Esta mãe de 10 filhos me recebe em sua casa bem cuidada — e me mostra fotos da família numerosa. Estou aqui para conversar com ela sobre um de seus filhos: o primogênito, Tlohang.
Aos
38 anos, ele se tornou parte de uma estatística sombria. Lesoto, apelidado de
"reino no céu" devido à sua altitude, tem a taxa de suicídios mais
alta do mundo.
"Tlohang
era um bom filho. Ele me contou sobre seus problemas de saúde mental",
diz Moloi.
"Ele
veio até mim e disse: 'Mãe, um dia você vai ouvir que tirei minha vida'."
"A
morte dele me doeu muito. Eu realmente gostaria que ele pudesse ter explicado
com mais detalhes o que estava acontecendo com ele. Mas ele tinha receio de
que, se contasse às pessoas, pensariam que ele era uma pessoa fraca, incapaz de
resolver seus próprios problemas."
De
acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 87,5 pessoas por 100 mil
habitantes tiram a própria vida todos os anos em Lesoto.
Este
número é mais que o dobro do registrado pelo próximo país da lista, a Guiana, na
América do Sul, onde a taxa de suicídio é de pouco mais de 40 por 100 mil
habitantes.
Também
é quase dez vezes a média global, que é de nove suicídios para cada 100 mil
pessoas.
Esta
é uma estatística que ONGs, como a HelpLesotho, estão determinadas a mudar,
munindo os jovens com as habilidades necessárias para gerenciar sua saúde
mental.
Terapia
de grupo
Na
cidade de Hlotse, a cerca de duas horas de carro da capital Maseru, participei
de uma das sessões regulares de terapia de grupo para mulheres jovens,
dirigidas pela assistente social Lineo Raphoka.
"As
pessoas pensam que isso vai contra os nossos princípios, as nossas experiências
culturais, a nossa espiritualidade como africanos e como comunidade em
geral", diz Patience, de 24 anos, ao grupo.
"Mas
também estamos escondendo o que está acontecendo. Perdi três amigos por
suicídio. Eu mesma tentei."
Todos
aqui já tiveram pensamentos suicidas ou conhecem alguém que cometeu suicídio.
Ntsoaki,
de 35 anos, se emociona ao compartilhar sua história com o grupo. Ela foi
estuprada no hospital.
"O
médico me disse que eu era muito atraente. Aí ele sacou uma arma, e me disse
que queria ter prazer comigo, e que se eu não deixasse, me mataria."
"Pensei
em suicídio, e que era a única solução. Não consegui, não tive forças para
fazer isso. A única coisa que me manteve em movimento ou viva foi o rosto dos
meus irmãos. Eles acham que sou forte, mas sou fraca", relatou.
O
grupo garante que ela é forte por dividir seus sentimentos.
Quando
a sessão termina, todas as mulheres conversam e sorriem, dizendo que estão se
sentindo melhor por terem compartilhado suas histórias.
As
razões pelas quais as pessoas tiram a própria vida são muitas vezes complicadas
— e é difícil isolar uma única causa.
Padrões
que ajudam a entender
Apesar
disso, Raphoka diz que vê padrões que explicam por que o Lesoto tem uma taxa de
suicídio tão alta.
"Na
maioria das vezes, são pessoas que passam por situações como estupro,
desemprego, perda de um ente querido. Fazem uso abusivo de drogas e
álcool."
De
acordo com um relatório de 2022 do World Population Review, 86% das mulheres em
Lesoto sofrem violência de gênero.
Enquanto
isso, o Banco Mundial afirma que dois em cada cinco jovens não têm emprego nem
formação.
"Não
recebem apoio suficiente de suas famílias, amigos ou de qualquer tipo de
relacionamento que tenham", acrescenta Raphoka.
É
algo que você ouve com frequência em Lesoto. As pessoas dizem repetidamente que
não se sentem à vontade para falar sobre sua saúde mental — e que outros
podem julgá-las.
Uma
noite, sentado em um bar em Hlotse, onde a clientela masculina bebe cerveja
local e conversa sobre política enquanto assiste à uma partida de futebol na
TV, mudo o assunto para saúde mental.
"Nós
conversamos sobre isso, dizemos: 'vamos nos abrir'", afirma Khosi Mpiti.
Alguns
receiam que, se revelarem demais, isso possa gerar fofocas sobre eles. Apesar
disso, Mpiti diz que as coisas estão melhorando.
"Como
grupo [de amigos], nos apoiamos muito. Se tenho um problema, eu conto ao grupo,
e nos apoiamos mutuamente."
No
entanto, quando as pessoas buscam ajuda profissional, enfrentam dificuldades no
sistema público de saúde.
A
única unidade psiquiátrica do país foi criticada no ano passado pelo ombudsman,
funcionário cuja função é zelar pelos interesses públicos, por não ter um
psiquiatra desde 2017.
Ele
também destacou abusos generalizados, incluindo "condições que violam os
direitos humanos".
Tampouco
havia uma política nacional de saúde mental para lidar com a crise, embora o
governo, eleito em outubro de 2022, diga que está em processo de elaboração de
uma.
"O
problema de saúde mental se tornou uma epidemia", admite Mokhothu
Makhalanyane, parlamentar que dirige uma comissão voltada para questões de
saúde.
"Estamos
nos certificando de que a mensagem chegue a todos, desde escolas primárias até
escolas secundárias, e locais onde os jovens se reúnem, como torneios de
futebol", disse ele à BBC.
"A
política também será específica em termos de tratamento, e permitirá que as
pessoas afetadas se submetam à reabilitação."
Segundo
ele, Lesoto pode aprender com sua luta contra o HIV, vírus causador da Aids.
Falar
abertamente
Em
2016, Lesoto se tornou o primeiro país a introduzir uma estratégia de
"teste e ensaio", o que significa que as pessoas podem iniciar o
tratamento assim que forem diagnosticadas. As taxas de infecção pelo vírus
diminuíram constantemente.
"A
experiência que tivemos é que falar abertamente, e não culpar nem criticar as
pessoas pela situação, ajudou a mudar as coisas."
De
volta às montanhas, Moloi faz uma curta caminhada até chegar ao túmulo do
filho.
A
morada final de Tlohang está localizada em um terreno com uma vista
impressionante, repleta de riachos, vegetação e pequenas casas.
Moloi
é uma entre várias pessoas em Lesoto que estão enfrentando a dor de perder
alguém por suicídio.
Enquanto
admiramos a vista, ela diz que tem uma mensagem para aqueles que se encontram
na mesma situação mental que o filho estava.
"Eu
diria às pessoas que tirar a própria vida nunca é uma solução. O que você
precisa
fazer é conversar com as pessoas ao seu redor para que possam ajudá-lo."
(Fonte:
BBC)
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