles gostam de comer filamentos fúngicos.
"Ou um fungo poderia reagir a indicações sonoras de
perigo aumentando a produção de esporos", afirma Rillig. Isso ajudaria a
garantir a dispersão dos seus genes antes que ele seja comido.
Já existem evidências de que as plantas, pelo menos,
fazem uso do som para auxiliar na sua sobrevivência. A ecologista evolutiva
Monica Gagliano ofereceu a plantas de ervilha (Pisum sativum) a opção de fazer crescer suas raízes em
diferentes tubos de plástico. Todos os tubos foram preenchidos com solo para os
testes, mas alguns foram expostos às vibrações de fluxo de água (correndo
através de um cano no lado de fora do tubo).
Gagliano, do Laboratório de Inteligência Biológica da
Universidade Southern Cross, da Universidade do Oeste da Austrália e da
Universidade de Sydney, todas na Austrália, relatou que as plantas de ervilha
favoreceram o crescimento de raízes em direção ao som da água, mesmo que a água
não fosse acessível para as plantas e que nenhuma umidade pudesse vazar para os
tubos.
Controle de pragas
Além de informar os ecologistas, a acústica subterrânea
poderá nos ajudar a cuidar melhor do meio ambiente e detectar pragas que causam
prejuízos de bilhões de dólares todos os anos.
Em 1478, "escaravelhos do pasto estavam causando
danos significativos às pradarias dos Alpes suíços, ao ponto do bispo de
Lausanne excomungar os herbívoros invasores", segundo escreveram
cientistas em um estudo de 2015 sobre insetos que se alimentam de raízes.
Para indicar um exemplo atual, infestações da
broca-da-raiz-da-videira, Vitacea
polistiformis, podem reduzir a produção dos vinhedos em até 47%.
Sem uma forma de identificar as infestações, os
administradores de campos muitas vezes precisam recorrer ao controle de pragas,
como a aplicação de pesticidas de cobertura, segundo Louise Roberts,
especialista em bioacústica da Universidade Cornell, nos Estados Unidos.
"Mas isso mata todo tipo de vida subterrânea".
Muitas vezes, seria suficiente tratar apenas partes de um
campo de plantio ou de golfe, pois os insetos do solo tendem a se reunir.
"Mas, para que isso funcione, você precisa saber onde as pragas
estão", adverte ela.
Por isso, Roberts e seus colegas estão conduzindo um
estudo para verificar se os administradores de campos podem colocar sensores no
gramado e usar as frequências dos sons coletados para identificar infestações
de pragas subterrâneas e suas espécies. O trabalho está em andamento, mas os
primeiros resultados sugerem que isso é possível, segundo Roberts.
A influência humana
Para sua decepção, os pesquisadores estão descobrindo que
nem tudo que eles detectam no solo é novo e exótico. Alguns ruídos são
inquietantemente familiares. Quando Marcus Maeder ouve os sons subterrâneos do
seu país natal, a Suíça, ele consegue "ouvir locais de construção e
rodovias que estão distantes. Até aviões."
Ainda não se sabe ao certo qual o impacto da poluição
sonora humana sobre a vida subterrânea. Para Matthias Rillig, "é difícil
acreditar que não haja impacto nenhum". E os cientistas também estão
descobrindo que a orquestra subterrânea de atividade animal começou a ficar em
silêncio em grandes trechos de terra, particularmente nas fazendas de
agricultura intensiva, onde "as coisas ficam quietas", segundo
Maeder.
A redução do ruído indica diminuição da biodiversidade e,
portanto, solo menos saudável. Isso coincide com um relatório recente da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) que
concluiu que um terço da terra do mundo já sofreu degradação pelo menos moderada,
muitas vezes devido à agricultura.
Para Maeder, talvez a acústica do solo ajude mais pessoas
a perceber a importância do que está em risco. Ele começou um projeto de
ciência cidadã que empresta sensores acústicos para as pessoas na Suíça ouvirem
por si próprias a atividade subterrânea. As gravações estão sendo reunidas em
uma biblioteca nacional de sons do solo, na esperança de incentivar a
conscientização.
Até o momento, a demanda é alta, segundo Maeder.
"Os sensores estão sempre emprestados."
(BBC)
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