"No Brasil atual não
há mais espaço para retrocessos autoritários", diz o manifesto. "A
solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo
respeito ao resultado das eleições."
Alguns dos principais
candidatos à Presidência também assinaram o documento, entre eles Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e Felipe D'Avila
(Novo). Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff também
apoiaram.
Os atos previstos para
quinta acontecerão de forma simultânea à leitura do manifesto na Faculdade de
Direito da USP.
Uma segunda carta em
defesa da democracia, organizado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo) e endossado por centrais sindicais, pela Febraban (Federação
Brasileira de Bancos), Fecomércio, Academia Brasileira de Ciências, UNE (União
Nacional dos Estudantes) e outros, também será lida durante a manifestação, de
acordo com os organizadores.
Segundo cientistas
políticos e sociólogos, os manifestos de caráter suprapartidário têm, além de
um valor simbólico grande para o Brasil, a capacidade de gerar efeitos práticos
no atual contexto pré-eleitoral.
Para Rosemary Segurado,
cientista política e professora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
(FESPSP), o primeiro grande resultado da mobilização — e que já vem se tornando
realidade — é a formação de uma frente ampla em prol da democracia.
"Há tempos se fala da
necessidade de uma frente ampla para defesa da democracia, que acabava não se
constituindo. Mas o que vemos agora é um passo inicial nessa direção,
especialmente se tratando de manifestos que reuniram diversos setores da
sociedade, inclusive do empresariado, em prol da pauta", diz.
Segundo a especialista,
esse processo ainda amplia a legitimidade do processo eleitoral brasileiro, que
vem sendo questionado por forças dentro do próprio governo.
"Essa mobilização tem
ainda a capacidade de dar ainda mais legitimidade ao processo eleitoral e,
principalmente, uma sustentação para o próximo presidente eleito tomar posse e
exercer seus poderes", afirma Segurado.
Desde que tomou posse do
cargo em 2019, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem investindo contra o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o sistema de votação eletrônica.
Em julho, uma reunião com
embaixadores estrangeiros de países democráticos, em que o presidente repetiu
suspeitas já desmentidas por órgãos oficiais sobre a credibilidade das eleições
de 2018 e a segurança das urnas eletrônicas, foi alvo de muitas críticas e
preocupação.
Diferentemente da maioria
dos presidenciáveis, Bolsonaro afirmou que não vai assinar a carta organizada
pela Faculdade de Direito da USP.
Para o cientista político
e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Marco Antônio
Teixeira, os atos e manifestos em prol da democracia isolam Bolsonaro e seu
discurso sobre o sistema eleitoral.
"A mobilização deixa
o bolsonarismo isolado nessas ideias e demonstra que a desconfiança sobre as
urnas eletrônicas e o processo eleitoral não tem grande adesão na
sociedade", diz.
Segundo uma pesquisa do
Instituto Datafolha de março deste ano, 82% da população brasileira confia no
sistema de votação e nas urnas eletrônicas.
"Na medida em que a
manifestação vai acontecer em todo país, a iniciativa coloca obrigatoriamente o
tema da proteção da democracia na agenda da eleição", diz o cientista
político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio.
"Isso pode ter um
efeito importante, especialmente porque os candidatos certamente serão
questionados sobre isso em entrevistas e debates."
Marco Antônio Teixeira
chama atenção, porém, para o fato de que até o momento, as manifestações em
prol do Estado Democrático de Direito não impediram as declarações de Bolsonaro
e outros membros de seu governo.
Em encontro com
representantes da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e da CNF
(Confederação Nacional das Instituições Financeiras) em São Paulo na
segunda-feira (8/08), o presidente atacou o manifesto em defesa da democracia.
Aos banqueiros,
signatários da carta, Bolsonaro disse que quem é "democrata não precisa
assinar cartinha". Ele ainda associou o manifesto a uma defesa da
candidatura do ex-presidente Lula, apesar de o documento não mencionar nenhum
político.
Impacto nas eleições
Para Ricardo Ismael, a
mobilização em torno da carta tende a não se refletir de forma expressiva nas
urnas.
"A nível dos
formadores de opinião, dos segmentos de maior escolaridade e mais politizados a
carta tem um efeito importante", diz.
"Mas quando se trata
da maior parte da população, que foi atingida pela atual crise econômica social
e que está preocupada com questões ligadas à sobrevivência e às suas condições
de vida, o tema pode ficar em segundo plano."
"É claro que a
maioria dos brasileiros de baixa renda não deseja a volta da ditadura ou o fim
da democracia, mas os critérios de definição do voto devem girar em torno da
redução do desemprego, do pagamento de benefícios sociais, do estado do sistema
de saúde pública e do combate à fome", afirma Ismael.
Na opinião do professor da
FGV Marco Antônio Teixeira, porém, a mobilização pela defesa da democracia pode
influenciar o eleitor caso o atual presidente insista no discurso que questiona
a segurança das urnas e do processo eleitoral.
"O impacto eleitoral
pode ser negativo para Bolsonaro caso sua campanha insista no discurso
polarizador", diz.
"As pesquisas
eleitorais já mostraram que quando o atual presidente radicaliza seu discurso e
faz ameaças à eleição, suas intenções de voto caem ou estancam."
Uma pesquisa Genial/Quaest
colhida entre os dias 28 e 31 de julho mostrou o ex-presidente Lula com 12
pontos de vantagem sobre Bolsonaro. Segundo o levantamento, o petista tem 44%
das intenções de voto, ante 32% do atual chefe do Executivo.
Frente ampla no 2° turno?
Ricardo Ismael, da
PUC-Rio, afirma ainda que a formação de uma frente ampla em prol da democracia
no Brasil, arquitetada por meio dos manifestos, pode ser o pontapé inicial para
uma aliança política em um possível 2º turno das eleições presidenciais.
"Podemos imaginar uma
frente democrática se formando no 2° turno, que inclua o ex-presidente Lula e
alguns outros adversários contra o atual presidente Jair Bolsonaro", diz.
Segundo o cientista
político, o movimento de assinar o manifesto feito pelos candidatos Ciro Gomes
e Simone Tebet, que ocupam atualmente o terceiro e quarto lugar nas principais
pesquisas de opinião, tende a indicar uma oposição ao discurso de ataque ao
sistema eleitoral de Bolsonaro que poderia levar a uma aliança.
Simbolismo e referência
a 1977
Em seu texto, a Carta às
Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito faz
referência direta a outro momento da história em que um manifesto democrático
gerou repercussões na sociedade brasileira.
Trata-se de um manifesto
semelhante lido no Largo de São Francisco pelo professor Goffredo Telles Jr.,
em 1977, em ato que ficou conhecido como um dos marcos da organização da
sociedade civil contra a ditadura militar (1964-1985).
A Carta aos Brasileiros,
que completa 45 anos e também será lembrada no ato organizado pela Faculdade de Direito da
USP, denunciava a ilegitimidade do então governo militar e
conclamava a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
"Queremos dizer,
sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como
sempre, a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as
ditaduras", dizia o manifesto de 1977.
"Há todo um
simbolismo que os autores e agora os mais de 800 mil signatários tentam ecoar
pelo país todo com o manifesto de 2022, que remonta ao movimento de 1977",
diz Ricardo Ismael.
"Diferente do momento
atual, naquele momento o Brasil ainda passava pela ditadura militar e o
manifesto foi muito importante para articular as forças políticas em trabalhar
pela redemocratização", explica Rosemary Segurado, da PUC e FESPSP.
"A defesa da
democracia é algo comum, o que muda são os contextos", diz Marco Antônio
Teixeira.
(BBC)


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