O especialista,
que também é secretário de Saúde do Espírito Santo, aponta que a resposta do
país à nova doença é "protocolar" até agora e pode se tornar
"insuficiente" nos próximos meses.
"Na nossa
avaliação, o Brasil corre o risco de repetir os erros cometidos no começo da
pandemia de covid-19", alerta.
"Com o
coronavírus, não tivemos critérios de testagem para casos suspeitos logo no
início. À época, isso impediu que o país conhecesse o real tamanho do problema
com o qual estávamos lidando", contextualiza.
Fernandes explica
que, no momento, existe uma espécie de "silêncio epidemiológico"
sobre o vírus monkeypox, o causador da condição, em algumas regiões
brasileiras.
Em outras
palavras, isso significa que o patógeno pode estar se espalhando pela população
sem que tenha sido detectado de forma adequada pelos serviços de saúde.
"Por ora,
cada Estado está agindo de forma independente e tem critérios próprios de
testagem e acompanhamento de casos", avalia.
"Precisamos
de uma coordenação nacional para atualizar e padronizar a estratégia em todo o
território e não permitir que o monkeypox se torne uma ameaça ainda
maior."
"Sem
coordenação nacional, a aquisição de insumos, medicamentos e tecnologias também
fica muito mais difícil", completa.
De acordo
com o portal
Our World In Data, há mais de 17 mil casos confirmados de varíola
dos macacos no mundo. Desses, 813 foram diagnosticados no Brasil.
'Questão de tempo'
Na avaliação de
Fernandes, o decreto de emergência de saúde pública de importância
internacional feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 23 de junho foi
um acerto.
"A decisão
permite acelerar ações de vigilância e desenvolvimento de tecnologias para
responder rapidamente à doença."
"Sem esse
estado de emergência, a comunicação e as ações para conter o problema variam muito
de país para país", analisa.
O médico
sanitarista explica que, em aspectos como as características de transmissão e a
ação dos patógenos, não faz sentido comparar o coronavírus e o monkeypox.
"Não podemos
usar a covid como critério para reconhecer outras situações como uma emergência
de saúde pública. A doença causada pelo monkeypox, mesmo com uma letalidade
mais baixa, circula numa velocidade relevante e em proporções
internacionais", diz.
Fernandes também
argumenta que a noção distorcida de que a doença só acontece em grupos específicos,
como jovens, gays, bissexuais ou homens que fazem sexo com homens, representa
uma armadilha das grandes.
"É normal e
esperado que algumas enfermidades afetem com mais frequência alguns grupos
específicos", explica.
"Porém, pelas
próprias características do monkeypox, é questão de tempo, talvez de apenas
algumas semanas, para que ele comece a ser encontrado cada vez mais também em
outros grupos, como heterossexuais ou idosos."
Mas o que precisa
ser feito?
Questionado pela
BBC News Brasil sobre quais são as ações concretas que o Brasil precisa tomar
agora para lidar com o monkeypox, o presidente do Conass resumiu a necessidade
de mudar as políticas públicas em três aspectos.
Primeiro,
reconhecer que todos os Estados estão em risco e já devem ter a transmissão
comunitária deste vírus.
"A partir
disso, precisamos aumentar a nossa capacidade de testagem e ampliar a suspeita
clínica, que define quando uma pessoa deve passar por um exame desses",
sugere.
Em segundo lugar,
Fernandes diz que é preciso ter uma atenção especial com os critérios de
isolamento dos casos confirmados — a principal forma de transmissão do patógeno
acontece por meio do contato direto com as feridas de um paciente. Outras vias
infecção são gotículas de saliva e o compartilhamento de objetos contaminados.
A restrição de
contato de alguém que está com a varíola dos macacos é essencial para quebrar
as cadeias de transmissão do vírus na comunidade e impedir um aumento ainda
mais acelerado do número de casos.
"Nos preocupa
o cenário atual, em que se recomenda apenas o isolamento de quem teve contato
direto com alguém infectado. Vemos que, em muitos casos, a doença evolui com
sintomas leves e poucas lesões, que podem passar despercebidos", avalia.
"Deveríamos
ter medidas objetivas de saúde pública e criar uma comunicação clara sobre o
que fazer", complementa.
A terceira e
última ação urgente, na visão do especialista, é acelerar a busca por vacinas
que protegem contra a enfermidade.
"O Brasil
está lento e precisa de esforços mais vigorosos para adquirir esses
imunizantes", critica.
"Fora que nós
temos no país instituições reconhecidas internacionalmente, que poderiam ser
mobilizadas para a produção desta vacina. Nosso país também tem um peso
internacional grande, e poderia utilizar essa influência na OMS ou no mercado
para garantir as doses", indica.
"Precisamos
entender que o Brasil é um ponto de grande circulação de pessoas. Ter essa
doença descontrolada no nosso país representa um risco não só para nós, mas
para a América Latina e o mundo inteiro."
Por fim, o
sanitarista entende que ainda há tempo de controlar a crise sanitária
relacionada ao monkeypox.
"Se tivermos
respostas atualizadas, que aumentem a testagem, o bloqueio da transmissão e a
vacinação, podemos falar num controle dessa doença ao longo dos próximos
anos", acredita.
"Porém, os
países que subestimarem o monkeypox agora, terão um impacto muito maior",
conclui.
Após a publicação
desta reportagem, o Ministério da Saúde enviou uma nota à BBC News Brasil em
que diz atuar "para garantir que todos os casos suspeitos da varíola dos
macacos fossem diagnosticados em tempo adequado".
"A pasta
realiza o constante monitoramento e analisa diuturnamente a situação
epidemiológica para orientar as ações de vigilância e resposta à doença no
Brasil."
O texto também diz
que, "antes mesmo da ocorrência de casos suspeitos ou confirmados da
varíola dos macacos no país, o Ministério da Saúde buscou implementar
estratégias para enfrentamento da doença. Uma dessas ações foi dar condições
para testagem e diagnóstico dos casos suspeitos, atualmente realizadas nos
quatro laboratórios de referência do Brasil. Essas unidades têm atendido as
necessidades atuais, sem sobrecarga."
"Os testes
para diagnóstico estão disponíveis para toda a população que se enquadre na
definição de casos suspeitos para varíola dos macacos. Além disso, o Ministério
da Saúde tem se antecipado para propor estratégias para ampliação de testagens
em outros laboratórios nacionais."
Por fim, a nota
pontua que "o Ministério da Saúde também tem articulado com a OPAS/OMS as
tratativas para aquisição da vacina contra a varíola dos macacos, de forma que
o Programa Nacional de Imunizações (PNI) possa definir a estratégia de
imunização para o Brasil." (G1)
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