O relatório
cita duas supostas afirmações atribuída ao ex-presidente. A primeira é a de que
ele teria dito que a Rússia deveria "encabeçar uma nova ordem mundial"
e que "Zelensky é tão culpado pela guerra quanto Putin".
A BBC News
Brasil não localizou citações de Lula defendendo que a Rússia deveria
"encabeçar" uma nova ordem mundial. Por outro lado, o ex-presidente
fez, recentemente, críticas à atuação do presidente ucraniano Volodymyr
Zelensky na condução da crise com a Rússia.
Em entrevista
à revista Time publicada em maio deste ano, Lula disse que Zelensky seria tão
responsável pela guerra quanto o presidente russo, Vladimir Putin.
"Às
vezes, fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse
festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é
tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque
numa guerra não tem apenas um culpado", afirmou o ex-presidente.
Especialistas
em relações internacionais ouvidas pela BBC News Brasil afirmam que as
declarações de Lula podem não ser as únicas explicações por trás da inclusão do
petista na lista.
Entre os
motivos apontados por elas estão o temor pela Ucrânia de um eventual novo
governo petista se reaproximar da Rússia e a suposta ligação de setores do
governo ucraniano com facções de extrema-direita. Isso, segundo elas,
explicaria a não-inclusão do presidente Jair Bolsonaro (PL), que, assim como
Lula, também fez declarações críticas a Zelensky nos últimos meses.
"O povo
[ucraniano] confiou num comediante o destino de uma nação. Ele [Volodymyr
Zelensky] tem que ter equilíbrio para tratar dessa situação aí", disse
Bolsonaro em fevereiro.
A BBC News
Brasil enviou questionamentos à embaixada da Ucrânia e à assessoria de imprensa
do ex-presidente Lula. Nenhum dos dois enviou respostas.
Aproximação
com a Rússia
A doutora em
estudos estratégicos internacionais e diretora de pesquisa do Instituto
Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), Larlecianne Piccolli, avalia
que inclusão do nome de Lula na lista possa ter a ver com o histórico das
relações entre o Brasil e a Rússia durante os governos do PT, especialmente,
durante os governos do ex-presidente Lula, entre 2003 e 2010.
Segundo a
especialista, naquele período, o governo brasileiro defendeu uma ordem
internacional multipolar como uma alternativa à hegemonia norte-americana.
Uma das
formas encontradas para isso foi o incentivo à formação de blocos como os
BRICS, composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Por essa
lógica, um novo governo do petista poderia enfraquecer os esforços feitos pela
Ucrânia para isolar a Rússia no cenário internacional.
"Me
parece que a Ucrânia pode estar olhando para o futuro e vendo o que um eventual
novo governo de Lula pode significar em termos de fortalecimento da Rússia.
Acho que eles estão vendo a liderança de Lula nas pesquisas e avaliando quais
os impactos disso para a Ucrânia", assinala.
Para a doutora em Relações Internacionais e professora da Escola Superior de Guerra (ESG) do Ministério da Defesa Mariana Kalil, a atual posição do presidente Jair Bolsonaro em relação ao conflito é considerada menos relevante que uma eventual reaproximação do Brasil com a Rússia em um novo governo petista.
Sob
Bolsonaro, o governo brasileiro condenou as agressões russas à Ucrânia em
reuniões na Organização das Nações Unida (ONU), mas o país não aderiu as
sanções econômicas aplicadas por países como os Estados Unidos e da Europa.
Bolsonaro diz
que seu governo é "neutro" em relação ao conflito, apesar de, poucos
dias antes da invasão russa, ter feito uma visita a Putin na qual elogiou o
presidente russo e o chamou de um "homem de paz".
"No
governo de Bolsonaro, o Brasil adotou noções pró-Ocidente que são interessantes
hoje à Ucrânia. Um eventual governo Lula não teria essa mesma visão e isso pode
estar preocupando os ucranianos", diz Mariana Kalil.
Ligações
com a extrema-direita
Mariana Kalil
também destaca uma outra razão pela qual os ucranianos teriam incluído o nome
de Lula: a ligação de setores do governo ucraniano com movimentos de extrema-direita.
Segundo ela,
isso explicaria por que Lula foi mencionado enquanto Bolsonaro, que se assume
como político de direita e que também já fez declarações críticas a Zelensky,
não foi incluído.
"Esse
movimento [inclusão do nome de Lula] faz sentido quando sabemos que existe uma
inserção de Zelensky dentro da extrema-direita global. Assim, faria sentido o
governo mencionar Lula, que é um político de esquerda, e não Bolsonaro",
opina a especialista.
A lista
ucraniana não cita, porém, apenas políticos e intelectuais de esquerda.
Ela cita, por
exemplo, a líder do partido de direita radical Rassemblement National (Reunião
Nacional), a francesa Marine Le Pen. Ela ficou conhecida por defender pautas
anti-imigração na França e na Europa.
As ligações
entre o governo ucraniano e movimentos de extrema-direita são frequentemente
citadas pelo governo russo como um dos motivos que levou à invasão da Ucrânia
pelos militares do país.
O tema é
considerado sensível. A Rússia, por exemplo, disse que um dos objetivos de sua
invasão à Ucrânia era "desnazificar" o país. O presidente Zelensky,
no entanto, é judeu.
Em entrevista
à BBC News Brasil em março, o professor aposentado de História da Universidade
de Alberta, no Canadá, John-Paul Himka, disse que os níveis de tolerância
política com a movimentos de extrema direita na Ucrânia são semelhantes aos
encontrados em outros países do mundo.
"Temos
de olhar o contexto global mais amplo da tolerância da Ucrânia em relação à
extrema direita. Eu vivo no Canadá. Recentemente, os postos de fronteira e a
capital foram cercados pelo movimento de extrema direita dos comboios",
disse o especialista.
Larlecianne
Piccolli, porém, concorda com Mariana Kalil.
"É de conhecimento público que há laços de setores do governo ucraniano com movimentos de extrema-direita. Se você soma isso a um possível temor sobre o que podem representar as eleições no Brasil para a estratégia ucraniana, é possível entender melhor o que pode ter motivado a entrada de Lula nessa lista e a ausência de Bolsonaro", diz Larlecianne.
Em entrevista
à TV Globo veiculada nesta semana, Zelensky negou a existência de grupos de
extrema direita atuando no leste da Ucrânia contra a invasão russa.
Apesar das
declarações, há evidências de que grupos de extrema direita como o Batalhão
Azov, que luta contra a ocupação russa desde a invasão da Crimeia, em 2014,
mantém relações com o governo ucraniano.
Mariana Kalil
diz que inclusão do nome de Lula nessa lista acontece, ainda, em meio à
proximidade de um exercício militar que será realizado pela Rússia, China e Irã
na Venezuela, previsto para agosto deste ano.
"No
Brasil, um dos argumentos usados pela direita radical contra a esquerda é o
suposto risco de venezuelização do país. Considerando o contexto do exercício
militar, ligar o nome de Lula à Rússia pode ressuscitar esse tema",
assinala a especialista.
Recado a
americanos
Mariana Kalil
aponta um terceiro motivo para a inclusão de Lula na lista de supostos
disseminadores de propaganda russa: pressão sobre os americanos.
Segundo ela,
à medida em que a Ucrânia veria um governo petista mais próximo da Rússia que o
de Bolsonaro, a menção a Lula teria o objetivo de pressionar os americanos
sobre o que pode acontecer no Brasil a partir de 2023.
"Acho
que eles querem dizer o seguinte: 'Americanos, olhem para o que pode acontecer
no Brasil. Isso não será bom para nós'", conclui a especialista.
(BBC)
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